Famoso ditado popular diz que “com religião, não se brinca”. Oriundo da sabedoria popular, o dito foi forjado pela experiência histórica de um sem número de guerras iniciadas pelo desrespeito às tradições religiosas de grupos sociais. Logo – como eu já havia alertado em minhas redes sociais –, o reiterado desrespeito praticado pelo grupo humorístico Porta dos Fundos contra os símbolos mais sagrados do cristianismo era o prenúncio que algo de ruim poderia vir a ocorrer.
De fato, alguns dias depois de eu haver previsto uma reação, ela aconteceu: um coquetel molotov foi atirado contra a porta da produtora do grupo humorístico por um extremista. Era a crônica de uma morte anunciada. E não se trata de querer justificar uma ação violenta, mas sim de mostrar uma relação lógica de causa e efeito, explicando um fenômeno sociológico por demais conhecido: a relação promíscua tacitamente estabelecida entre provocadores de plantão (que fazem qualquer coisa para aparecer na imprensa e assim obterem mais lucro), e extremistas de todo gênero (que usam a ofensa religiosa como pretexto para extravasarem seus sentimentos primitivos de rancor e ódio). São duas faces da mesma moeda, uma verdadeira relação simbiótica, onde ambos os lados ganham e quem perde é sempre a sociedade.
Ciente desse fenômeno, o Constituinte teve o cuidado de inserir como um dos direitos fundamentais no art. 5º da Lei Maior a liberdade de consciência e crença, arrolada em pé de igualdade ao direito livre a manifestação do pensamento. E essa equalização de dois direitos que se digladiaram ao longo da história universal não foi à toa. Ao igualar os direitos de livre expressão e de liberdade religiosa, o Constituinte ditava o projeto de nação proposto pela nova Carta: a construção de uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”. Logo, a regra é a convivência pacífica pelo exercício regular dos dois direitos, os quais devem ser fruídos com sabedoria e razoabilidade pelos seus titulares, de forma a não mutilarem o direito alheio. Enfim, trata-se de regra universal de convivência em sociedade: “o direito de um, termina quando começa o direito do outro”.
Contudo, como é normal dentro de qualquer agrupamento social, sempre existirão os perversos que pretendem subverter a ordem social pelo descumprimento das normas (atos ilícitos), ou pelo abuso de direito (onde o seu titular o exerce com finalidade distinta daquela a que se destina). E não é razoável presumir que a liberdade de expressão constitucionalmente assegurada se destine a ofender a fé de mais de 80% da população brasileira. Aliás, a razoabilidade é princípio geral de Direito, usado como forma de ponderação entre cláusulas constitucionais que estejam em conflito, impondo que as normas: a) sejam adequadas para os fins a que se destinam; b) sejam o meio mais brando para a consecução desses fins; c) gerem benefícios superiores aos ônus que acarretam.
Dito isso, fica claro porque se tratou de uma aberração jurídica a decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de cassar a liminar que impedia a veiculação do lamentável vídeo do grupo Porta dos Fundos. Com efeito, é evidente que a liberdade de expressão não se destina a ofender o conjunto da sociedade, tampouco a reprodução do infame vídeo é o meio mais brando de se assegurar a livre expressão do pensamento e, por fim, como os fatos estão a comprovar, muito maiores foram os malefícios do que os supostos benefícios advenientes do “humorístico”.
Além disso, se o “douto” magistrado tinha alguma dúvida acerca da aplicação do princípio da razoabilidade, bastava lançar mão da técnica de interpretação sistemática. Se Toffoli (que foi advogado de Lula), não tivesse faltado a essa aula na Faculdade (não passou sequer na primeira fase do concurso para juiz, o qual disputou por duas vezes), saberia que o artigo 221 da Constituição que ele jurou guardar diz que “A programação das emissoras de televisão deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família”. Por fim, se ainda não estivesse convencido, ele poderia se socorrer do Código Penal, que diz em seu artigo 208 ser crime punível com detenção de até 1 ano aquele que vilipendiar (ofender) publicamente ato ou objeto de culto religioso.
Nessas agruras que temos vivido, em um país que luta para se libertar das amarras do marxismo cultural que se entranhou até no Judiciário, me socorro do nosso passado heroico para ter forças e prosseguir na luta. Recordo-me do marechal Eurico Gaspar Dutra, herói brasileiro na segunda guerra mundial e primeiro presidente eleito após 15 anos da ditadura esquerdista de Vargas. Democrata convicto, sempre que tinha que decidir algo importante Dutra perguntava: “o que diz o livrinho? ” referia-se à Constituição que carinhosamente tinha em sua cabeceira. Deveras, a humildade que sobrava àquele notável homem público, parece ser artigo raro nos dias de hoje. De qualquer forma, sugiro: ministro Toffoli, consulte o livrinho!