Por Sebastian Kaleta, vice-ministro da Justiça do governo polonês e membro do Parlamento. Este artigo foi publicado originalmente em 21 de janeiro, na Newsweek.
Em 1644, John Milton publicou ‘Areopagitica: Discurso Sobre A Liberdade De Expressão‘, seu famoso apelo pela liberdade de imprimir sem as restrições impostas pelo licenciamento do governo. “Dai-me a liberdade de saber, de me expressar e de arguir livremente de acordo com minha consciência, acima de todas as liberdades”, escreveu Milton. Apropriadamente, ele publicou o discurso sem licença.
Hoje, a ameaça que Milton enfrentou mudou. Gatekeeping [edição e seleção do que será noticiado] não é mais executado por Estados, mas por empresas de Big Tech. Como a imprensa escrita, a internet inicialmente trouxe uma rápida descentralização e nivelou a rede de comunicação humana. Mas, após a liberdade inicial da World Wide Web, a “web 2.0” tornou todos nós dependentes de operadores centralizados – empresas de grande tecnologia que acumulam nossos dados para obter lucro.
Na Polônia, vimos com alarme como um consórcio de empresas Big Tech cada vez mais poderosas e monopolistas fez o que antes era impensável: descontinuar um presidente dos EUA em exercício. Para nós, este exemplo – que alarmou presidentes e primeiros-ministros em toda a Europa e, de fato, no mundo todo – é meramente a gota d’água. O debate sobre quem e o que as empresas de mídia social devem ser capazes de censurar está agora firmemente aos olhos do público.
Para os cidadãos da Polônia e de outros países que valorizam a verdadeira responsabilidade democrática, concluímos que esta situação já não pode perdurar. Como a mídia de todo o mundo notou, a Polônia propôs uma lei estabelecendo um “Conselho da Liberdade de Expressão” para garantir que os cidadãos poloneses não sejam arbitrariamente manipulados por empresas de grande tecnologia.
No cerne da nossa proposta está um esforço para garantir aos cidadãos polacos o seu direito constitucional à liberdade de expressão nas principais plataformas da Internet. O Conselho de Liberdade de Expressão que propomos decidirá o que a Big Tech pode e não pode remover de suas plataformas, para que não tente impor restrições além das leis que governam e protegem a expressão na Polônia. Longe de ser uma iniciativa partidária ou faccional, o Conselho da Liberdade de Expressão convocará membros para mandatos de seis anos após terem sido nomeados por uma maioria de três quintos no Parlamento.
O remédio é adequado à magnitude do problema. Há dois mil anos, o comediante romano Juvenal perguntou: “Quem vai cuidar dos espectadores?” No caso da Big Tech, acredito que a resposta está com o povo – não com moderadores anônimos operando sem transparência e sem possibilidade de recurso. O Ato de Liberdade que propus na Polônia não é apenas uma lei que garantiria aos cidadãos poloneses seu direito constitucional à liberdade de expressão, mas fornece um plano de como enfrentar o problema da inexplicável regulamentação do discurso pelos oligarcas do Vale do Silício.
A Polônia sofreu sob o comunismo imposto pela União Soviética por 45 anos e suportou décadas de censura. Somos particularmente sensíveis a quaisquer tentativas de restringir a liberdade de expressão: não buscamos o poder de remover qualquer conteúdo das mídias sociais; em vez disso, queremos simplesmente garantir que o conteúdo legal não seja removido. O problema da censura na mídia social é muito mais sistêmico do que a mera instância, por mais monumental que seja, como a retirada permanente das plataformas de um presidente dos EUA em exercício. Os cidadãos comuns estão descobrindo que seu conteúdo é regulado por agentes invisíveis atrás de computadores muito, muito distantes.
Na melhor das hipóteses, a Internet em sua forma descentralizada forneceu um “Speaker’s Corner” [Recando do Orador] online, tornando-se uma força verdadeiramente democratizante. A Internet inicial deu acesso igual para aqueles que desejavam falar, trocar, discutir e debater seus pontos de vista. À medida que mudamos cada vez mais nossos debates políticos para a esfera online, porém, “digitalizamos” todo o nosso discurso. As grandes empresas de tecnologia detiveram a democratização do discurso, em vez de privatizá-lo e centralizá-lo. Quer queiramos ou não, essas empresas de tecnologia têm o monopólio do fórum online, ou pelo menos de grandes segmentos dele.
