O Governo Trump pediu ao setor de educação superior dos EUA que repense em suas parcerias com institutos culturais e de ensino de línguas administrados e parcialmente financiados pelo Partido Comunista Chinês (PCC). Para o governo americano, os institutos de Confúcio são verdadeiros veículos de propaganda estatal chineses que oferecem uma visão partidária da China, além de praticarem espionagem industrial e ameaçarem a liberdade de expressão e pensamento.
Os Departamentos de Estado e Educação dos EUA alertaram em cartas enviadas recentemente a universidades e funcionários públicos de educação que os Institutos Confúcio, administrados por uma filial do Conselho de Estado da China, fornecem a Pequim um “ponto de apoio” para exercer influência política nos campi americanos e representam uma ameaça à liberdade de expressão.
“A presença dessa influência autoritária em nossos campi nunca foi tão preocupante, nem tão consequente”, afirmam as cartas, assinadas pelo Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e pela Secretária de Educação, Betsy de Vos.
De acordo com Washington, os órgãos culturais chineses estão exercendo alta pressão sobre as universidades que os hospedam, levando-as a censurar discursos e notícias consideradas “delicadas” pela liderança de Pequim. Em muitos setores, observa-se que os institutos oferecem uma visão partidária da China e de suas autoridades. As palestras não tratam de questões como o massacre de Tiananmen, a opressão de minorias étnico-religiosas como os uigures e tibetanos, a batalha pela democracia em Hong Kong e na própria China, e a independência de Taiwan.
Devido às suas relações com o governo comunista chinês e grandes empresas estatais chinesas, os centros Confúcio também são acusados de espionagem industrial. Pelo risco de perda de dados sigilosos relacionados à propriedade intelectual, dezenas de universidades americanas já cortaram relações com a instituição.
Atualmente, o Partido Comunista Chinês (PCC) opera os 548 Institutos Confúcio em todo o mundo, com mais de 75 nos Estados Unidos — 66 em câmpus universitários dos EUA — e mais de 500 programas em salas de aula dos ensinos fundamental e médio dos EUA. O Ministério da Educação da China (Hanban) pretende estabelecer mil Institutos Confúcio até o final deste ano. Um relatório recente do Departamento de Estado dos EUA classificou os programas desses institutos como “uma missão estrangeira do Partido Comunista Chinês”.
As cartas afirmam que os acordos de cooperação com os Institutos de Confúcio permitem que eles contratem exclusivamente professores avaliados e pagos pelo governo comunista chinês, que “podem evitar discutir o tratamento dado pela China a dissidentes e minorias religiosas e étnicas”.
“Os Institutos Confúcio são marcados como centros de aprendizagem cultural e de língua chinesa, mas há evidências crescentes de que eles também são ferramentas de influência maligna e disseminação da propaganda do PCC nos campi dos EUA”, diziam as cartas.
Centros de lobby
Xia Ming, professor de Ciências Políticas da Universidade de Nova York, disse que uma vez foi abordado pela embaixada chinesa para ajudar a estabelecer um Instituto Confúcio em sua universidade, mas recusou. Ele disse à Radio Free Asia que os institutos também funcionam como centros de lobby que representam o ponto de vista de Pequim para as autoridades universitárias.
“Uma vez criados, os Institutos Confúcio passam a ser formados por Pequim”, disse Xia. “No caso de uma questão política importante, [Pequim] exigirá que os Institutos Confúcio pressionem os líderes universitários de dentro.”
Ele disse que as questões consideradas problemáticas por Pequim podem incluir o convite do líder espiritual tibetano exilado, o Dalai Lama, para falar no câmpus.
Ele disse que os acadêmicos em câmpus no exterior são frequentemente persuadidos por interesses pessoais a não se manifestar sobre assuntos que mostram o Partido Comunista Chinês sob uma perspectiva ruim.
“Há alguns professores nas universidades que estão efetivamente atuando como uma espécie de cavalo de Tróia [para os interesses chineses] por causa de seus interesses pessoais”, disse ele.
