“Não acabou. Tem que acabar. Eu quero o fim da Polícia Militar.” Certamente, você já ouviu este coro sendo entoado em atos políticos em diversas cidades do Brasil. O que você possivelmente não sabe é que a desmilitarização das Polícias Militares (PMs) no país passou a ser uma abordagem prioritária nos debates promovidos por grupos de esquerda, especialmente no campo acadêmico, nas políticas de segurança pública e, como mencionado inicialmente, nas vozes das ruas.
Surpreendentemente, a pauta incisiva não surgiu há pouco tempo. O assunto vem sendo levantado há alguns anos e tem repercutido cada vez mais, conquistando atenção e repercussão massiva até mesmo em discussões internacionais.
Em 2012, por exemplo, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) solicitou ao Brasil, ainda sob comando do primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), que atuasse com esforços para combater a chamada atividade dos “esquadrões da morte”. Em nota, a entidade pediu que o governo iniciasse um trabalho diligente para suprimir a PM, devido a acusações de que a corporação carrega nas costas numerosas execuções extrajudiciais.
À época, a notificação do órgão internacional direcionava cerca de 170 recomendações que os membros do Conselho de Direitos Humanos haviam aprovado como parte do relatório efetuado pelo Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, uma avaliação à qual se submetem todos os países.
Entre os aconselhamentos estava o pedido de abolição do “sistema separado de Polícia Militar, aplicando medidas mais eficazes […] para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais”. Além disso, foi apontado que era preciso “reformar o sistema penitenciário para reduzir o nível de superlotação e melhorar as condições de vida das pessoas privadas de liberdade”.
Exigências atualizadas
Por meio de um documento veiculado no dia 6 de julho de 2022, a ONU cobrou mais uma vez o governo federal brasileiro a fim de adotar amplas reformas para pôr fim à violência e ao racismo que, segundo a organização, estão presentes nas instituições brasileiras. No texto, a entidade pediu a “desmilitarização da polícia”, além de pontuar ações que visem melhorias nas leis vigentes.
Ainda na resolução, a organização frisa que tem manifestado continuamente sua preocupação sobre o “uso excessivo e letal” de força pelos agentes da lei. “Os últimos relatórios de brutalidade policial parecem mostrar que tais violações dos direitos humanos continuam impunemente”, declarou a ONU, convocando oficialmente o Estado brasileiro para tratar sobre o tema.
Desmilitarização em pauta
A proposta de desmilitarização da polícia é defendida especialmente por grupos ligados ao espectro político de esquerda e sempre vem à tona quando confrontos entre agentes de segurança e criminosos resultam em vítimas fatais. No debate parlamentar, a ideia já foi sugerida no Senado Federal, a mais alta Casa Legislativa do país. Em 2013, o então senador Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propunha a chamada desmilitarização policial, mas o texto não avançou, perdeu força e terminou arquivado.
Em 2015, em uma nova investida, o Partido dos Trabalhadores (PT) incluiu em seu caderno de teses a desmilitarização das PMs como pauta prioritária da legenda. Em 2018, na eleição presidencial, pelo menos dois candidatos apresentaram projetos semelhantes em seus planos de governo: Vera Lúcia (PSTU) e Guilherme Boulos (PSOL).
Diversos segmentos da sociedade compreendem a ideia de forma distinta, e até hoje a proposta não foi totalmente esclarecida, dada a complexidade do assunto e as diferentes visões sobre a discussão. Enquanto alguns advogam pelo conceito de desmilitarização como a exclusão de aspectos de hierarquia, disciplina e símbolos militares, outros mais radicais defendem a redução do uso de força e de armamento e até mesmo a extinção das corporações, sob o argumento de que tal medida acabaria com excessos e abusos.
Sociedade ‘Entre Lobos’
No último dia 20 de junho, em uma produção exclusiva, a empresa de mídia e comunicação Brasil Paralelo lançou o documentário ‘Entre Lobos’. Trata-se de uma investigação inédita sobre a criminalidade brasileira. Dividido em três episódios, o filme explora de forma profunda as causas, as consequências e os efeitos da criminalidade no país.
Mas ao contrário dos demais documentários sobre criminalidade, ‘Entre Lobos’ vai na contramão das teses que tem sido cada vez mais defendidas em produções cinematográficas nas últimas décadas. A obra da Brasil Paralelo não faz glamorização dos delitos ou da vida criminosa. Pelo contrário, busca trazer à tona a trágica situação vivida cotidianamente pelos brasileiros.
