Durante a abertura da sessão de julgamento da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), nesta sexta-feira (19), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o episódio foi uma “intervenção extrema” do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Essa intervenção extrema sobre as prerrogativas parlamentares deve ser o que foi: um ponto fora da curva, sob o risco de banalizarmos excessos que, pelo caminho oposto, ultrapassariam o plano do razoável e passariam a orbitar também a atmosfera da irresponsabilidade”, disse.
O comandante da Casa Legislativa, contudo, lembrou que a inviolabilidade da atividade parlamentar não pode estar acima da “mais sagrada das inviolabilidades”, a do regime democrático.
VEJA O DISCURSO DE ARTHUR LIRA NA ÍNTEGRA:
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Fiz questão de trazer para esta sessão histórica um documento também histórico: a primeira versão da Constituição promulgada por esta Casa há 33 anos. Este é o símbolo da nossa Democracia, das liberdades e da cidadania, o guia que todos aqui assumimos o juramento de respeitar, honrar e defender.
Esta Constituição é uma obra viva que vem sendo aperfeiçoada e modernizada pelo esforço contínuo desta Casa e do Senado da República, pelo Executivo e também pelo seu guardião maior, o Supremo Tribunal Federal, no decorrer das últimas três décadas, o maior período de estabilidade democrática da história do pais.
Os momentos de turbulência são da própria natureza da Democracia, mas uma Democracia sólida é e será sempre mais forte do que todas as turbulências.
O que estaremos deliberando aqui hoje?
O que está em discussão são exclusivamente dois princípios e sua aplicabilidade: o da livre manifestação do pensamento e o da inviolabilidade do mandato parlamentar.
Antes de mais nada, como representante deste Poder, quero expressar posição que tenho certeza é da maioria desta Casa e desta Instituição.
Foi o Congresso Nacional, com poderes constituintes, que definiu e desenhou o atual arcabouço constitucional e que, portanto, conferiu as atuais atribuições do Supremo Tribunal Federal.
Tenho certeza de que a grande maioria desta Casa, entre os quais me incluo, respeita a instituição máxima do Poder Judiciário brasileiro.
Todos aqui temos diferentes formas e diferentes maneiras de expressar nossas diferenças e, muitas vezes, divergimos sobre o modo e o conteúdo sobre como as opiniões de cada um são enunciadas. Mas todos, também, historicamente, sempre reconhecemos que acima de qualquer disparidade todos aceitamos o sagrado direito de manifestação do outro.
Mas ao mesmo tempo, mesmo que discordando, sempre procuramos encontrar um grau de tolerância em relação àqueles ou àquelas que exercem suas prerrogativas de modo diverso, baseado no princípio do artigo 53 de nossa Constituição.
Agora, coloca-se diante de nós um julgamento, antes de tudo, de nós sobre nós mesmos.
Sou ferrenhamente defensor da inviolabilidade do exercício da atividade parlamentar. Mas, acima de todas as inviolabilidades, está a inviolabilidade da Democracia. Nenhuma inviolabilidade pode ser usada para violar a mais sagrada das inviolabilidades, a do regime democrático.
Portanto, o que está em discussão hoje não é a inviolabilidade do mandato parlamentar exclusivamente. Mas até que ponto essa inviolabilidade pode ser considerada se ela fere a Democracia, pondo em risco a sua inviolabilidade.
É essa avaliação que vossas excelências irão realizar.
Neste momento de enorme aflição do povo brasileiro, clamo para que superemos o quanto antes este impasse, que é pontual, um ponto fora da curva, como já declarei.
Um ponto fora de curva que precisa estar muito bem definido para todos. Fora da curva dentro do Parlamento, quando ultrapassa o plano do razoável e passa a orbitar a atmosfera da irresponsabilidade, sim.
Mas também um ponto fora da curva para aqueles e aquelas que tem res-pon-sa-bi-li-da-de.
Repito: aos que tem responsabilidade, essa intervenção extrema sobre as prerrogativas parlamentares deve ser o que foi: um ponto fora da curva, sob o risco de banalizarmos excessos que, pelo caminho oposto, ultrapassariam o plano do razoável e passariam a orbitar também a atmosfera da irresponsabilidade
Foi esta Casa que aprovou a Lei de Abuso de Autoridade. Não poderia ser ela a tolerar o abuso das prerrogativas. Estamos, aqui, dando o nosso exemplo.
Esse episódio servirá também como um ponto de inflexão para o modo de comportamento e de convivência internos, que trarão de volta maior urbanidade, respeito e empoderamento do Conselho de Ética para que o ambiente da democracia nunca se contamine a ponto de se tornar toxico.
Mas, em nome da responsabilidade, o alicerce da Democracia, quero anunciar a criação de uma Comissão Extraordinária pluripartidária para propor alterações legislativas para que, nunca mais, Judiciário e Legislativo corram o risco de trincarem a relação de altíssimo nível das duas instituições, por falta de uma regulação ainda mais clara e específica do artigo 53 da nossa Carta.
A inviolabilidade do mandato foi inscrita de forma cabal no mesmo texto Magno – no mesmo! – pelos mesmos constituintes, que definiram o papel do poder Judiciário. Respeitar a Constituição é respeitá-la por inteiro. E vamos zelar por isso.
Temos de dirigir nossas energias políticas para os problemas urgentes que aguardam soluções imediatas, no tocante à superação dos efeitos dramáticos da pior crise social e econômica causada pela maior pandemia em um século.
Não podemos perder o nosso foco. O povo brasileiro exige de nós que tomemos decisões que podem significar a vida ou a morte de milhões de brasileiros. Vamos ultrapassar o tema de hoje, vamos seguir em frente e nos concentrar em nossa missão maior.
O parlamento é o coração da democracia. Daqui nunca saíra qualquer ação institucional que fragilize ou apequene a Constituição. Somos, fomos e sempre seremos a Casa vital e pulsante da Democracia.
Muito obrigado!