Como escritor prezo bastante pela escolha e aplicação das palavras que me parecem mais adequadas para cada contexto. Para expressar a ação, uma vez que língua portuguesa é profícua em verbos, assim como no uso de adjetivos. Neste sentido, a nossa língua se apresenta mais generosa ou talvez mais preciosa do que outras. Impossível negar que as línguas, em geral, têm vida e, como tal, em cada momento histórico, sobretudo na atualidade, novos termos são criados para designar ou explicar algo até então inexistente. Quem não se lembra do hoje clássico – imexível?
De outro lado, é preciso assumirmos, também, que palavras, significados e expressões consolidadas não devem ser substituídas a menudo, sob o risco de se empobrecer a capacidade de comunicação individual e coletiva, assim como impactar negativamente a cultura de um povo. Infelizmente, isto vem acontecendo na atualidade e não só no Brasil. É uma “moda” ressignificar palavras, sentimentos e qualidades. Algo que tem sido feito com muito vigor mundo afora. É preciso, então, buscarmos compreender o que está no centro deste processo, quais os seus métodos e reais intenções.
É preciso termos em mente, também e de modo permanente, que as palavras têm o poder de ajudar a construir o imaginário popular, narrativas, assim como a alterar a percepção acerca da realidade dos fatos e falseá-la de acordo com os interesses do narrador, seja na forma de escritos, que vão desde uma propaganda de ofertas em uma loja até os termos de um contrato de compra e venda, ou nos programas de rádio e teledifusões, aos quais milhares de brasileiros têm acesso diariamente, sem se atentarem para tais fatos.
São muitos os exemplos que podemos apresentar, entre os quais destacarei apenas dois. Vejamos…
Em tempos passados, não tão distantes, quando uma pessoa tinha em si força interior para suportar as adversidades da vida, se costumava dizer que esta era resignada. O termo nos levava à percepção de uma qualidade que a destacava entre as demais, que a elevava em direção a uma condição superior. E geralmente atribuíamos tal qualidade uma dimensão transcendental, algo ligado à alma, à fé!
Hoje, uma pessoa que apresente esta determinação é chamada de “resiliente”, termo emprestado da física ou das engenharias, associado à resistência dos materiais, à capacidade de suportar esforços. Entretanto, a interpretação agora é que tal atributo resulta da própria matéria da qual somos constituídos, como se apenas de matéria fôssemos feitos e esta, somente esta, fosse responsável por esta propriedade em se tratando de humanos.
Para mim, esta mudança de perspectiva no explicar a “grandeza humana” é perceptível. De que para que possamos nos destacar na multidão não seria necessária uma dimensão espiritual…
Ainda neste mesmo sentido, de perseverar em seus propósitos, nos dias atuais, observo muita ênfase na palavra meta, no resultado a ser alcançado a todo custo. Foco é tudo! – dizem alguns. Eu prefiro acreditar na determinação significando o caminhar em direção aos objetivos e no aprendizado que este pode proporcionar, inclusive quanto a possíveis mudanças de meta que deste pode resultar. Creio que, talvez por isso, muitos assumam que os fins justificam os meios e façam disto razão de existir, com todas as suas consequências, inclusive ultrapassar valores que de outra forma seriam preservados, assim como a todos aqueles que se puserem como potenciais obstáculos ao resultado desejado.
A comunicação expressa muito acerca de uma sociedade, de como as relações sociais se processam em suas distintas camadas e entre os seus atores. Palavras não são meras construções imaginárias. Elas podem moldar pensamentos e comportamentos, em todas as direções.
Sendo assim, é fundamental estarmos atentos ao vocabulário em nossas casas, no meio profissional em que estamos inseridos, nos laços comunitários e em todos os aspectos de nossa vida. As palavras que utilizamos para nos comunicar com os demais e das quais os outros se utilizam. Experimente fazer isso, as revelações serão surpreendentes. Diria mais, que é necessário tal medida, seja para compreendermos os demais, seja para redirecionarmos as nossas próprias ações. E isso não deve ter lugar por purismo, tampouco por saudosismo, mas pela força com que as palavras podem atingir tudo ao nosso redor.
Dia desses ouvi de uma jovem, de uns 15 anos, que seria ultrapassado, posto que desnecessário chamar alguém de sua idade de moça ou de senhorita. Que bastaria, para tanto, chamá-la por seu nome próprio, criando uma falsa aproximação inexistente entre os interlocutores. Ao que parece, a retirada destas palavras do vocabulário nos impõe ou pretende nos levar à aceitação de uma transição imediata entre ser uma menina e ser uma mulher, como se não restasse mais entre estas condições do ciclo feminino uma fase intermediária.
Algo semelhante acontece quando as coleguinhas de minha primogênita se referem a mim como “Tio Antonio”. Não raro, tenho vontade de retrucar e dizer-lhes, de imediato, que “Eu não sou o seu tio!”. Para as minhas pequenas, em especial para a já moçoila, sempre as oriento que se refiram aos pais das mesmas como “o Senhor, a Senhora!”. Bem sei o querer e o zelo com que cuido e trato as minhas verdadeiras sobrinhas, como quase filhas. São tantos os “titios” e “titias” adjuntos por aí que, sinceramente, acredito que banalizaram este significado em seu papel familiar. Talvez a distância e o afastamento dos núcleos familiares na atualidade possam explicar um pouco deste fenômeno. Mas, isto já é assunto para um outro artigo de opinião.
Por hora, prefiro me contentar em continuar acreditando que as palavras antigas ou não, são poderosas em seus efeitos, seja a curto ou a longo prazo e que, por isso mesmo, temos que prezar por sua escolha e aplicação em nosso cotidiano. O hábito regular da leitura nos fornece bons meios para tanto. Fica a dica!