Designado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para acompanhar as eleições presidenciais na Venezuela, o ex-chanceler Celso Amorim é considerado o principal articulador da política externa do governo brasileiro. À frente da Assessoria Especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Amorim também tem trabalhado na reaproximação do Brasil com a China e a Rússia desde que Lula retornou ao Planalto.
Analistas apontam que a confiança do presidente Lula em Amorim pode justificar sua atuação como “guia” da política externa do governo petista. Além disso, sua postura ideológica é um fator relevante. “Amorim é muito ideologicamente ligado ao grupo político chavista e a essa esquerda internacional sul-americana há muitas décadas”, observa Elton Gomes, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Um exemplo disso foi a presença do assessor em Caracas nos últimos dias. Celso Amorim está na Venezuela desde a última sexta-feira (26) para acompanhar as eleições que ocorreram neste domingo (28). Na capital venezuelana, ele foi recebido pelo ministro das Relações Exteriores de Maduro, o chanceler Yvan Gil, com quem manteve uma reunião ao lado de outros assessores. Fontes informaram que Amorim se encontrou com Maduro e também estava previsto um encontro com membros da oposição.
“Amorim ficou como o único líder ou representante de líder sul-americano que foi efetivamente recebido e reconhecido nessa eleição para lá de contestada e que acabou respingando na figura do presidente Lula”, avalia Elton.
Diplomata de carreira, Amorim serviu em Londres, na representação do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington e em Haia, na Holanda. Também foi embaixador do Brasil em Londres e atuou como chanceler durante os dois primeiros mandatos de Lula.
Com um perfil progressista, o assessor esteve à frente dos principais assuntos internacionais envolvendo o regime chavista de Nicolás Maduro. No ano passado, Amorim negociou, junto com a Venezuela, o Acordo de Barbados, que visava garantir eleições transparentes e um processo eleitoral democrático no país. O tratado contou com a participação do Brasil, dos Estados Unidos, do governo Maduro e de partidos da oposição venezuelana.
Embora Mauro Vieira ocupe oficialmente o cargo de ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim foi quem fez o lobby do acordo para Maduro e acompanhou a assinatura do tratado em Barbados.
Apesar do ex-chanceler Celso Amorim, designado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para acompanhar as eleições presidenciais na Venezuela, o Ministério das Relações Exteriores declarou nesta segunda-feira (29) que ainda aguarda “a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) de dados desagregados por mesa de votação” para se posicionar sobre o pleito. A pasta, no entanto, ignorou as denúncias de agressões e prisões arbitrárias registradas no país e elogiou o “caráter pacífico da jornada eleitoral” do domingo (28).
O posicionamento do Brasil é aguardado com expectativa tanto em Caracas quanto por outras nações latino-americanas. O país não enviou observadores para acompanhar a votação deste domingo.
A reportagem tentou contatar Celso Amorim sobre sua participação no processo eleitoral da Venezuela e o posicionamento da diplomacia brasileira, mas não obteve retorno até a publicação da matéria. O espaço permanece aberto para manifestações.
Em outra crise envolvendo o governo ditatorial venezuelano, o ex-chanceler Celso Amorim também desempenhou um papel ativo nas discussões sobre o impasse com a Guiana devido ao território de Essequibo. Maduro fez campanhas com ameaças de invadir a Guiana e expressou a intenção de anexar a região, que representa cerca de 70% do território guianense e é rica em petróleo e recursos minerais.
Em dezembro, Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, se reuniram para tentar alcançar um consenso pacífico sobre a tensão entre os países. Amorim, na qualidade de assessor brasileiro, representou o Brasil no encontro e, ao mesmo tempo, manteve reuniões com representantes de ambos os países, além de manter contato com os líderes venezuelano e guianense. Apesar das tratativas, não houve acordo, e a disputa pela região continua entre os dois países.
Aproximação do Brasil com China e Rússia intermediada por Amorim
Para analistas ouvidos pela reportagem, Celso Amorim também é responsável por costurar a aproximação do Brasil com o bloco russo-chinês, que busca uma nova ordem mundial geopolítica e questiona a hegemonia dos Estados Unidos. “A política externa do presidente Lula tem erros e acertos, mas ela é imperfeita”, avalia Rubens Ricupero, diplomata e ex-ministro da Fazenda.
Ricupero ressalta que “[a política externa de Lula] tem problemas porque ela foi entregue inteiramente a uma visão de mundo exclusiva, à visão do Lula, do PT e ao próprio Celso Amorim… Que é essa visão do Sul Global. Em que o Sul Global, segundo eles, inclui a China e busca uma nova ordem internacional, diferente e melhor do que a atual”.
