“Boa tarde, amigo”, responde com entusiasmo ao telefone o homem a ser entrevistado na noite de 26 de setembro, uma quinta-feira.
A Equipe do Jornal Midiamax saía de uma pauta em Bonito e, no retorno para Campo Grande, passou por Maracaju para encontrar uma pessoa condenada a 18 anos de prisão por homicídio.
Ao chegar à cidade, Wanderley Roferson Loureiro se mostrou disposto. Quis ir até nosso encontro, mas preferimos ir até a casa dele. Lá, no deparamos com um homem magro, de baixa estatura e com a aparência já cansada de um longo dia de trabalho. Alguém aparentemente incapaz de matar alguém, mesmo para se defender.
Wanderley matou Roni Teodoro do Nascimento em março de 2012 depois que o rapaz estuprou sua filha, na época com 12 anos. O caso aconteceu em Campo Grande, onde ele morou até 2016, ano que resolveu voltar para Maracaju, cidade onde nasceu e agora toca a vida.
Ainda com a camisa do trabalho o entrevistado nos recebeu e nos levou para a varanda da casa, onde podemos ver uma Kombi que usa no serviço de construtor e carro de uso pessoal com mensagens religiosas e que pregam o amor – o outro lado da linha tênue que leva ao ódio, à raiva capaz de matar por vingança.
“É triste a gente ficar relembrando, mas eu só via raiva, cegueira, só queria lutar e vencer. Como falei no meu depoimento, minha força aumentou 10 vezes, pela raiva e pela minha filha, que era uma criança”, diz o construtor.
Wanderley trabalhava com a mulher em feiras na capital sul-mato-grossense e, no dia do crime, chegou mais cedo em casa. Foi quando encontrou o portão aberto a filha ao lado de Roni. Ele perguntou o que tinha acontecido e recebeu como resposta: “fui estuprada”, junto ao choro. O pai diz que também questionou o rapaz, que confirmou o crime.
“Fiquei desesperado. Pedi para a minha esposa e ela saírem. Bati o portão e fiquei eu e ele, e quem venceu fui eu, por que se não tivesse vencido não estaria aqui hoje, talvez fosse morto. Fiz isso por que ele estuprou minha filha, aí já peguei a corda, amarrei o rapaz e aconteceu o homicídio”, explica o pai.
Sob o olhar da mãe, já idosa, e da irmã, um ano mais velha, Wanderley ainda se indigna com a situação, dizendo que sua filha ainda brincava com bonecas e não saía sozinha de casa. Ele lamenta o ocorrido, se diz arrependido, mas não nega que faria tudo de novo.
“A joia mais cara que a gente tem aqui nessa terra são nossos filhos. A gente faz qualquer coisa pelos filhos e foi nessa hora que perdi a cabeça, fiquei cego e acabou que aconteceu isso”, conta o réu, que após o crime se tornou evangélico.
Para matar Roni, ele o amarrou pelos pés e mãos e colocou uma toalha na sua boca para que não fossem ouvidos por outras pessoas os gritos. Assim, o rapaz foi levado em uma camionete S10 até local isolado, onde foi executado com golpes de pedra. O corpo de Roni foi encontrado dias depois na MS-080.
Wanderley só confessou o crime dois anos após o ocorrido, após a polícia reunir provas indicando ele como autor do assassinato. A vítima do abuso, que hoje está com 20 anos, teria tentado se matar meses depois de ser estuprada e o comportamento da menina mudou, ficando mais quieta e chorosa, segundo a mãe.
“Faz sete anos que eu aceitei Jesus, sou ungido a pastor desde 2016. Vivo trabalhando honestamente, graças à Deus, onde cuido da minha mãe, moro junto com minha irmã. Então minha vida agora é essa, do trabalho, para casa e para o culto. Não faço mais nada, é trabalho, casa e o culto”, ressalta Wanderley.
Pai crê em injustiça e cita abalo psicológico
Wanderley é o pai que matou o estuprador da filha e não tem dúvidas que a condenação a 18 anos é injusta. “Me sinto injustiçado. O fato que aconteceu e eu ser condenado da forma que fui. Confessei o que fiz, e que fiz por causa da minha filha, estuprada. Qualquer pai faz o que eu fiz, a gente perda da cabeça, fica transtornado”.
Para ele, o principal ponto de contestação é o tamanho da pena, iniciada em regime fechado. “Creio na Justiça de Deus, que não deixou eu ser recolhido no momento do julgamento e tive a oportunidade de recorrer em liberdade. Eu poderia até ser condenado, mas em crime privilegiado. Não matei um trabalhador, um pai de família”.
Quando a reação de amigos, vizinhos e colegas de trabalho diante da situação, Wanderley conta que poucas pessoas falam sobre o crime com ele, mas dos poucos que comentam, ele ouve manifestações de apoio e que fariam a mesma coisa.
“A gente vê tanta coisa acontecendo, crianças sendo mortas, estupradas. Não estou dizendo que isso é o certo, o que eu fiz. Eu me arrependi do que fiz, mas muitos pais e mães falam que fariam a mesma coisa”, explica.
Em dado momento da entrevista, a aflição no rosto da irmã de Wanderley passa a ser clara, com várias expressões e as mãos juntas na altura da barriga. A cena instiga a pergunta sobre o que mudou na vida da família desde o estupro e do homicídio.
“É a pior coisa que acontece em uma família, um estupro desse. Aconteceu em 2012 e até hoje carrego isso. A única coisa que dá força para a gente vencer é Deus e a família, sempre comigo nas horas difíceis, me apoiando, falando para ter fé”, diz.
O julgamento de Wanderley foi em juri popular, onde alegou ter agido por violenta emoção, mas ainda assim foi condenado pelo crime de homicídio qualificado por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima.
“Só Deus sabe o que acontece comigo. As vezes por fora é fácil olhar e julgar a aparência, mas por dentro só eu e Deus. Só tenho família, casa, esposa, minha mãe, meu trabalho”, revela Wanderley, que ainda fala sobre as mudanças deste então.
“Onde eu consegui buscar apoio foi na casa de Deus. Sempre tive fé, mas dois meses depois do acontecido eu busquei refúgio na casa do Senhor e se consegui superar toda essa dor, foi por que busquei esse refúgio na obra de Deus. Toda minha família hoje é evangélica e busca Deus”, encerra a entrevista.