Durante anos, os conservadores sugeriram que o Vale do Silício tem um forte viés liberal e que está envolvido na censura online. Dizem que a Big Tech bane usuários, impõe “shadow bans” [punição aplicada pelo algoritmo da rede social a perfis ou publicações]. Ao receber essa punição, suas publicações deixam de aparecer nos mecanismos de buscas e, apesar de não serem excluídas e dos seus seguidores ainda poderem vê-la, ela tende a ter um desempenho ruim, pois nenhum usuário novo irá recebê-la e suprime conteúdo. Essas reivindicações foram frequentemente rejeitadas e ridicularizadas – e a falta de transparência da Big Tech, sua falta de meios eficazes de contestar as decisões de moderação de conteúdo e sua ausência de regras claras apenas agravaram a batalha difícil dos conservadores.
A volatilidade política nos Estados Unidos pode obscurecer o que a Big Tech fez agora. Mas, vista do exterior, a rápida imposição de um regime de censura por praticamente todas as empresas de mídia social – do Twitter, Facebook, Twitch, YouTube, Reddit e Instagram ao Snapchat e muitos provedores de infraestrutura de internet – agora colocou o mundo em alerta.
As decisões da Big Tech com relação ao presidente Trump têm causado preocupação aos governos em todo o mundo. O poder e o alcance da Big Tech são líderes inspiradores para garantir os direitos de seus cidadãos em face de um gigante invasor.
Se essas empresas agiram de forma coordenada ou não, é irrelevante. Eles efetivamente provaram que são de fato um cartel monopolista que define e controla a liberdade de expressão online.
Infelizmente, durante anos todos nós ouvimos que as empresas privadas têm o direito de agir como bem entenderem. “Se você não gosta de nossa rede social, apenas crie a sua própria”, diz a citação tão utilizada. Mas a rápida exclusão do Parler acabou com esse argumento de uma vez por todas. Com a Amazon se recusando a hospedar o Parler e a Apple e o Google removendo o aplicativo de suas lojas de aplicativos, a Big Tech matou a concorrência antes mesmo que pudesse decolar de forma significativa.
Há um argumento convincente de que os gigantes da mídia social são, na verdade, “monopólios naturais”. Embora o mais alto grau de eficiência às vezes seja alcançado sob um único operador em um determinado mercado, é essencial que esses únicos operadores sejam devidamente regulamentados. Vendo a mídia social como uma utilidade pública, reconhecemos que ela se tornou uma ferramenta de comunicação essencial – assim como as concessionárias de eletricidade, água e telefone operam no interesse público e com supervisão democraticamente responsável.
Garantir o recurso dos cidadãos contra a arbitrariedade da Big Tech é um primeiro passo na direção de orientar a internet para o bem público. Cidadãos poloneses – e, felizmente, cidadãos de outros países também – em breve poderão se conduzir online de forma responsável, sem temer que um censor desconhecido e invisível suspenda sua conta no meio da noite.
A exclusão arbitrária de vozes, e até mesmo empresas, da internet torna mais claro do que nunca que as empresas de mídia social não são apenas plataformas, mas editoras – e não apenas editoras, mas guardiões monopolistas para a rápida transmissão de informações ao público em geral.
Não posso deixar de imaginar como Milton acharia irônico, séculos depois de defender a liberdade de expressão contra um parlamento intrusivo, ver que essa liberdade precisa de defesa contra monopólios privados. Hoje, é o Estado – não seus governantes partidários, mas a comunidade como um todo – que precisa proteger os cidadãos da censura imposta pelo Vale do Silício.
Acredite em nós. Nós, poloneses, vimos uma censura agressiva, e muito pior, no século passado. É hora de os governos democráticos em todo o mundo protegerem seus cidadãos e restaurarem a Internet como um lugar para discussões públicas legais.