Antes do roubo, como você e sua mãe se sentiam em relação à segurança no Rio de Janeiro?
Meu pai sempre me aconselhou, antes de viajar, a cuidar de nossos pertences, pois há muitos ladrões circulando pelo Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Mas na Índia, sobretudo, conhecemos o Brasil principalmente pelo futebol. Há milhões de fãs brasileiros de futebol aqui na Índia. Porém, o recente incidente comigo transmitiu uma imagem negativa sobre o Brasil para milhões de indianos. Já estávamos cientes da situação de segurança no Brasil, por isso solicitamos segurança durante nossa participação na Cúpula do G20 de 2024, de 13 a 17 de novembro, por 3 razões: 1) pela nossa segurança, 2) sou menor de idade e minha mãe não fala inglês nem português, e 3) para nos ajudar com a tradução local.
Você solicitou escolta de segurança antes do evento? Como as autoridades brasileiras responderam?
Sim, minha equipe de protocolo solicitou ao escritório do Presidente do Brasil para nos fornecer segurança durante nossa participação no G20. Eles nos garantiram que seguiríamos todos os protocolos e que estaríamos seguros, afirmando que o evento era organizado pela primeira-dama, então não precisaríamos nos preocupar. Eu confiei neles porque já havia me encontrado com o presidente Lula duas vezes antes, no COP27 no Egito e no COP28 em Dubai. Esta era nossa terceira reunião com ele. Além disso, o Ministro Márcio Macedo também é meu bom amigo.
Você poderia descrever como o roubo ocorreu e qual foi sua reação imediata?
O incidente aconteceu poucas horas antes de partirmos para o aeroporto com destino a Nova Delhi. Nosso voo era às 21h do dia 17 de novembro, e fizemos o check-out do nosso hotel Novotel às 14h. O hotel não nos permitia ficar além, pois o horário normal de check-out era às 12h. Depois que solicitei à responsável pela comunicação do escritório da presidência, Sra. Anna, conseguimos ficar até as 14h. Como havia um longo intervalo até o horário de partida para o aeroporto, decidimos ir a uma cafeteria Starbucks perto, na Avenida Luiz de Vasconcelos (em frente ao Passeio Público). Ao atravessarmos a rua no cruzamento, dois ou três meninos sem camisa surgiram por trás e tentaram roubar nossos celulares e o cordão de ouro da minha mãe. Ficamos alertas, pois suspeitamos que fossem ladrões, já que os olhares deles estavam sempre direcionados a nós. Só pensávamos nos celulares naquele momento. Então, seguramos os celulares muito fortemente nas mãos. Mas o que eles tentaram foi diferente: em vez de pegar os celulares, arrancaram o cordão de ouro da minha mãe, Bidyarani Devi Kangujam Ongbi. Naquele momento, havia muitos policiais e também muitas pessoas ao redor. Os ladrões fugiram de bicicleta na frente da polícia e da multidão. Gritamos e pedimos ajuda para pegar os ladrões, mas ninguém nos ajudou. Depois de 5 minutos, quando os ladrões já haviam fugido, a polícia se aproximou e nos colocou em seu carro. A polícia até nos impediu de filmar o ocorrido.
O interessante é que, quando os ladrões pegaram o cordão de ouro da minha mãe, seguimos eles e jogamos nossa garrafinha de aço neles. Mas até a garrafinha foi roubada por outro ladrão. E, ainda, outro ladrão veio de outro lado e tentou roubar o relógio de pulso da minha mãe. Mas quando minha mãe gritou, ele fugiu.
A principal razão pela qual choramos muito foi que o cordão de ouro tem um valor muito grande em termos de afeto, não apenas financeiro. O cordão foi um presente especial que meu pai deu à minha mãe no dia do casamento. Ele tem muitas memórias para nossa família. Minha mãe nunca o deixa em lugar algum para se lembrar de meu pai. Ela viajou para mais de 60 países com esse cordão. Nunca aconteceu algo assim antes. E nunca imaginávamos que algo assim aconteceria conosco. Sempre que viajamos, a segurança do país anfitrião é garantida pelo protocolo, além de eu ser diplomata trabalhando oficialmente em um governo de um país. Foi um incidente muito infeliz.
Como você percebeu a resposta da polícia e das pessoas ao redor durante o incidente?
Havia muitos policiais e pessoas no momento, mas ninguém nos ajudou ou nos abordou.
Como esse ataque criminoso afetou sua experiência no Brasil e sua visão sobre segurança em eventos internacionais?
Como sou indiana e, especialmente na Índia, as pessoas amam o Brasil devido ao futebol e também à Floresta Amazônica fato passou uma mensagem muito errada para o mundo inteiro, não só para o Brasil ou a Índia ou Timor-Leste. A negligência na segurança é inaceitável a qualquer custo. Esqueça o cordão de ouro, estávamos muito mais preocupados com nossa segurança no Brasil.
