Não é preciso ter o dom da clarividência para prever um futuro caótico para economia brasileira e uma queda vertiginosa no índice de aprovação do presidente da República. Com quase três meses de mandato, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não conseguiu realizar qualquer uma de suas promessas de campanha e continua insistindo apenas no discurso de comprometimento com os brasileiros mais necessitados e programas sociais.
A desconstrução das reformas pelo PT cria uma enorme insegurança jurídica e repele investidores. O bombardeio é generalizado: lei das estatais, teto de gastos, autonomia do Banco Central (BC), reforma previdenciária, agências reguladoras, marco de saneamento, venda de ativos da Petrobras, política de preços de combustíveis, privatização da Eletrobras. E, assim, espantando o capital privado, restará o discurso de que o governo precisa gastar para o Brasil andar. Os sinais de descontrole fiscal que temos hoje são péssimos, e as perspectivas para o futuro, com isso tudo, são ainda piores.
Temos um governo que anda na contramão de qualquer regra da administração — pública ou privada. O PT impôs ao Brasil um conceito novo de gestão: dividir para não governar. As alas política e econômica do governo vivem em pé de guerra. A ministra do Turismo é acusada de envolvimento com milicianos. O ministro das Comunicações está metido em um sem número de irregularidades. Não há liderança no país, os projetos não saem do papel e todos começam a se dar conta de que a falta de coordenação política de Lula terá efeitos desastrosos na economia.
Nesse cenário, no mês passado, em um evento público em Orlando, nos Estados Unidos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já disse o que muitos de nós pensamos: “Por si só, se este governo continuar na linha do que demonstrou nesses primeiros 30 dias, não vai durar muito tempo”.
Em entrevista para uma rede de TV na semana passada, quando foi questionado sobre o motivo dos pedidos de impeachment contra Bolsonaro não terem sido acatados, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que “quem faz o impeachment não é o presidente da Câmara” e, em poucas palavras, elencou as condições básicas para que o pleito possa ter seguimento: “quem faz o impeachment é uma junção de situações que não se confirmaram, que não se configuraram. Não faltava apoio popular suficiente para ele [Bolsonaro] se manter, não estava a economia no caos, não tinha um degringolar de outros assuntos que são pré-requisitos para um impeachment”.
A opinião de Arthur Lira é seguida pela maioria dos analistas políticos, que afirmam que o impeachment é mais um processo político do que jurídico, e responde ao “humor” do Congresso com relação ao governo. O processo é profundamente influenciado por fatores políticos e sociais, como a opinião pública, o apoio de líderes políticos de expressão, o quadro econômico do país, a gravidade das acusações e os argumentos apresentados pelos defensores.
Sabendo disso, já se ventila em Brasília (DF) um futuro afastamento do presidente Lula. Pelo menos três pedidos de impeachment do mandatário já foram apresentados pelos deputados federais Sanderson (PL-RS), Evair de Melo (PP-ES) e Carlos Jordy (PL-RJ), respectivamente.
Ao mesmo tempo, em paralelo, discute-se até que ponto o Supremo Tribunal Federal (STF) poderia interferir em um eventual processo de impeachment do presidente da República.
O processo de impeachment é previsto na Constituição Federal e tem por objetivo a destituição de um ocupante de cargo político por prática de crimes de responsabilidade. No Brasil, cabe à Câmara dos Deputados instaurar o processo e ao Senado julgar o acusado, conforme o artigo 52 da Carta Magna.
Embora o STF tenha a função de zelar pela Constituição e pela defesa dos direitos fundamentais, sua atuação em um processo de impeachment é bastante limitada. A Constituição prevê que cabe ao Senado julgar o acusado, não ao STF.
Quando o processo de impeachment é admitido pela Câmara, o pedido segue para o Senado. Se for aceito, o presidente da República é afastado e é marcado o seu julgamento. Este é o momento em que o STF se envolve. O presidente da Corte é quem conduz o julgamento no Senado e, ao final da discussão, elabora um relatório resumido do processo para orientar a decisão dos senadores.
O STF pode também ser envolvido quando um pedido de impeachment se baseia em crimes comuns praticados pelo presidente — e não em crimes de responsabilidade. Segundo a Constituição, o julgamento de crimes comuns para processo de impedimento é feito pelo STF, com autorização da Câmara dos Deputados.
No mais, o STF pode atuar em qualquer questão de ordem processual que envolva o processo de impeachment ou em decisões sobre o rito e a legalidade dos procedimentos adotados, para garantir o devido processo legal. Durante o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef (PT), por exemplo, em vários momentos, o STF foi chamado para decidir sobre o rito e até mesmo em divergências de entendimento que ocorreram entre a Câmara e o Senado.
É somente nesse ponto que podemos cogitar alguma interferência descabida do STF em um eventual novo processo de impeachment, já que é pacífico que a Suprema Corte não pode interferir diretamente no mérito da decisão política que cabe ao Congresso.
A incerteza da atuação do STF estará restrita apenas a decisões referentes aos ritos e esse resultado, por duas razões, pode ser imprevisível. A primeira, pela falta de um histórico conhecido de decisões sobre processos de impeachment, já que foram apenas dois casos de presidentes afastados no Brasil. A segunda, por não haver previsão legal clara sobre como arbitrar esse tipo de disputa. Há um vácuo jurídico muito grande em relação ao rito processual do impeachment e as normas positivas dizem muito pouco sobre como resolver isso. E, são nessas ocasiões, quando o direito não tem voz forte, que o que fala mais alto é a política.
Não sabemos ainda se o ativismo que marcou a atuação do Judiciário durante o mandato do presidente Bolsonaro, com o STF assumindo papéis que cabiam exclusivamente ao Legislativo e ao Executivo, vai perdurar. Muitos acreditam que quando você tem um governo conservador, como era o caso da gestão anterior, o ativismo tende a ser maior. Com a eleição de um governo de esquerda, mais progressista, a expectativa é pela diminuição do ativismo, pois governo e STF estariam naturalmente mais alinhados em suas visões de mundo.
De qualquer forma, dentro de um eventual processo de impedimento de Lula, em razão dessa pretérita coincidência de pensamento da corrente política do chefe do Executivo e da nossa Suprema Corte, o Parlamento deve permanecer, mais do que nunca, atento, vigilante e combativo, com relação a quaisquer decisões do STF que possam influenciar no resultado do julgamento do presidente.