A Índia está emergindo como uma nova locomotiva para o crescimento da economia global. Desde a pandemia de Covid-19 em 2020, o país tem apresentado um ritmo de crescimento significativamente mais rápido que o da China. De acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), essa tendência deve continuar nos próximos anos, com a expectativa de que a Índia se torne a terceira maior economia mundial em 2027, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Atualmente, a Índia ocupa a quinta posição.
As reformas econômicas na China, iniciadas em 1978, e na Índia, em 1991, impulsionaram o crescimento acelerado de ambos os países. Mark Shirreff Matthews, chefe de pesquisa para a Ásia no banco suíço Julius Baer, destaca que o tamanho atual da economia indiana (US$ 3,2 trilhões) equivale ao da China em 2007.
“Este foi o ano em que o PIB per capita chinês atingiu US$ 2.500”, afirma Matthews. A partir desse ponto, a economia chinesa se expandiu rapidamente, alcançando um PIB de US$ 17,5 trilhões no ano passado. “Há grandes possibilidades de que a Índia siga o mesmo caminho.”
Um longo caminho a seguir
No entanto, isso não significa que a Índia esteja a caminho de se tornar uma superpotência. Analistas internacionais consultados pela reportagem têm opiniões divergentes sobre o assunto. Ian Hall, professor de relações internacionais na Griffith University, na Austrália, afirma que a Índia está emergindo como uma grande potência regional na Ásia e no Indo-Pacífico, devido ao seu vasto tamanho e dinamismo.
Por outro lado, Ashoka Mody, professor de política econômica internacional na Universidade de Princeton, nos EUA, descarta a possibilidade de a Índia alcançar o status de superpotência. Ele observa que, embora Índia e China tenham começado de uma renda per capita quase idêntica nos anos 1980 e adotado reformas liberalizantes, seus caminhos divergem significativamente.
“Enquanto a China cresceu rapidamente com base no desenvolvimento do capital humano, a Índia negligenciou esse aspecto de seu crescimento. A China se tornou uma superpotência econômica; as projeções da Índia como a próxima superpotência são pouco mais do que um hype [uma promoção exagerada ou sensacionalista de algo]”, afirma Mody.
O professor de Princeton, Ashoka Mody, ressalta que a China construiu sua estratégia de desenvolvimento com base em dois pilares fundamentais: capital humano e igualdade de gênero. “O amplo acesso à educação e a significativa participação das mulheres no mercado de trabalho contribuíram para a redução das taxas de natalidade”, explica.
Mody também aponta que, especialmente nas áreas urbanas da Índia, a violência contra as mulheres tem sido um obstáculo para sua integração no mercado de trabalho.
Por outro lado, Mark Shirreff Matthews, chefe de pesquisa econômica para a Ásia no banco suíço Julius Baer, tem uma perspectiva diferente. Ele acredita que a Índia tem potencial para se tornar uma superpotência: “O país é geopoliticamente muito importante para os Estados Unidos para ter relações ruins e tem sido capaz de manter transações com a Rússia impunemente. Em um mundo multipolar, a Índia tem um peso muito importante”, argumenta Matthews.
Segundo Mark Shirreff Matthews, a diferença fundamental entre a China e a Índia é que a China, sendo uma autocracia, consegue tomar e implementar decisões com maior rapidez.
“A Índia é uma democracia, então a aquisição de terras e o desligamento de trabalhadores são muito mais difíceis de serem realizados. Essa é uma das razões pelas quais, após a liberalização, as empresas na Índia se concentraram mais no setor de serviços do que na manufatura”, explica o economista do Julius Baer.
Matthews acrescenta que, mais recentemente, a digitalização de grandes partes da economia permitiu que a Índia se destacasse como um importante centro de tecnologia da informação para o mundo, enquanto a China permanece como o centro industrial global.
Apesar das reformas ao longo dos anos, Ian Hall aponta que ainda existem muitos obstáculos para que empresas estrangeiras instalem fábricas de grande escala na Índia. “Há muita burocracia e pouco investimento em infraestrutura e educação”, observa Hall. Ele também menciona que, na região, investidores estão preferindo direcionar recursos para países como Bangladesh ou Vietnã.
Alternativas para capacitar mão de obra
Especialistas destacam que a principal dificuldade da Índia é a educação. O governo indiano lançou um programa com o objetivo de preparar cerca de 300 milhões de cidadãos para atender às demandas mais atualizadas do mercado de trabalho. Além disso, outro programa foi criado para premiar empresas que demonstram boa performance com incentivos.
