Por Marcos Eberlin
Uma propaganda, entre as de maior sucesso da TV brasileira, anunciava um shampoo anticaspa com o slogan que se popularizou no Brasil: “Parece, mas não é!”. Nada mais aplicável ao recente artigo no “The Lancet” (22 de maio), condenando o uso da hidroxicloroquina (HCQ) por ser a droga não somente ineficiente, mas mortal!
O artigo parecia:
1) Ser digno de toda a confiança, pois o periódico seria de grande reputação. Mas infelizmente, descobrimos que periódicos de grande reputação não são garantias de artigos de grande reputação. Há uma desconfiança que foi uma ação orquestrada entre editor, autor e a mídia para desqualificar a droga. “Quem está em pé, cuide para não cair, e quanto mais alto, maior o tombo”. Manchado foi o prestígio de um grande periódico científico. Um desserviço imenso à ciência e a sua reputação perante à sociedade. Mas previsível, pois cientistas são gente, e gente é gente.
2) Ter tido acesso ao tratamento e ao prontuário de mais de 96 mil pacientes ao redor do mundo. Ou seja, parecia ser “bem mais” e portanto “bem melhor”. Mas não era. Nada pior do que um artigo com um imenso número de “amostras equivocadas” para causar uma “enorme percepção equivocada”. Nem sempre mais é melhor. De pronto, muitos desconfiaram como um cientista teria conseguido em tão pouco tempo autorização de tantos hospitais ao redor do mundo e acesso a quase 100.000 de seus prontuários? Como, se há toda uma legislação de ética médica a ser vencida? Uma análise bem detalhada acaba de concluir que os dados apresentam inúmeras inconsistências e que podem ser até mesmo falsos (https://defyccc.com/anti-hcq-paper-in-the-lancet-uses-fabricated-data/).
3) Ser um empreendimento autêntico de cientistas em busca da verdade. Mas tudo indica que não foi. A resposta do autor do estudo, Mandeep Mehra, em uma entrevista ao site francês FranceSoir é reveladora. Perguntado sobre a motivação para fazer o estudo, ele diz:
“Ficamos perplexos com o uso generalizado de hidroxicloroquina e cloroquina em todo o mundo e, em particular, a maneira como as agências governamentais pressionavam pelo seu uso sem muita evidência. Logo ficou claro para nós que, na ausência de estudos randomizados, os dados disponíveis para auxiliar na decisão eram bastante fracos.”
Ou seja, os pesquisadores estavam “perplexos” com a “pressão” de “órgãos governamentais (Presidentes?)” e já entendiam “claramente” – de antemão – não haver muita evidência, pois os dados de outros estudos eram “bastante fracos”. O que é de fato claro nessa fala do autor são seus pré-conceitos e pré-definições, os quais sabemos que são grandes inimigos da boa ciência. A filosofia da ciência tem nos ensinado que o ponto de partida do cientista tende a definir onde ele chegará. Cientistas deveriam sempre partir do único pressuposto de que nada sabem e que estão em busca da verdade. A motivação do estudo deveria ser outra: “queríamos verificar se a HCQ poderia ou não salvar vidas pela avaliação honesta de um universo mais amplo”. Mas não, eles já estavam incomodados com a “pressão política”, já entendiam não haver evidências e que os outros estudos eram fracos. O ponto de partida foi o mesmo da conclusão que tiveram na chegada.
4) Que os autores não tinham interesses em outras drogas. Parecia, mas está claro, pelas respostas, a simpatia deles pelo Remdesivir e a antipatia pela HCQ. Os poucos dados do Remdesivir não os incomodaram, nem sequer a imensa diferença de custo, e eles claramente defendem a droga na entrevista.
5) Que o estudo tinha finalmente sido capaz de testar o tratamento precoce com a HCQ. Mas não, os pacientes, como o próprio autor declara, estavam já hospitalizados com um total de pelo menos 10 dias de sintomas, ou mais, e com alta carga viral, já em fase avançada da doença.
