Uma mídia independente é fundamental para uma sociedade democrática saudável e informada. A mídia alternativa é, em tese, aquela que não está sujeita a interesses comerciais obscuros ou políticos, além de não estar atrelada a financiamentos oriundos de dinheiro público.
Sem amarras, a mídia independente é indispensável para a sociedade porque oferece uma fonte alternativa de notícias e opiniões, permitindo que seus jornalistas e editores possam relatar fatos e visões de forma imparcial e livre. Em contraste, a grande mídia, muitas vezes ligada a grandes corporações e que recebem dinheiro público, podem estar sujeitas a pressões e influências que afetem sua imparcialidade e independência editorial.
Muitas vezes, a grande mídia está vinculada a interesses de grandes corporações. Isso pode influenciar sua cobertura em diversas questões, especialmente em coberturas importantes, como as eleições de um país, por exemplo.
Um caso que tem chamado atenção nos últimos meses é o cenário eleitoral do Paraguai, país sul-americano vizinho do Brasil. No último domingo (30), o candidato Santiago Peña Palacios, do Partido Colorado, foi eleito presidente da República paraguaia.
A diferença para o seu principal opositor, o esquerdista Efraín Alegre, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), foi superior à marca de 15%, com quase meio milhão de votos a mais. Com 66% das cabines apuradas, o colorado já estava matematicamente eleito, como antecipou o Conexão Política em primeira mão. Ao todo, a participação no pleito deste ano foi de 3 milhões de eleitores.
Hegemonia da direita no Paraguai
A vitória de Santiago Peña confirmou o favoritismo do Partido Colorado, que é o mais antigo e mais influente do Paraguai, tendo governado o país por mais de sete décadas. A hegemonia da legenda começou em 1947, com a eleição de Higinio Morinigo como presidente. Desde então, o partido tem se mantido no poder com apenas algumas interrupções.
O Partido Colorado é considerado um dos partidos mais tradicionais da América Latina, tendo sido fundado em 1887 por um grupo de intelectuais e militares. Durante seus primeiros anos, a sigla foi marcada por uma série de lutas internas e conflitos, mas com o tempo conseguiu consolidar seu poder. Durante a maior parte do século XX, o Partido Colorado governou o Paraguai sob o regime militar. Após a queda do militarismo, o Colorado continuou a governar o país, emplacando sucessivos presidentes, como Juan Carlos Wasmosy, Raúl Cubas, Nicanor Duarte Frutos e Horacio Cartes.
Apesar de ter perdido a eleição presidencial de 2008 para o Partido Liberal Radical Autêntico, o Partido Colorado manteve-se forte e, em 2013, venceu novamente a eleição presidencial com Horacio Cartes. Nas eleições presidenciais de 2018, o candidato do Partido Colorado, Mario Abdo Benítez, foi eleito presidente com 46% dos votos.
Traços da predominância
A hegemonia do Partido Colorado no Paraguai é explicada por diversos fatores, como a sua estrutura partidária forte e organizada, o seu amplo apoio em áreas rurais e a sua habilidade de manter alianças com outras forças políticas. No entanto, a longa permanência do partido no poder também é justificada pelo conservadorismo enraizado na população.
A população paraguaia é conservadora. Apesar de divergências existirem, os paraguaios se alinham com valores cristãos tradicionais, como a família, a moralidade, o patriotismo e a defesa da vida. O Partido Colorado, por sua vez, sempre buscou o apoio desse segmento da sociedade, promovendo-se como defensor dos valores tradicionais. Em paralelo a isso, o cristianismo é a religião predominante no Paraguai, sendo mais de 90% da população, conforme o censo mais recente. A Igreja Católica é a maior denominação cristã no país, representando cerca de 80% dos paraguaios. Há também outros segmentos cristãos, como os evangélicos, que têm crescido nas últimas décadas.
Outro fator determinante é a influência do agronegócio e da elite econômica que controla grande parte da economia do país e tem uma forte presença na política. Esses grupos resistem a mudanças que possam prejudicar seus interesses, como a reforma agrária, a invasão de terras e o desarmamento da população do campo.
Rejeição ao progressismo
Esquerda nem pensar. O espectro político que define o Paraguai aponta para a direita conservadora. O país possui historicamente uma posição resistente a mudanças progressistas, que reflete também em toda a política nacional, que tem uma predominância de partidos de direita e centro-direita. Em geral, a população paraguaia concentra posições que rejeitam temas como o aborto, as drogas, a agenda LGBTQIA+ e a ideologia de gênero.
Aborto e drogas
No que diz respeito ao aborto, os paraguaios tendem a defender a proteção da vida desde a concepção e se opõem à legalização ou relativização do assunto. Eles argumentam que a vida humana é um direito fundamental, sagrada e deve ser protegida em todas as etapas de seu desenvolvimento.
Quanto às drogas, os paraguaios rejeitam propostas políticas como a legalização da maconha e da spice. Quando consultados, argumentam que entorpecentes são prejudiciais à saúde e podem levar a comportamentos de dependência, violentos e criminosos.
Já sobre a agenda LGBTQIA+, a população rejeita a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, bem como da adoção por cônjuges homoafetivos.
Esses três temas foram cruciais no cenário político nacional. Durante toda a corrida eleitoral, os principais candidatos à presidência, Santiago Peña e Efraín Alegre, se debruçaram sobre essas discussões, ganhando destaque internacional devido eventuais impactos que cada posicionamento poderia gerar no resultado final do pleito.