As primeiras indicações dessa mudança na política externa brasileira ocorreram nos primeiros meses do retorno de Lula ao poder. Designado para uma missão diplomática, Lula enviou Amorim à Rússia para buscar informações sobre o conflito com a Ucrânia. A escolha de enviar um representante ao país invasor antes do invadido gerou o primeiro ruído internacional na gestão petista.
O Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual Amorim é filiado, tem uma longa trajetória de aproximação com a Rússia. Amorim revelou em entrevista à revista Piauí que possui uma amizade com o chanceler russo Sergey Lavrov e que ambos foram fundamentais na criação dos BRICS. Além disso, o ditador russo Vladimir Putin mantém uma relação próxima com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Essa relação foi a justificativa para a visita de Amorim a Moscou nos primeiros meses de 2023. No entanto, a viagem não foi bem recebida pelo Ocidente nem pela Ucrânia. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky reagiu ao convite de Amorim e Lula para visitarem a Ucrânia e verem os efeitos dos ataques russos. Amorim viajou a Kyiv em maio, mas Lula ainda não visitou nenhum dos dois países.
Na mesma linha de aproximação com a Rússia, a China também passou a ser um foco de atenção para o governo Lula. Como parceiros comerciais de longa data, Amorim tem buscado expandir essa relação para o campo político. Ele já visitou a China várias vezes e mantém contato com representantes de Xi Jinping, enquanto membros do Partido Comunista Chinês também visitaram o Brasil.
Assim como Amorim, Xi Jinping é um defensor de uma nova reforma internacional e questiona a liderança dos Estados Unidos no cenário geopolítico. O governo Lula tem demonstrado essa aproximação política com a China ao adotar e reproduzir algumas das narrativas promovidas pela ditadura asiática.
Nos últimos meses, Amorim e Lula têm mostrado interesse em avançar nas discussões sobre a chamada desdolarização. Essa proposta, impulsionada por Pequim, sugere que transações comerciais entre países sejam realizadas em moedas locais ou em uma moeda própria, eliminando a necessidade do dólar. O tema tem avançado no âmbito dos Brics – bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que agora conta com cinco novos Estados-membros. O bloco é visto como uma alternativa ao Ocidente democrático.
O alinhamento político do Brasil com a China se fortaleceu em maio, quando os dois países anunciaram uma proposta conjunta para buscar a paz na Ucrânia. O documento, negociado por Celso Amorim, no lado brasileiro, e pelo chanceler chinês Wang Yi, ignora os esforços ocidentais para pôr fim ao conflito, iniciado pela Rússia.
O documento leva em consideração os anseios da Rússia e propõe uma cúpula com a presença de Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky para discutir uma solução para o conflito. No entanto, a proposta não prevê a retirada das tropas russas da Ucrânia nem a devolução dos territórios ucranianos invadidos pelo exército russo.
Desde o retorno de Lula ao Planalto, Celso Amorim, ex-chanceler e atual Assessor Especial da Presidência para Assuntos Internacionais, tem protagonizado falas que se afastam da postura tradicional de imparcialidade do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Segundo o cientista político Elton Gomes, a liberdade de Amorim para se posicionar sobre questões polêmicas reflete sua nova função de assessor, que lhe permite adotar uma postura mais pessoal e ideológica, diferente daquela esperada do chanceler oficial.
Amorim, por exemplo, abordou o conflito entre Israel e Hamas de forma controversa. Embora tenha condenado os ataques do Hamas, ele justificou a agressão como resultado de “anos e anos de tratamento discriminatório e de violências” na região, conforme afirmou em uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.
O ex-chanceler Celso Amorim voltou a se envolver em polêmica ao traçar um paralelo entre o tratamento de mulheres no Irã e a pena de morte nos Estados Unidos. “Eu não concordo com a forma como as mulheres são tratadas no Irã, por exemplo, mas não concordo com a pena de morte, que ainda existe nos Estados Unidos”, disse ele durante uma palestra em Washington, há poucas semanas, ao discutir a inclusão dos EUA no G20.
A declaração gerou uma reação imediata de Dan Baer, ex-embaixador dos Estados Unidos na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Baer criticou a comparação, afirmando que “traçar uma equivalência entre os Estados Unidos e a aplicação de pena de morte e o regime iraniano não é moralmente respeitável” e acrescentou que essa comparação “mina a credibilidade moral daqueles que traçam esse tipo de equivalência”.