O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta crescentes restrições orçamentárias, apesar de medidas para aumentar a arrecadação, como aumento de alíquotas, novas regras tributárias e extinção de benefícios fiscais. Sem disposição para adotar políticas de austeridade ou reduzir o tamanho do governo, a nova estratégia de Lula é buscar recursos no exterior, especialmente na China, maior parceiro comercial do Brasil.
A visita de uma ampla comitiva ministerial ao país asiático, que se encerrou nesta sexta-feira (7), demonstra um esforço redobrado em prol da cooperação bilateral. Além disso, revela o desejo de concretizar um plano desenvolvimentista.
Analistas indicam que o grupo de seis ministros, liderado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), levou a preocupação do Palácio do Planalto com os obstáculos burocráticos e financeiros que dificultam o avanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, consequentemente, o crescimento econômico.
Em paralelo, a viagem também colaborou com a estratégia diplomática de maior coordenação entre os países do BRICS, originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A delegação inclui, além de Alckmin, que também é ministro da Indústria e do Comércio, Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento), Carlos Fávaro (Agricultura), Wellington Dias (Desenvolvimento Social), Márcio França (Empreendedorismo) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário).
Acompanhando a comitiva, viajaram assessores, secretários das pastas, representantes do BNDES, empresários e os presidentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban; da Agência Brasileira de Promoção de Exportações (ApexBrasil), Jorge Viana; e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli.
Formalmente, a comitiva visa “fortalecer laços, estabelecer cooperação em várias áreas e abrir mercados para produtos brasileiros”, com destaque para o café. Segundo seus integrantes, a missão gerou expectativas. No entanto, o histórico de outras tratativas similares indica que os resultados podem ficar aquém do esperado devido às limitações legais no Brasil e ao tradicional modo de negociar da China, que prioriza uma visão de longo prazo e a garantia de retornos concretos.
Coube a Rui Costa apresentar a carteira de projetos e investimentos do governo, especialmente o PAC. Para isso, o ministro se reuniu com empresários das áreas de telecomunicações, transporte marítimo, energia elétrica e automotiva.
O fato mais relevante da viagem foi, contudo, a formalização do empréstimo de R$ 5,7 bilhões, já anunciado em maio, para ajudar na reconstrução do Rio Grande do Sul pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como banco dos BRICS, sob comando da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
US$ 50 bilhões em investimento chinês
Durante a missão, a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban) realizou sua sétima reunião. Esse mecanismo, criado em 2004 no primeiro mandato de Lula, visa fortalecer as negociações entre os dois países. Em 2024, a Cosban comemora 20 anos, enquanto as relações bilaterais completam 50 anos. O objetivo do governo é relançar essa parceria, uma meta manifestada no encontro de Lula com o líder chinês Xi Jinping em abril de 2023.
Naquele encontro, Lula promoveu o uso da moeda chinesa nas trocas comerciais, desafiando a hegemonia do dólar, e estimou que os investimentos chineses no Brasil poderiam chegar a US$ 50 bilhões. No entanto, esses investimentos ainda não se concretizaram.
Para o analista financeiro VanDyck Silveira, a missão ministerial representa mais uma tentativa do governo de atrair investimentos diretos da China para compensar a falta de recursos internos.
O primeiro movimento significativo do governo Lula para atrair investimentos chineses foi a criação de um ambiente favorável para montadoras de carros elétricos, com foco no Mercosul. Isso inclui a manutenção de incentivos fiscais para o polo automotivo baiano na reforma tributária e o programa de Mobilidade Verde (Mover), que prevê renúncias fiscais de R$ 20 bilhões. A montadora chinesa BYD, especializada em carros elétricos, está construindo uma fábrica na Bahia, com investimentos iniciais de R$ 3 bilhões.
“O governo vai à China pedir financiamento, a começar pelo banco dos Brics, porque não tem mais espaço orçamentário e sua sanha arrecadatória não foi suficiente”, afirma o analista financeiro VanDyck Silveira.
Silveira destaca que o cenário econômico para os próximos anos é preocupante, pois, mesmo que a economia cresça a uma média anual de 2,5%, o déficit fiscal nominal está em torno de 10%, o que aumenta a dívida pública. “Apesar de tudo, o governo continua gastando sem critérios, o que pode levar a um desastre”, observou.
Falta de recursos
O conselheiro de empresas e palestrante Ismar Becker enxerga na investida ministerial na China mais um sinal da encruzilhada enfrentada pelo governo de Lula, que lida com crescentes limitações fiscais e metas exageradas de investimento.
“As dificuldades para o governo realizar seus planos ousados vão além da economia e podem ser comprovadas por uma simples razão matemática. Tudo o que foi programado e prometido pelo presidente não cabe no Orçamento, seja em políticas públicas ou projetos de infraestrutura. O dinheiro para investir vai acabar em 2026, conforme revelou a própria ministra Simone Tebet (Orçamento)”, explicou Becker.