“Dentro desse esquema está a iniciativa ‘Make in India’, que busca impulsionar o desenvolvimento do setor manufatureiro. O primeiro-ministro [Narendra Modi] prometeu há dois anos que a Índia estaria entre os países desenvolvidos até 2047, ano do centenário da independência”, explica o analista do banco suíço.
Entretanto, com o avanço de novas tecnologias, como a inteligência artificial, a China está mais preparada para as oportunidades futuras, segundo especialistas. Sete universidades chinesas estão entre as cem melhores do mundo, de acordo com o ranking Times Higher Education, enquanto a Índia não tem nenhuma instituição listada.
“Cientistas chineses fizeram avanços significativos na quantidade e na qualidade de suas pesquisas, especialmente em áreas como química, engenharia e ciência dos materiais, e podem, em breve, liderar em inteligência artificial. Pesquisadores chineses, tanto na academia quanto na indústria, estão gerando patentes de alta qualidade”, comenta Ashoka Mody, da Universidade de Princeton.
A superioridade no capital humano e a maior igualdade de gênero foram fatores chave para o forte crescimento da produtividade chinesa, que hoje é duas vezes maior que a da Índia.
“Enquanto 45% dos trabalhadores indianos estão no altamente improdutivo setor agrícola, a China evoluiu da manufatura simples e intensiva para se tornar uma força dominante nos mercados globais de automóveis, especialmente em veículos elétricos”, afirma o professor.
Desafio para a Índia
Outro grande desafio enfrentado pela Índia, segundo Mark Shirreff Matthews, é o emprego. A China foi bem-sucedida em sua estratégia de mover centenas de milhões de pessoas das áreas rurais para as urbanas, onde havia muitos empregos para trabalhadores semiespecializados na indústria.
“O desenvolvimento da Índia como um centro de serviços exige um nível de qualificação de mão de obra mais elevado, algo que o setor rural não possui. Se a Índia não conseguir desenvolver um polo industrial próprio, não será capaz de aproveitar plenamente o dividendo demográfico”, afirma o chefe de pesquisa do banco suíço.
Essa preocupação é compartilhada pelo professor Santosh Mehrotra, da Universidade de Bath, na Inglaterra. Ele ressalta que, para aproveitar a grande população em idade ativa, é necessário criar mais empregos fora do setor rural.
A Índia possui uma grande parcela da população em idade de trabalhar, com pessoas entre 15 e 64 anos. “A demanda por emprego é imensa”, afirma Santosh Mehrotra. São necessários de 10 a 12 milhões de empregos por ano para atender a desempregados, novos entrantes no mercado de trabalho e ao excedente que vem do campo.
Atualmente, trabalhadores ocasionais representam um quarto da força de trabalho indiana, e apenas 23% recebem um salário regular. O restante é composto por autônomos com fontes de renda irregulares e inseguras.
Essa situação também é motivo de preocupação para o FMI, que recomenda investimentos significativos em saúde e educação. “Não se trata apenas de ter uma população em crescimento, mas de garantir que essa força de trabalho tenha as habilidades adequadas para enfrentar desafios, incluindo a concorrência da inteligência artificial. O investimento em educação e saúde deve ser priorizado para abordar essa questão”, afirmou Krishna Srinivasan, diretor do departamento da Ásia e Pacífico, durante uma coletiva em abril.
Para Mark Shirreff Matthews, do banco suíço Julius Baer, há muitos empregos disponíveis na Índia, mas o problema é que muitos deles não são bem remunerados. “A solução virá com o desenvolvimento de habilidades pelos trabalhadores e com a infraestrutura que permita o crescimento da manufatura. Com isso, o salário médio tende a aumentar.”
Mehrotra, por sua vez, adverte que não basta focar apenas nos serviços, como o setor de tecnologia da informação (TI), em que a Índia é um destaque global.
“Esta ‘Nova Índia’ representa menos de 15% da economia e uma fração ainda menor em termos de emprego. Essa estratégia acabará gerando empregos principalmente para pessoas altamente qualificadas, em vez dos milhares de postos de trabalho não rurais que os indianos estão buscando”, explica.
O professor da Universidade de Bath destaca que a Índia precisa de uma estratégia industrial semelhante à da China, focada em setores intensivos em mão de obra. “A China tem uma política industrial desde a década de 1950, que se tornou mais avançada a partir da década de 1980, ajudando o país a dominar a manufatura global de alta tecnologia”, observa Mehrotra.
Segundo Mehrotra, a alternativa para a Índia é acelerar ainda mais o crescimento de maneira que ele se torne mais intensivo em mão de obra. Um dos caminhos é aumentar os investimentos, o que impulsionaria a indústria da construção: “Isso, por sua vez, acabará gerando demanda na economia para todos os segmentos da sociedade, e não apenas para as classes média e alta”.
