O ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, afirmou nesta sexta-feira (14) que o governo não pretende alterar a legislação atual sobre o aborto. A declaração foi feita em resposta ao questionamento sobre o projeto que equipara o aborto após 22 semanas de gestação a homicídio, e que teve regime de urgência aprovado pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (12).
Segundo Padilha, o governo e o presidente Lula “ao longo da sua história, até atendendo solicitações de lideranças religiosas de parte da sociedade, sempre disse que nunca ia fazer nada para mudar a legislação atual do aborto no país”.
“Nunca faria nenhum gesto, nenhuma ação para mudar a legislação de interrupção da gravidez no país. E nós continuamos com essa mesma postura”, afirmou o ministro.
Padilha foi enfático ao afirmar que o governo não apoiará o projeto, classificando-o como uma “barbaridade”. “Não contem com o governo para mudar a legislação de aborto do país, ainda mais para um projeto que estabelece que uma mulher estuprada vai ter uma pena duas vezes maior do que o estuprador”, disse.
A pena para homicídio simples, que seria aplicada no caso de aborto após 22 semanas, varia de 6 a 20 anos. Em comparação, a pena para estupro com lesão corporal pode chegar a 12 anos, e a 30 anos em caso de morte da vítima. Em resposta, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos autores do projeto, prometeu apresentar uma emenda para aumentar a pena do crime de estupro.
O ministro, encarregado da articulação política do governo com o Legislativo, afirmou que vai trabalhar para que o projeto não seja votado pela Câmara. “Não só do conjunto do governo, como dos vários líderes”, ressaltou.
Esta foi a primeira vez que Padilha se manifestou de forma enfática sobre o projeto. Anteriormente, na segunda-feira (10), ele havia dito apenas que o governo trabalharia para que o projeto não se tornasse uma “pauta central” da Câmara, mas evitou comentar sobre o mérito da proposta.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não se posicionou diretamente sobre o assunto. Quando questionado na quinta-feira (13), durante uma visita à Suíça, Lula respondeu: “Deixa eu voltar para o Brasil, tomar pé da situação, daí eu converso com você”, indicando que só comentaria o tema após retornar ao país.
Padilha destacou a incoerência do projeto, afirmando que ele puniria severamente mulheres que já são vítimas de violência. A proposta gerou reações tanto dentro do Legislativo, com divergências entre os presidentes Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara e do Senado, respectivamente, quanto nas ruas.
Na última noite, protestos foram registrados em várias capitais brasileiras, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
O que se discute na proposta
Os defensores do projeto afirmam que a medida visa proteger fetos com mais de 22 semanas, que já têm 40% de viabilidade fetal de sobreviver fora do útero, garantindo que o bebê possa nascer em vez de ser abortado.
Os parlamentares pró-vida esclarecem que a proposta “não equipara a pena de prisão de aborto com a de estupro” e que crianças não serão penalizadas, já que “menores de idade são inimputáveis”.
Se aprovado, o PL 1904/2024 alteraria o Código Penal brasileiro, estabelecendo penas mais severas para quem realizar abortos após a 22ª semana de gestação. As penas seriam equiparadas às do homicídio simples, com detenção de até 20 anos.
O texto do projeto permite que o juiz possa mitigar a pena “conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso” ou até “deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”.