6) Que o estudo apresentava novas conclusões. Mas não, foi só um “mais do mesmo”, uma repetição do óbvio que o mundo todo já há muito tempo sabia, pois o autor declara, após ser confrontado com a inconsistência de suas outras alegações bombásticas contra a HCQ que:
“Tudo o que estamos dizendo é que, uma vez infectado…e hospitalizado com uma carga viral grave, o uso da HCQ não é mais eficaz.”
Note o revelador “não é mais eficaz”. Sim, Dr. Merha, não é mais eficaz, pois são doentes graves, já no estágio 3 hiperinflamatório da doença. E como os “estudos fracos” já mostraram com segurança, a HCQ teria sim sido eficaz nestes mesmo pacientes se administrada no tempo certo e na dosagem certa, e se fossem excluídos da terapia doentes com problemas cardíacos, renais e hepáticos para os quais a droga jamais deveria ter sido administrada, com a COVID ou não.
7) Ter sido estatisticamente randomizado. Mas não foi. O Próprio autor reconhece isso quando afirma:
“Seria muito pouco científico da minha parte dizer que este é um estudo clínico randomizado, porque não é. E nunca saberemos se perdemos certos fatores ou efeitos.”
8) Ter recebido um tratamento estatístico correto. Mas não recebeu. O Dr. Regis Andreollo, Biólogo com Mestrado e Doutorado pelo PPG em Medicina Interna e Medicina Baseada em Evidências, da Universidade Federal de São Paulo, com muitas publicações na área e um especialistas em estudos científicos como esse do The Lancet, disse:
“O estudo é extremamente pobre. Nele, temos os seguintes percentuais a mais de pacientes no grupo tratado (hidroxicloroquina ou cloroquina), quando comparados ao controle:
13% a mais de doentes coronarianos
18% a mais de insuficiência cardíaca
10% a mais de diabéticos
16% a mais de hipertensos
10% a mais de DPOC
12% a mais de fumantes
14% a mais de pessoas com PaO2< 94%.
Fora a questão da superdosagem de cloroquina, com média diária de 765mg e variações substanciais de co-intervenções entre os grupos.
Não há método estatístico que corrija tamanhas distorções de cenário. Se assim o fosse, os estudos randomizados seriam totalmente dispensáveis. Já teriam sido até abolidos É bem conhecido o fato de que tentativas de se aproximar estudos observacionais de estudos randomizados por meios estatísticos artificiais, como os populares escores de propensão, são verdadeiras armadilhas. Grande irresponsabilidade dos envolvidos.”
E aí, o que acharam? Boa ciência? Pelo visto, a ciência da pandemia está dominada pela Ciência patológica, aquela que induz, como em 1989, com um dos maiores fiascos científicos da história (a fusão a frio), investigações científicas em que os responsáveis por elas “são levados” a resultados falsos por suas opiniões subjetivas preconcebidas, otimismo ou pessimismo infundados (“wishfull thinking”) ou talvez interesses políticos ou econômicos.
Marcos Nogueira Eberlin é membro da Academia Brasileira de Ciências e possui doutorado em química pela Universidade de Campinas. Após o pós-doutorado em Purdue, EUA, ele fundou o Thomson Mass Spectrometry Laboratory, transformando-o em um laboratório altamente distinto e supervisionando cerca de 200 estudantes de graduação e pós-doutorado, cientistas que hoje trabalham como pesquisadores e profissionais em todo o mundo.
Vencedor da prestigiada Thomson Medal (2016) e ex-presidente da International Mass Spectrometry Foundation, Eberlin é reconhecido mundialmente como um dos espectrometristas de massa mais produtivos de todos os tempos, tendo publicado quase 1.000 artigos científicos. Ele descobriu a Reação de Eberlin durante seu trabalho na química de íons em fase gasosa, e ele e seu grupo de pesquisa introduziram o EASI (Easy Ambient Sonic-spray Ionization), uma técnica de ionização usada em espectrometria de massa.