Dois renomados acadêmicos norte-americanos, Jeff Kosseff e Jacob Mchangama, publicaram uma análise detalhada sobre a atuação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no controle do discurso público no Brasil. No artigo intitulado “Mill Rolls in His Grave” (John Stuart Mill se Contorce no Túmulo, em tradução livre), os especialistas argumentam que Moraes tem reinterpretado conceitos do liberalismo clássico e da jurisprudência norte-americana para embasar restrições à liberdade de expressão.
Uso distorcido da jurisprudência e filosofia liberal
Kosseff e Mchangama destacam que, embora não sejam especialistas na legislação brasileira, o próprio Alexandre de Moraes frequentemente cita decisões da Suprema Corte dos EUA e a obra do filósofo John Stuart Mill para fundamentar suas medidas. No entanto, segundo os acadêmicos, essa interpretação é distorcida para justificar censura.
Para os juristas, a liberdade de expressão é um pilar essencial das democracias ocidentais. Quando um ministro do STF assume poderes arbitrários para decidir o que pode ou não ser dito, cria-se um precedente perigoso para repressão política disfarçada de defesa democrática.
Um exemplo citado é a recente suspensão da plataforma Rumble no Brasil, ordenada por Moraes sob a alegação de que o site permitia a disseminação de desinformação. Para Kosseff e Mchangama, essa decisão representa um caso clássico de censura institucionalizada, comprometendo a separação de Poderes e a transparência democrática.
Expansão dos poderes de Alexandre de Moraes
Os especialistas também alertam sobre a crescente concentração de poder nas mãos de Moraes. Inicialmente encarregado de investigações sobre fake news, o ministro ampliou sua autoridade para julgar, investigar e punir indivíduos sem que haja uma legislação específica para tais atribuições.
O caso do Rumble reforça essa tendência, já que a plataforma foi suspensa após permitir a reativação da conta do influenciador Allan dos Santos, apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro. Para os juristas, essa decisão cria um modelo de controle da informação, no qual o Judiciário define quais discursos podem ser divulgados, comprometendo o pluralismo político.
“A censura estatal não protege a democracia — ela a enfraquece. Em regimes verdadeiramente democráticos, o combate à desinformação deve ocorrer pelo debate público, não por restrições impostas pelo governo”, argumentam os especialistas.
Alexandre de Moraes sob escrutínio internacional
A atuação de Moraes vem gerando preocupação global. O bilionário Elon Musk criticou suas decisões, classificando-as como um ataque à liberdade de expressão. Além disso, organizações internacionais como a Foundation for Individual Rights and Expression (Fire) e a Electronic Frontier Foundation (EFF) expressaram receios sobre a expansão do modelo brasileiro de controle de conteúdo para outras nações.
No Congresso dos EUA, parlamentares como o senador Mike Lee e o deputado Jim Jordan discutem possíveis sanções contra Moraes e seus aliados, incluindo a aplicação da Lei Magnitsky, que impõe penalidades a autoridades estrangeiras envolvidas em abusos contra os direitos humanos.
A consultoria britânica Economist Intelligence Unit, ligada à revista The Economist, rebaixou o Brasil no Índice de Democracia, citando a centralização de poder no STF como um fator de risco para a estabilidade institucional do país.
Juristas reforçam legado de John Stuart Mill
Os especialistas criticam a maneira como Moraes manipula conceitos filosóficos para respaldar sua atuação. Em decisões recentes, o ministro citou John Stuart Mill para justificar a restrição à liberdade de expressão em casos de “discurso de ódio e ataques à democracia”.
No entanto, Kosseff e Mchangama argumentam que essa interpretação contraria os princípios fundamentais do liberalismo clássico. Eles citam um dos trechos mais conhecidos de Mill:
“Se toda a humanidade, menos uma pessoa, tivesse uma opinião, e apenas uma pessoa discordasse, a humanidade não teria mais direito de silenciar essa pessoa do que ela teria de silenciar a humanidade.”
A citação destaca que, para Mill, mesmo ideias errôneas devem ter espaço no debate público, pois a liberdade de expressão fortalece a busca pela verdade.
Além disso, Moraes invocou erroneamente a jurisprudência da Suprema Corte dos EUA, citando o caso Schenck v. United States (1919) para justificar a restrição a discursos considerados perigosos. No entanto, os especialistas explicam que esse entendimento foi revogado em Brandenburg v. Ohio (1969), que estabeleceu que somente discursos que incitem violência iminente podem ser punidos.
Quem são os juristas que criticam Moraes?
Os autores do artigo são especialistas mundialmente reconhecidos na defesa da liberdade de expressão:
- Jeff Kosseff é professor de Direito de Cibersegurança na Academia Naval dos Estados Unidos e autor de livros como Liar in a Crowded Theater e The Twenty-Six Words That Created the Internet, referência global na regulamentação digital.
- Jacob Mchangama é presidente do The Future of Free Speech e pesquisador na Universidade Vanderbilt. Autor de Free Speech: A History from Socrates to Social Media, ele é uma das vozes mais respeitadas na defesa da liberdade de expressão ao redor do mundo.
A crescente interferência judicial na liberdade de expressão no Brasil tem sido criticada por especialistas internacionais e organizações de direitos humanos. Para Kosseff e Mchangama, a atuação de Alexandre de Moraes representa um risco para a democracia, pois abre precedentes para a repressão de opiniões divergentes.
Se essas práticas não forem questionadas, alertam os juristas, o Brasil poderá se distanciar cada vez mais dos princípios democráticos que historicamente garantiram a liberdade de expressão como um direito fundamental.