O Pesquisador Científico do Centro de Imunologia do Instituto Adolfo Lutz de São Paulo e responsável pelo laboratório de Imunotecnologia, Dr. Carlos R. Prudêncio, escreveu um resenha expondo os principais aspectos e argumentos do artigo publicado em 5 de junho, no The New England Journal of Medicine (NEJM): “Esperando pela certeza nos testes de anticorpos Covid-19 – A que custo?”.
O artigo fala a respeito da espera por testes de anticorpos para detectar possíveis imunidades ao covid-19 e sobre os riscos, custos e benefícios do adiamento – até existir a certeza de que ninguém voltando ao trabalho transmitirá a Covid-19 – ou da reabertura das atividades produtivas.
O Dr. Carlos Prudêncio é membro do movimento Docentes Pela Liberdade (DPL), uma associação que tem como objetivo agregar docentes e discentes do ensino superior, médio e básico em prol da liberdade e qualidade acadêmica e escolar. O movimento vem produzindo artigos e reportagens para potencializar as ferramentas educacionais, filosóficas, científicas, artísticas e da alta cultura a fim de criar condições para o desenvolvimento da nação brasileira.
O Pesquisador Científico concluiu seu doutorado na Universidade Federal de Uberlândia e pós-doutorado na Universidade de São Paulo e na Universidade Castilla-la Mancha (Espanha). Prudêncio publicou artigos em revistas de renome e é inventor detentor de oito patentes relacionadas ao campo da biotecnologia de vacinas e diagnóstico, com experiência em gestão da inovação e transferência tecnológica focada em Saúde. Sua pesquisa está focada em abordagens de alto rendimento baseadas na tecnologia de exibição de fagos aplicada ao estudo de interações patógeno-hospedeiro e na descoberta de alvos para desenvolver novos diagnósticos, medicamentos e vacinas de interesse para a Saúde Pública.
A seguir, a resenha do Dr. Carlos R. Prudêncio do artigo “Esperando pela certeza nos testes de anticorpos Covid-19 – A que custo?“:
Com o advento da pandemia do covid-19, diversas atividades produtivas, em todas as localidades atingidas pelo surto, foram largamente prejudicadas. Ao tempo em que muitas foram encerradas em razão do nefasto efeito econômico do cenário, aquelas ainda não paralisadas por completo, reclamam o retorno à ativa sob pena de se juntarem às primeiras. Neste sentido, resta indubitável que as economias ao redor do mundo precisam iniciar a retomada de seu dinamismo.
Governos ao redor do mundo estudam as alternativas para tal inciativa, de certo sem descuidar das implicações epidemiológicas que o momento impõe. Alguns estão considerando o uso de testes sorológicos para detectar possíveis imunidades e identificar pessoas que poderiam retornar ao local de trabalho em conjunto com medidas de mitigação menos severas ou serem designadas para tarefas de maior exposição. Embora a disponibilidade de testes de anticorpos esteja limitada por força da alta demanda mundial e a mitigação bem-sucedida tenha mantido a soro prevalência muito baixa para depender totalmente de resultados positivos, em algum momento no futuro próximo, o teste de anticorpos se tornará uma opção viável. De outro lado, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) assevera que ainda não há evidências suficientes sobre a eficácia da imunidade mediada por anticorpos para assegurar que tal condição seja interpretada como um “passaporte de imunidade”, de retorno à habitualidade anterior sem risco. Estudos diversos apontam para um estado de incertezas científicas cada vez mais evidente, uma vez que pesquisas de soro prevalência têm sugerido índices médios menores do que 5% e isto pode indicar a ausência de ou baixa imunidade em relação ao Covid-19.
Apesar disto, em meio a tantas incertezas, a OMS precisa, em seu papel de balizador da comunidade internacional, assumir uma posição bem definida com relação à retomada das atividades, posto que a não tomada de decisões igualmente acarretará consequências profundas à saúde dos indivíduos e econômica das nações. É preciso reforçar que políticas de saúde pública, em geral, decorrem de decisões consensuais, as quais, muitas vezes, são assentadas em escolhas com evidências incompletas ou imperfeitas. Por isso, pouco se cogita a adoção de políticas mais sutis para a sociedade voltar a funcionar e não aumentar a expectativa ilusório de somente fazê-lo quando satisfeita a demanda por garantias perfeitas, deixando-se de considerar que vivemos tempos de crise. Uma posição racional e, por conseguinte, de caráter mais humano será realizar um cotejamento explícito entre os possíveis benefícios e os eventuais malefícios que podem resultar da reabertura da economia em face das providencias tomadas para tanto. Neste sentido, quatro análises independentes, mas complementares, precisam ser levadas em consideração na avaliação de testes sorológicos como base para o retorno das pessoas ao trabalho. Passemos ao exame destas:
1) Primeiro, a nossa convicção quanto à presença de anticorpos SARS-CoV-2 na população (prevalência);
2) Segundo: a nossa expectativa quanto ao desempenho dos testes sorológicos tanto em sua capacidade de detectar a presença de anticorpos (sensibilidade do teste), quanto na capacidade de confirmar a ausência de anticorpos SARS-CoV-2, quando realmente ausentes (especificidade do teste);
3) Terceiro: nossa confiança sobre se e como os anticorpos conferem imunidade, pois se o fizerem, o que assumiremos sobre a relação entre o nível de anticorpos (título) e o grau resultante e a persistência de qualquer imunidade conferida;
4) Quarto: a necessária mensuração da magnitude dos danos decorrentes dos dois tipos de erros relativos a esta decisão. De um lado, liberar com mitigação mínima uma pessoa suscetível e potencialmente infecciosa para a força de trabalho (falso positivo) e o impacto de deixar de permitir que uma pessoa já imune se retorne à força de trabalho (falso negativo).
Urge decidir! Temos que tomar HOJE uma decisão verdadeiramente ponderada. O delicado equilíbrio a ser alcançado, levando-se em conta estas quatro considerações, deve ser baseado em evidências e na opinião de um número suficiente de especialistas capazes de nos fornecer parâmetros confiáveis para concretização dessa decisão a partir do nível de informações atualmente disponível. Há receios quanto a qual caminho seguir? Certamente. Há problemas com o teste sorológico? Sem dúvida. Mas, é também inegável que esperar por um teste perfeito e que poderá tardar ou mesmo nunca ser alcançado, é igualmente ruim para as sociedades.
Ademais do até aqui apresentado, não podemos nos afastar de questões éticas importantes que precisam ser abordadas com relação às implicações da restrição do trabalho com base no estado de saúde e suas consequências diversas. Diante disso tudo, talvez a única segurança que temos é que a reabertura imediata ou o seu adiamento implicarão riscos e custos, justamente porque, seja qual for a direção tomada, causarão grande impacto sobre a parcela da população sujeita e ambos não são 100% efetivas ou seguras. Portanto, é mais do que razoável admitir que a opção mais acertada neste momento, é tomar uma decisão levando em conta tanto o risco quanto o benefício. É preciso decidir agora, sem demora. O ideal, em concreto, poderá ser simplesmente inatingível.
O artigo publicado em 5 de junho, no The New England Journal of Medicine (NEJM): “Esperando pela certeza nos testes de anticorpos Covid-19 – A que custo?” está disponível, em Inglês, neste link.
Revisão de texto de Antonio Nunes Barbosa Filho, membro do Movimento Docentes Pela Liberdade (DPL) e professor da Universidade Federal de Pernambuco, desde 1993.