Ele destaca que o atual governo petista repete a aposta da gestão de Dilma Rousseff (PT) em estabelecer uma nova matriz econômica baseada em mais investimento estatal e estímulos ao empreendedorismo, sem prestar atenção na evolução dos déficits fiscais e nos resultados fracos ou trágicos obtidos.
Becker também destacou a tentativa do governo argentino sob o ex-presidente Alberto Fernandez de buscar auxílio da China, ignorando riscos e desvantagens. “É uma pena verificar que o Brasil não está aproveitando bem o contexto mundial que lhe é muito favorável ao investimento direto, como grande fornecedor de proteína, petróleo e energia limpa”, concluiu.
Nos últimos meses de seu mandato, Fernández intensificou acordos com a China para mitigar a grave crise econômica argentina, especialmente na área cambial. Em outubro de 2022, o país assinou um acordo preliminar para aderir à Nova Rota da Seda, esperando receber US$ 23 bilhões em investimentos chineses em infraestrutura. A adesão foi confirmada durante uma visita do presidente a Pequim, tornando a Argentina a primeira grande economia latino-americana a integrar o projeto.
No ano passado, a China se comprometeu a ajudar a Argentina a pagar suas dívidas com o FMI e melhorar suas reservas internacionais. A ampliação do uso da moeda chinesa visava poupar dólares para importações da própria China. No entanto, com a vitória do oposicionista Javier Milei, o governo chinês suspendeu em dezembro o financiamento acertado com Fernández de US$ 6,5 bilhões, parte do acordo anterior.
Armadilhas
Marcio Coimbra, presidente do Instituto Monitor da Democracia e ex-diretor da ApexBrasil, elogiou a escolha da comitiva ministerial de focar em três áreas principais para atrair investimentos da China: transição energética, infraestrutura e agronegócio. No entanto, ele expressou preocupações com exemplos recentes de empreendimentos chineses no exterior, especialmente na África, que enfrentaram alvos frustrados.
“Na prática, empreendimentos de infraestrutura passaram ao controle exclusivo dos investidores em países africanos, que também passaram a carregar pesadas dívidas em decorrência deles”, explicou Coimbra.
Esse problema não se limita à África. Na América Latina, o Suriname, após aderir à Rota da Seda (“Belt and Road Initiative”), acumulou uma dívida insustentável com a China e agora busca ajuda do Fundo Monetário Internacional.
Para evitar “ações predatórias” que aprisionam as nações supostamente beneficiadas, Marcio Coimbra sugere a aplicação de instrumentos técnicos de avaliação de investimentos externos. Ele aponta que muitos países, incluindo a própria China, adotam tais medidas.
Coimbra explica que a análise criteriosa das condições contratuais, a realidade de mercado e a origem lícita dos recursos investidos são aspectos cruciais. Esses fatores podem evitar a dependência de um único investidor e garantir a qualidade dos negócios. “Não basta sair em busca do investimento externo. É preciso prestar muita atenção no seu retorno saudável”, resumiu.
No financiamento da Rota da Seda, a China impõe que o país receptor dos investimentos compre matéria-prima e contrate mão de obra chinesa para projetos de infraestrutura, como portos e ferrovias. Isso contraria a lei brasileira de licitação. No entanto, Celso Amorim, assessor especial de Lula para assuntos internacionais, já defendeu a adesão do Brasil ao programa.
Rodrigo Arruda, advogado especializado em energia do think tank Iniciativa Dex, considera inevitável que o Brasil negocie parcerias com a China devido à sua importância estratégica e econômica global. “Embora a China seja nosso principal parceiro comercial, ocupa apenas a oitava posição como investidor direto, apesar de as commodities brasileiras serem essenciais ao seu abastecimento e crescimento econômico”, observa.
A China foca em três iniciativas de soft power: a Rota da Seda, que promove investimentos; a Iniciativa de Segurança Global, que defende a não interferência nos assuntos internos de outros países; e a Iniciativa de Desenvolvimento Global, que apoia programas de erradicação da pobreza por meio de organismos internacionais.
No Brasil, a China busca principalmente commodities agrícolas e energéticas, essenciais para alimentar sua superpopulação e compensar a falta de reservas de petróleo. Em troca, oferece tecnologia de qualidade a um custo acessível.
“Independentemente do alinhamento ideológico, é crucial reconhecer que a China é um dos principais polos de desenvolvimento do mundo e oferece oportunidades significativas”, resume Arruda, que também atua no think tank AICA (Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental).
Taxação global dos bilionários
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), esteve no Vaticano nesta semana para buscar apoio internacional à taxação global dos bilionários. Em um encontro com o papa Francisco, Haddad discutiu a proposta apresentada ao G20, que visa implementar um imposto anual de pelo menos 2% sobre a riqueza dos super-ricos.
A iniciativa já conta com o apoio de França, Espanha, Alemanha e África do Sul. Além do encontro com o papa, Haddad se reuniu na Itália com o ministro espanhol Carlos Cuerpo para discutir a taxação dos super-ricos e a possível retomada do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. A Espanha, que é o segundo maior investidor no Brasil, destina aproximadamente US$ 3,3 bilhões anualmente a setores como energia, bancos e telecomunicações.