Entre esses interesses estão o financiamento de pesquisa proveniente da China, a ameaça de boicote por estudantes chineses ou a negação de vistos necessários para visitas de pesquisa à China, disseram fontes acadêmicas por meio da mídia social.
Cortar o mal pela raíz
As cartas não exortam explicitamente as escolas a cortar relações com o Instituto Confúcio, mas dizem que a medida pode evitar problemas. As autoridades disseram que muitas escolas desenvolveram “excelentes programas de cultura e língua chinesa” sem o governo comunista chinês.
Pelo menos 39 universidades americanas anunciaram planos de encerrar acordos que permitem aos Institutos Confúcio operarem desde o início de 2019, de acordo com um grupo conservador sem fins lucrativos, a National Association of Scholars.
Chen Kuide, Presidente Executivo da Sociedade Chinesa de Princeton nos Estados Unidos, disse que embora a carta não exija explicitamente que as escolas fechem esses projetos, o governo claramente espera que o façam.
“Acho que o governo dos Estados Unidos percebeu que os Institutos Confúcio trabalharam para expandir o programa de propaganda estrangeira do PCC localmente”, disse Chen. “Acho que, provavelmente, os EUA vão fechar todos eles.”
As cartas afirmam que o governo comunista chinês também administra salas de aula do Confúcio em centenas de escolas primárias e secundárias nos Estados Unidos, e pedem às escolas secundárias que revejam seus acordos e tomem as medidas adequadas.
Legislação pode ser necessária
De acordo com as políticas atuais do governo americano, os funcionários dos institutos em território dos Estados Unidos devem se registrar e cumprir restrições semelhantes às do pessoal diplomático. A mesma medida foi adotada nos últimos meses para jornalistas de nove meios de comunicação estatais chineses. A aplicação de novas restrições à influência comunista do PCC no país exigiria novas leis.
O acadêmico político independente residente nos EUA, Gu Weiqun, disse que será difícil para Washington impor tais decisões às escolas sob o sistema de governo federal dos EUA.
“Não importa qual política o governo federal dos EUA faça, as autoridades locais provavelmente não a implementarão de maneira uniforme dentro do prazo exigido pelo governo, muito menos as universidades privadas”, disse Gu.
Chen disse que uma lei pode ser necessária para limitar o escopo dos Institutos Confúcio em solo americano.
“Acho que a legislação é a melhor maneira, porque os Institutos Confúcio tiveram um efeito prejudicial no sistema educacional americano e na liberdade acadêmica e de expressão nas universidades”, disse Chen. “Isso é uma violação dos direitos fundamentais dos cidadãos, garantidos pela Constituição dos EUA.”
As cartas foram enviadas depois que a Webster University, no estado de Missouri, divulgou um comunicado sobre a morte de Liu Qiang, também conhecido como David Liu, representante da Beijing Language and Cultural University ( Universidade de Língua e Cultura de Pequim) e ex-membro do Conselho do Instituto Confucius da universidade.
O site St. Louis Post-Dispatch relatou que a morte de Liu ocorreu após uma busca policial em seu apartamento como parte de uma investigação de pornografia infantil.
“A Webster University conduzirá uma investigação para determinar se há alguma evidência de dano a qualquer membro da comunidade universitária relacionada a este assunto”, disse a universidade.
A Beijing Language and Cultural University disse que conduziria sua própria investigação, informou o jornal estatal chinês China Daily.
Itália
Este debate também está surgindo na Itália, onde há 12 centros Confúcio alojados em universidades. Muitos acadêmicos apontam para o fracasso dos sinologistas italianos (estudiosos da civilização chinesa) na tomada de uma posição à respeito da repressão do governo comunista chinês em Hong Kong e no resto da China como uma confirmação de que as instituições educacionais ligadas à influência do PCC condicionam as universidades com as quais colaboram.
Institutos Confúcio no Brasil
No Brasil, há Institutos Confúcio instalados em instituições de ensino superior públicas e privadas, nas cinco regiões do país: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade de Brasília (UNB), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de Pernambuco (UPE), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade do Estado do Pará (UEPA), Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) e na Universidade Federal de Goiás (UFG).
Uma das universidades que têm maior proximidade com o Instituto é a UNESP.