Escrito por Major Vitor Hugo
Major das Forças Especiais do Exército Brasileiro (reserva não remunerada) e advogado.
A formação contínua do militar é uma realidade das Forças Armadas brasileiras. Não se aprende a profissão das armas somente nos bancos escolares institucionais; isso ocorre ao longo de toda a carreira, particularmente, quando no cumprimento das mais diversas missões.
Abordarei brevemente, nesse contexto, as experiências que tive em missões no exterior pelo Exército e que deixaram em minha personalidade marcas indeléveis para toda a vida. Vou tratar das quatro principais e com maior duração. Em algum momento mais para frente, pretendo escrever um artigo para cada uma dessas missões. Hoje, apresentarei apenas um resumo apertado sobre essas selecionadas.
Entendo como relevante falar dessas oportunidades, porque (1) foram fontes de aprendizado em diversos planos e dimensões e (2) comentar sobre elas, certamente, elucida uma faceta da vida militar pouco discutida ou mesmo desconhecida por grande parcela da população.
A primeira grande vivência minha fora do Brasil foi a XIII Viagem de Instrução de Guardas-Marinha a bordo do Navio-Escola Brasil, realizada entre julho de 1999 e janeiro de 2000. Viagens como essas são realizadas pelos formandos da Escola Naval desde a época do Império. Há muitas décadas o primeiro colocado das Agulhas Negras é convidado para integrar a viagem, junto a outros convidados da Força Aérea, da Marinha Mercante e de marinhas de nações amigas. 19 países visitados em seis meses. 180 dias de viagem: metade no mar, navegando e estudando; metade em terra, absorvendo cultura e desenvolvendo tolerância e orgulho de nossa terra e de nosso povo.
O maior ensinamento que tive na viagem foi que, a despeito das diferenças em tradições e visões, Marinha, Exército e Força Aérea têm muito mais em comum do que parece. O comprometimento, o zelo pela missão e a rigidez na formação são características comuns que contribuem para o fortalecimento da integração entre essas instituições. As fardas podem até ter cores distintas; o coração, porém, bate num mesmo compasso auriverde.
A segunda oportunidade não se revestia de pompa como a primeira. Já pertencente às Forças Especiais, em fins de 2004, fui acionado num sábado para estar na Costa do Marfim no domingo e lá permanecer por um mês. Acabei ficando sete meses, seis dos quais sem ter qualquer noção de por quanto tempo ficaria em solo marfinense. O que me levou, junto aos meus camaradas Comandos e Forças Especiais, para aquele continente distante foi um incidente entre nacionais e estrangeiros vivendo naquele país. Fomos para lá proteger o Embaixador brasileiro e organizar a evacuação dos nossos compatriotas que quisessem retornar ao Brasil.
Aprendi, naqueles meses, que, a despeito dos graves problemas enfrentados pelo Brasil, a situação em que nos encontramos ainda é assaz melhor que a de muitos países pelo mundo. Aprendi, também, que a guerra deixa sequelas virtualmente insuperáveis num povo e que a solução pacífica das controvérsias é mais do que um princípio constitucional. Trata-se, em verdade, de algo a ser buscado constantemente para que se evite ao máximo o envolvimento da Nação em um conflito armado, com consequências nefastas a serem sentidas por décadas e décadas.
Voltei, porém, à Costa do Marfim, em 2008. Dessa vez, fui na condição mui sui generis de observador militar da ONU. Doze meses longe do Brasil e da família, com algumas folgas esporádicas a cada três meses em média. Ao contrário de 2004-2005, dessa vez não fiquei na capital Abidjan. Seis meses no norte mulçumano e rebelde; e seis meses no sudeste cristão e governista. Nas duas estações, convivi com oficiais de mais de 30 nacionalidades, conhecendo suas culturas, religiões, qualidades e defeitos pessoais e institucionais.
Controle emocional e tolerância foram meus maiores aprendizados. Cinco vezes diagnosticado com malária, se me deixasse abalar, o retorno para casa seria uma opção não honrosa. Era preciso controlar a ansiedade e seguir em frente, confiando que os medicamentos franceses baixariam a concentração de plasmódios no sangue, a ponto de permitir o cumprimento das missões de patrulha pelas savanas ou pelas florestas marfinenses.
A tolerância, por sua vez, foi muito exercitada. Conviver com diferentes personalidades, desenvolvidas em contextos políticos, religiosos, institucionais e culturais completamente distintos foi um grande desafio.
Por fim, em 2011, passei sete meses nos Estados Unidos da América. Lá cursei o Maneuver Captains Career Course, no Fort Benning, Georgia. Já havia concluído o curso semelhante no Brasil há alguns anos e as experiências anteriores no exterior me credenciavam a disputar as primeiras colocações do curso. O conteúdo do curso era interessante; o coração e a mente dos norte-americanos, porém, é que me marcaram. Praticidade, objetividade, perfeccionismo, liderança, comprometimento, foco, enfim, tudo neles era diferenciado. Uma ótima experiência, pois.
O que mais me tocou em termos de aprendizado, no entanto, foi a mobilização da comunidade local em prol de si própria, não esperando que o Estado viesse a prover tudo o que eles necessitavam. Participei de um projeto humanitário de construção de casas populares totalmente gerido e financiado por empresas privadas. O contemplado teria apenas que pagar sua casa com seu trabalho na construção de outras casas. Fantástico programa. O Estado pode alguma coisa; as pessoas, unidas, podem muito mais.
Bom, eu permaneci no Exército por longos 21 anos. A Pátria obriga que os homens estejam disponíveis por, pelo menos, um ano. Cumpri meu dever, nesse compasso, 20 anos a mais do que seria, pelas leis brasileiras, obrigado. As missões no exterior, no seio desse período, encerraram momentos de sacrifícios, distâncias, reflexões, aprendizados e luta.
A realidade é que uma gama cada vez mais ampla de militares passa parte considerável de suas carreiras no exterior. Ganha o militar em experiência profissional e de vida; aufere, em muito maior proporção, lucro a Nação, que passa a contar com militares mais bem preparados e desassombrados em relação aos desafios mais atuais da defesa nacional, não só em nosso entorno estratégico, mas em muitas outras partes do mundo.