E, se tal incidente aconteceu com uma figura pública global como eu, imagine como é a segurança das pessoas locais que vivem lá e dos turistas estrangeiros. Agora, estou preocupada com a segurança do povo brasileiro.
Decidi considerar o cordão de ouro roubado da minha mãe como uma doação para os pobres do Brasil.
Você acredita que a segurança dos participantes em eventos globais, como o G20, precisa ser revista?
Há uma necessidade séria de introspecção sobre os arranjos de segurança na organização de eventos globais tão importantes como o G20. No próximo ano, o Brasil sediará a COP30 na Amazônia. E eu tenho milhares de ativistas ambientais, cientistas e autoridades governamentais me seguindo nas redes sociais. Isso manda uma mensagem muito errada para as pessoas do mundo antes da COP30.
Quais foram suas maiores frustrações com a organização e segurança do evento após o incidente?
Estou muito triste com os policiais de plantão que testemunharam todo o incidente e não nos ajudaram. Fiquei realmente muito desapontada com os organizadores também. Até agora, o escritório da Presidência do Brasil não entrou em contato comigo ou sequer enviou um e-mail para console nosso sofrimento e perda.
Após o crime, o governo Lula ou o governo do Rio de Janeiro tomou alguma medida concreta ou forneceu apoio imediato? Se sim, como você avaliaria a resposta deles? Se não, o que deveria ter sido feito?
Após o incidente, um agente da Polícia Federal foi enviado para me ajudar pela primeira-dama, mas já era tarde demais. Ele apenas me ajudou a registrar a queixa na delegacia próxima. Fico me perguntando por que não prenderam os criminosos imediatamente, verificando as imagens das câmeras de segurança. Sentimos muita tristeza com essa negligência.
Você responsabiliza diretamente o governo Lula pelo incidente?
Acho que o presidente Lula pode não estar ciente da situação, mas sua equipe é responsável pelo incidente. Foi um erro deles, uma negligência, falharam em fornecer qualquer segurança, apesar de nossos repetidos pedidos. Afirmar simplesmente que a segurança do G20 já é apertada é uma maneira de evitar suas responsabilidades. Mas gostaria de agradecê-lo pelo convite gentil para falar na Cúpula do G20.
Durante o G20, foi reportado que o governo alocou recursos significativos para atrações culturais e segurança para os artistas. Como você vê essa disparidade, considerando que você não recebeu a mesma atenção?
Desculpe, eles não nos ofereceram nenhuma oportunidade de passeios ou tours para conhecer a cidade durante nossa visita.
Antes de vir para o Brasil, você sabia do nível de violência no país, especialmente no Rio de Janeiro?
Eu sabia sobre as notícias de furtos, mas não sobre a violência.
Você relatou o assalto nas redes sociais, mas houve pouca cobertura na imprensa brasileira. Por que você acha que isso aconteceu, considerando a gravidade do caso?
Ninguém relatou o incidente. Só depois de postar nas minhas redes sociais e pedir para alguns amigos brasileiros locais compartilharem a notícia, a mídia começou a dar atenção ao caso. Antes disso, ninguém se importou.
Além do Conexão Política, algum outro veículo de mídia entrou em contato com você para discutir o incidente?
Depois que o Conexão Política reportou a notícia, muitos meios de comunicação e jornalistas entraram em contato comigo para entrevistas, mas não dei entrevista a nenhum deles. Eu vi que muitos meios de comunicação só começaram a falar do assunto depois das matérias veiculadas pelo Conexão Política.
Nas redes sociais, você expressou decepção com o ataque criminoso. O que você gostaria de dizer diretamente às autoridades brasileiras e ao G20 sobre este assunto?
Eu quero que o governo brasileiro trate minha queixa. Não só me dizer que seria impossível recuperar o cordão, eu quero que todos eles tomem medidas positivas para a segurança dos turistas estrangeiros e também para os próprios brasileiros. Para ser honesta, agora estou muito mais preocupada com a segurança de meus amigos e colegas brasileiros do que com meu próprio cordão.
Considerando o orçamento destinado à cultura e entretenimento durante o evento, você acredita que uma maior prioridade deveria ter sido dada à segurança dos participantes internacionais?
Não sei os detalhes do orçamento, mas a segurança dos participantes em eventos de alto nível deve ser uma prioridade. Isso é fundamental para a segurança de todos os envolvidos.
Você acha que os líderes globais podem reconsiderar o Brasil como anfitrião de eventos internacionais no futuro?
Sim, após o incidente, muitos líderes mundiais me procuraram para expressar sua preocupação com a minha segurança. Eles me aconselharam a ser especialmente cautelosa no Brasil. A impressão de que o Brasil não é um país seguro agora é amplamente difundida. O governo Lula deve tomar medidas corretivas fortes para melhorar a segurança e reconstruir a imagem positiva do Brasil. O incidente causou um grande dano à reputação que o presidente Lula está trabalhando arduamente para construir.