Interferências externas
Durante as eleições no Paraguai, um assunto ganhou destaque nos últimos meses: a suspeita de que o país estaria sendo alvo de interferências externas, tanto por parte da mídia mainstream quanto por institutos de pesquisa estrangeiros. A desconfiança de interferências externas nas eleições paraguaias se deve, em parte, à crescente atuação do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA). Ativistas, lideranças políticas e eleitores do Partido Colorado acreditam que grupos externos atuaram para favorecer o esquerdista Efraín Alegre. Essa desconfiança também reflete a preocupação de muitos paraguaios.
Recentemente, o político colorado Gustavo Leite concedeu entrevista a uma mídia local e falou abertamente sobre a questão. “Os paraguaios não gostam que queiram mentir para nós e que nos tomem por tolos. E também não gostamos que forasteiros nos imponham receitas e nos digam o que temos que fazer”, declarou.
As declarações de Leite surgem após a presença do ex-presidente uruguaio José Pepe, o Mujica, que esteve no Paraguai para uma reunião com jovens e lideranças da Concertación. O encontro foi usado politicamente por Efraín Alegre para reforçar a base de esquerda.
“Esse é o erro mais grave que eles [opositores] cometeram. Entrar nesse turbilhão de receber instruções daqui, dali, de amigos dos Estados Unidos, do Brasil. Só falta que tragam o Maduro até ele [Alegre]”, emendou.
Santiago Peña, ao jornal El País, negou que sua candidatura estaria sendo minada por sanções dos Estados Unidos contra seus aliados políticos. O veículo chegou a mencionar que Peña e Alegre estavam em empate técnico. O direitista negou que os números refletissem a realidade.
“Deve haver 15 pesquisadores que coletaram dados nos últimos meses. Desses 15, 13 são pesquisadores nacionais com experiência e reputação. Todos os 13 dão resultados favoráveis em mais de 10 pontos para mim. E há duas pesquisas internacionais, sem histórico no Paraguai, que dão ao candidato da Concertación um empate técnico ou uma ligeira vantagem. Em todo caso, a eleição não se ganha com pesquisas”, contestou.
Bombardeio midiático
As eleições são o momento mais importante para a democracia de qualquer país, já que é a oportunidade que a população tem de escolher quem será seu representante nos cargos públicos. A mídia é um dos pilares fundamentais desse processo, já que é responsável, em tese, por cobrir e informar a população sobre as propostas e planos de cada candidato.
Contudo, em muitos países ao redor do mundo, a manipulação midiática tem se tornado um problema crescente, com impactos significativos nas eleições e na democracia em geral. Esse fenômeno pode acontecer de diversas maneiras, desde a cobertura tendenciosa de candidatos e partidos políticos até a disseminação de informações falsas e notícias forjadas com o objetivo de influenciar a população. Em alguns casos, a mídia pode até mesmo estar sob controle direto de candidatos ou partidos políticos, minando a independência e a integridade da cobertura jornalística.
Em países onde a mídia é altamente concentrada nas mãos de poucas empresas ou grupos políticos, essa manipulação pode ser ainda mais problemática. Isso porque a falta de pluralidade de ideias pode levar a uma engrenagem que privilegia um determinado candidato ou partido em detrimento de outro. Além disso, a preocupação aumenta em países onde os eleitores têm sido alvo de autoridades que visam cercear a liberdade de expressão, impedindo que a população tenha acesso a informações relevantes sobre os candidatos.
Peña: o alvo da vez
A eleição presidencial no Paraguai foi marcada por uma batalha midiática intensa. Embora o então candidato Santiago Peña, popularmente chamado de Santi, fosse o favorito nas sondagens nacionais, —considerando também todo o histórico do Partido colorado no país—, a mídia mainstream tentou vender a imagem de que a eleição estava sob ameaça real e, consequentemente, o direitista poderia perder para seu opositor, o esquerdista Efraín Alegre.
A mídia, especialmente a internacional, está sendo acusada de tentar manipular a opinião pública ao vender uma falsa narrativa de eleição apertada. Durante a cobertura do processo eleitoral, veículos de comunicação estrangeiros, como jornais e emissoras de TV, deram ênfase à possibilidade de uma disputa acirrada entre os candidatos, mesmo com pesquisas de opinião indicando do Paraguai apontando ampla vantagem de Peña sobre Alegre.
A tentativa de manipulação midiática está sendo denunciada por diversos setores da sociedade paraguaia, que apontam para uma cobertura tendenciosa e enviesada. Para muitos analistas políticos, a atuação da mídia foi motivada por interesses ideológicos, políticos e econômicos.
Membros do Partido Colorado, ao qual pertence o presidenciável vencedor, também acusam a mídia de parcialidade e manipulação. Lideranças do alto escalão têm dito que os meios de comunicação, em sua maioria, atuaram de forma irresponsável e antiética, tentando assolapar o regime democrático e embaralhar a escolha dos paraguaios.
Durante toda a campanha, a imprensa estrangeira deu grande destaque às atividades do candidato da oposição, fazendo parecer que Efraín Alegre tinha mais apoio popular do que de fato possuía. Além disso, a cobertura da mídia sobre os eventos da campanha de Peña foi bastante limitada, dando ênfase em polêmicas envolvendo a legenda partidária, assim como outros pontos que não estavam diretamente ligado ao político.
Mesmo diante de bombardeios midiáticos, o postulante conservador acabou vencendo a disputa presidencial, com cerca de 42,74%. O Paraguai, como de praxe, seguiu na contramão de outros países latino-americanos e confirmou a hegemonia da direita no país. Santiago Peña Palacios conseguiu provar seu favoritismo com uma margem significativa de votos. A escolha final dos paraguaios fortaleceu o poder político do jovem presidente eleito, evidenciando o papel de liderança que ele conquistou à frente dos colorados.