Construção pode viabilizar empregos na Índia
Além da indústria, o setor de construção também pode ser crucial na geração de empregos, afirma Santosh Mehrotra. A atividade precisará manter o ritmo acelerado atual: “E, para o próximo ano ou dois, isso precisa ser liderado pelo investimento público, já que o privado permanece lento.”
Segundo Mehrotra, dobrar o emprego na construção civil nos próximos cinco anos, como ocorreu entre 2004 e 2014, dependerá do reavivamento da iniciativa privada.
Outro caminho é o estímulo contínuo às micro, pequenas e médias empresas. Na Índia, assim como no Brasil durante o governo de Dilma Rousseff (PT), há uma política de incentivo a grandes conglomerados – as “campeãs nacionais” – que recebem subsídios, como os grupos Tata e Mahindra.
“Se esses subsídios fossem aplicados em empresas menores, o impacto na geração de empregos seria maior. Grandes corporações utilizam métodos de produção altamente intensivos em capital, enquanto as menores tendem a absorver mais mão de obra. Historicamente, essa é a forma como a maioria dos empregos não rurais foi criada nos países desenvolvidos”, explica Mehrotra.
Outra forma de estimular o crescimento da economia indiana, segundo Mehrotra, é investir em serviços intensivos em mão de obra, como saúde pública e educação, que podem ser priorizados por meio de gastos públicos.
“Esses setores ajudarão a desenvolver o capital humano necessário para a indústria e a exportação de serviços modernos. É o único caminho para que os serviços de saúde e educação alcancem os níveis encontrados no Leste da Ásia e atraiam mais investimentos”, enfatiza.
O forte crescimento da Índia entre 2004 e 2014 foi acompanhado por uma rápida mudança estrutural no emprego. Durante esse período, foram criados, em média, 7,5 milhões de empregos não rurais por ano. O número de trabalhadores na indústria aumentou de 53 milhões em 2004 para 60 milhões em 2012.
O primeiro-ministro Narendra Modi, líder nacionalista hindu, foi eleito em 2014 com a promessa de levar a Índia a um crescimento de dois dígitos, mas ainda não conseguiu alcançar esse objetivo. Segundo o professor da Griffith University, diversos fatores contribuíram para isso:
Instabilidade da economia global, provocada pelo fraco crescimento no Ocidente, pela Covid-19 e por conflitos ao redor do mundo;
Erros políticos, como a retirada de circulação da maior parte das notas de dinheiro em 2016;
A dificuldade de promover reformas em uma democracia complexa.
Em 2016, notas de 500 rúpias (R$ 30,48) e 1.000 rúpias (R$ 60,96), que representavam 86% do papel-moeda em circulação, foram retiradas. A medida tinha como objetivo acelerar a transição para uma economia mais formalizada e digitalizada. No entanto, a consequência foi uma grave escassez de dinheiro, levando ao fechamento de empregos na construção e na indústria.
O crescimento da Índia também desacelerou em 2020, com a pandemia de Covid-19. O governo indiano impôs um lockdown nacional com apenas quatro horas de antecedência, resultando em uma contração do PIB de 5,8% naquele ano, mais que o dobro da taxa mundial.
Mehrotra aponta que um dos impactos mais significativos foi o corte de empregos, especialmente na indústria intensiva em mão de obra. Esse declínio já dura cinco anos, com cerca de 60 milhões de trabalhadores retornando para o campo, revertendo o avanço estrutural observado no início dos anos 2000.
Ainda assim, Krishna Srinivasan, diretor do departamento da Ásia e Pacífico do FMI, afirmou em entrevista coletiva no mês passado que a Índia conseguiu navegar com sucesso por múltiplos choques nos últimos anos.
O FMI projeta um crescimento de 6,8% para a Índia neste ano, impulsionado principalmente pelo consumo privado. “A Índia tem dado muita ênfase aos gastos de capital em infraestrutura. Isso claramente teve um impacto muito positivo no crescimento. A questão é se isso atraiu investimento privado. Até recentemente, não víamos muito investimento privado, mas ultimamente isso tem mudado, o que é promissor para o futuro.”
Ian Hall, da Griffith University, destaca que a Índia vem aprendendo lições de países como Japão, Coreia do Sul e Taiwan. “Está tentando melhorar a infraestrutura e incentivar o investimento interno”, afirma Hall.
A abertura da Índia para o mundo é outro ponto forte. Segundo o professor da universidade australiana, a desconfiança em relação às intenções de Nova Delhi está diminuindo. “A Índia vem ganhando a confiança de seus parceiros ao cumprir a maior parte do que promete”, ressalta Hall.