Apesar do incidente, você sente que sua mensagem foi ouvida no G20?
Sim, sou grata por ter sido convidada pelo governo brasileiro para o G20 Summit 2024. Era um dos meus sonhos visitar o Brasil e participar de um evento tão importante, e estou feliz por ter alcançado isso, apesar do indesejado acontecimento. A parte mais emocional dessa experiência foi receber milhares de mensagens de brasileiros pedindo desculpas pelo ocorrido. Senti a preocupação e empatia deles, e agora perdoo o Brasil.
Quais ações concretas você espera dos líderes globais após o evento?
Já temos muitas reuniões, resoluções e acordos, mas o verdadeiro desafio é implementá-los e transformar essas palavras em ação. O maior problema que o mundo enfrenta agora é a falta de confiança entre os líderes mundiais. Esse abismo precisa ser superado primeiro.
Em seu discurso no G20, você abordou questões como mudanças climáticas e os conflitos em Manipur. Como os líderes reagiram a esses temas?
O G20 Summit é especialmente importante para o Global South, pois é a única plataforma que faz a ponte entre as nações ricas e desenvolvidas e os países pobres e em desenvolvimento sobre várias questões. A crise climática, que é causada em grande parte pelas nações ricas, deixou o resto de nós como vítimas.
Fui convidada pela presidência brasileira para representar o Global South e expressar nossas preocupações sobre a crise climática global. Sou muito grata ao presidente Lula da Silva por essa oportunidade e pela hospitalidade que me foi oferecida.
Embora eu tivesse planejado participar da COP29 em Baku, Azerbaijão, muitos líderes mundiais decidiram não comparecer ao evento. Como resultado, eu também decidi não participar da COP29, mas vim ao Brasil para levantar minha voz no G20, onde a maioria dos líderes mundiais esteve presente. Minha mensagem aqui é crucial porque representa as vozes de milhões de pessoas vulneráveis que já estão sofrendo com a crise climática.
Na COP28 em Dubai, as nações ricas concordaram em pagar fundos para perdas e danos, mas ainda não há clareza sobre quanto será dado, quem receberá e quais países serão beneficiados. Pequenos países insulares, como Timor-Leste, ainda não receberam nenhum recurso. Esta crise não ameaça apenas vidas – ela também ameaça nossa cultura e patrimônio.
Eu também enfatizei o problema global do gasto com guerras, perguntando aos líderes mundiais por que estamos investindo bilhões em guerras ao invés de combater a fome, oferecer educação e lutar contra as mudanças climáticas. Precisamos priorizar a sobrevivência do nosso planeta sobre os gastos militares. É vergonhoso que tenhamos bilhões para a guerra, mas não um único bilhão para combater a crise climática global, que afeta diretamente a saúde e a vida das gerações futuras.
Também abordei o trágico conflito em Manipur, onde uma família Meitei de seis mulheres, incluindo três menores, foi sequestrada, estuprada e assassinada. Pedi à comunidade internacional que se manifestasse contra essas atrocidades e parasse o extermínio étnico dos Meiteis na Índia. Isso é contra a lei internacional e os princípios das Nações Unidas. Descrevi o conflito em Manipur como “A Nova Guerra Climática”, onde uma comunidade luta para preservar a natureza, enquanto outra a destrói. Pedi aos líderes mundiais que adotassem o desmatamento como crime internacional no G20.
Por fim, falei sobre as crescentes preocupações em Timor-Leste, onde o aumento do nível do mar não está apenas ameaçando vidas, mas também erodindo questões culturais e patrimoniais. Pedi às nações ricas que paguem pelos danos causados pela crise climática ao Global South.
Quais são suas expectativas para o documento de demandas da juventude entregue ao presidente Lula?
Encontrei-me com o presidente e entreguei as “Demandas da Juventude do G20 sobre Fundos de Perdas e Danos”, uma Declaração Global da Juventude redigida por milhares de jovens de 196 países. Espero que os líderes mundiais tomem medidas concretas para abordar as questões levantadas neste documento.
Que mensagem você gostaria de compartilhar com os jovens?
Os jovens devem cobrar seus legisladores pelas decisões políticas que tomam. Devem falar abertamente, usar as redes sociais para amplificar suas vozes e lutar pelo que é certo. As redes sociais são uma ferramenta poderosa para espalhar mensagens e aumentar a conscientização em escala global.
Que lições você tira dessa experiência no Brasil e que mensagem você gostaria de deixar aos brasileiros, sobretudo o governo e as autoridades locais?
Sou profundamente grata ao povo brasileiro pela sua gentileza e hospitalidade. Apesar do incidente indesejado, as lembranças positivas do Brasil ficarão comigo. Espero que o governo e as autoridades locais tomem mais cuidado para garantir a segurança dos convidados estrangeiros durante eventos globais como o G20 no futuro. Espero ver melhorias na segurança e espero que essas lições sejam aprendidas antes da COP30 no próximo ano.