No filme, a “bandidolatria” e a “desmilitarização” são citados como pontos que ajudam a entender o avanço da problemática no Brasil. Com índices de violência nas alturas, a expressão “o crime compensa” realmente parece fazer sentido, principalmente quando nos deparamos com um Código Penal desatualizado e um Judiciário que muitas vezes contribui para a impunidade.
No exterior, o Brasil é conhecido por ser um território em que os condenados à prisão quase nunca cumprem suas penas em caráter integral. Diversos benefícios como progressão de regime e livramento condicional fazem com que os criminosos estejam circulando pelas ruas muito antes do que deveriam.
Crimes bárbaros, que tomaram grandes proporções e repercutiram na vida de muitas pessoas, nos ajudam a entender, na prática, como funciona essa realidade. É o caso de Suzane von Richthofen, que assassinou os próprios pais e poucos anos depois foi agraciada com benesses de retorno à sociedade, incluindo liberações para passar Dia dos Pais e Dia das Mães fora do sistema prisional.
Outro caso que chama a atenção é aquele envolvendo o goleiro Bruno Fernandes. Em 2013, ele foi condenado a mais de 20 anos de prisão pelo assassinato da modelo Eliza Samúdio, com quem teve um filho. Apesar disso, em 2019, obteve a chance de cumprir sua reprimenda em regime semiaberto. Em julho deste ano, foi anunciado como reforço do Atlético Carioca, que disputa a Série C do futebol fluminense.
Ainda que esteja nas ruas, o atleta é considerado culpado judicialmente pelos crimes de homicídio triplamente qualificado, sequestro e cárcere privado. A ex-modelo, que era amante de Bruno na ocasião, desapareceu em 2010 e até hoje os restos mortais dela não foram encontrados. Em setembro de 2018, a pena foi reduzida em segunda instância para 20 anos e 9 meses, após a prescrição do crime de ocultação de cadáver.
Esses e tantos outros malabarismos jurisdicionais e legislativos contribuíram na percepção de insegurança por parte população, conforme declarou Silvio Medeiros, diretor do ‘Entre Lobos’. Ao falar sobre o filme, ele explica que o objetivo da Brasil Paralelo é mostrar como a ausência de ações para conter a violência desencadeou um verdadeiro caos no país.
— O debate público a respeito dos índices de criminalidade no Brasil gira muito em torno do que nós diagnosticamos no documentário como consequência final de toda uma cadeia criminal que vai acabar com assalto, latrocínio, roubo, sequestro, estupro. Hoje, esse debate é muito a respeito das consequências. A nossa abordagem, no entanto, visa descobrir quais são as causas do crime — pontuou.
‘Entre Lobos’ se debruça sobre o crime organizado, investiga as atuações das organizações criminosas e busca explorar fatores que contribuem para o grande mercado do tráfico de drogas. No documentário é exposto, inclusive, a informação de que cerca de 500 mil condenados que deveriam estar presos circulam livremente nas ruas do Brasil neste momento.
— Há solução. É possível não apenas sonhar com um Brasil onde a gente sai à rua sem medo. Mas, para isso, a gente precisa entender as causas do problema e o papel do Estado na coibição da ação criminal e na promoção do comportamento civilizado — acrescenta Silvio Medeiros, reforçando a tese do documentário, que entende que o país amarga maus resultados muito em razão da profissionalização do crime.
Dados sobre violência citados no ‘Entre Lobos’:
60 mil homicídios por ano;
1 brasileiro morto a cada 9 minutos;
Quase 600 mil mandados de prisão em aberto no Brasil;
Taxa anual de homicídios de 27,5% a cada 100 mil habitantes.
A produção cinematográfica da Brasil Paralelo critica ainda a benevolência de determinadas ideologias em relação aos criminosos e as decisões específicas do Poder Judiciário que colaboram diretamente para o êxito de impunidade da bandidagem.
‘Entre Lobos’ custou cerca de R$ 1 milhão e foi filmado em 13 cidades diferentes, com 50 entrevistados. Entre as personalidades que foram ouvidas estão Anderson Torres, atual ministro da Justiça e Segurança Pública; Roberto Motta, ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro; João Henrique Martins, cientista político especializado em economia criminal; Marcelo Rocha Monteiro, procurador de Justiça do Rio de Janeiro; Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) do Rio de Janeiro e Capitão Derrite, ex-policial e deputado federal por São Paulo.
Exclusivo para membros, o filme está disponível na BP Select, plataforma de streaming da Brasil Paralelo. A assinatura da ferramenta custa R$ 19 mensais.
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