Enquanto o incêndio na Amazônia ocorria, o presidente francês Emmanuel Macron utilizava-se da Cúpula do G7 na França para menosprezar a soberania nacional do Brasil, afirmando que a intervenção internacional poderia ser necessária para garantir a existência da floresta amazônica. A posição de Macron não é um caso isolado, pois há uma infinidade de grupos de reflexão progressistas e ONGs pedindo o fim da autodeterminação dos Estados. Por que um grupo de globalistas acredita que é hora de acabar com a ordem internacional que existe desde a Paz da Vestfália em 1648?
Geralmente, as celebrações de Ano Novo nos levam, a cada ano, a avaliar o que aconteceu em nossa vida no ano passado e a estabelecer metas para o ano vindouro, e tentamos prever quais desafios poderão surgir. A celebração deste Ano Novo foi ainda mais especial por entrarmos na década de 2020. É um bom motivo para não apenas analisarmos nossa vida pessoal, mas também o que aconteceu com nossos países na década anterior e o que podemos esperar a partir da década de 2020. Inspirado pela ocasião, prevejo que a década de 2020 será marcada pela luta entre o globalismo e a soberania nacional.
A década entre 2010 e 2020 foi definida pelos efeitos de choque da crise financeira global que começou com o colapso do banco de investimento americano Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. A crise econômica que se seguiu foi descrita como a pior crise econômica que o mundo tem visto desde a Grande Recessão na década de 1930.
A crise de 2008 ocorreu no mesmo ano de dois outros eventos muito importantes que sinalizaram que uma certa época havia chegado ao fim e que algo novo estava prestes a começar.
Em 1989, as primeiras eleições parcialmente livres na Europa Oriental ocorreram, quando a nação polonesa – após uma década de protestos – foi autorizada a votar em outra alternativa além do Partido Comunista. Em um efeito dominó, os regimes comunistas nos países do Pacto de Varsóvia caíram rapidamente e, em 1991, a União Soviética também entrou em colapso. A Guerra Fria acabou.
O fim da história
Começou uma nova era, caracterizada pelo crescente mercado de ações, economias em crescimento e poucos conflitos militares (com algumas exceções, como as guerras iugoslavas), que durariam até 2008. Os ataques de 11 de setembro foram chocantes e os EUA se envolveram no Afeganistão e no Iraque, mas os anos de 1989 a 2008 ainda são caracterizados como tempos em que as pessoas no mundo ocidental olhavam para o futuro com otimismo.
Essa era otimista foi definida pelo livro “O Fim da História e o Último Homem”, lançado em 1992 pelo cientista político americano Francis Fukuyama. Sua teoria era de que a queda da União Soviética era a prova de que a democracia liberal ocidental era o melhor sistema que já havia sido criado e que agora se espalharia pelo mundo, levando à paz mundial e à prosperidade da comunidade global que viveria em harmonia.
Esta visão finalmente desabou em 2008, como resultado de três eventos.
A crise financeira quebrou a confiança no tipo de capitalismo representado pelos banqueiros irresponsáveis e egoístas de Wall Street. Tornou-se claro que o sistema se deteriorara ao longo do tempo e não servia mais à classe média ocidental. Enquanto o PIB cresce rapidamente e a elite financeira se torna extremamente rica, o crescimento dos salários reais (renda ‘menos’ inflação) para os trabalhadores americanos está estagnado desde meados da década de 1970.
Em 2008, o mundo ficou hipnotizado pelo esplendor dos Jogos Olímpicos de Verão organizados pela China. O regime de Pequim gastou enormes quantias no evento que considerou o momento de anunciar seu retorno ao cenário mundial, depois de quase dois séculos desempenhando um papel marginalizado nos assuntos mundiais.
Um terceiro evento no verão de 2008 sinalizou que a teoria de Fukuyama de um “fim da história” era irrealista. Em 8 de agosto, o Exército Russo lançou uma invasão na Geórgia, após uma escalada das hostilidades entre os georgianos e os separatistas que controlavam de fato a região da Ossétia do Norte, na Geórgia. A guerra da Geórgia provou que não haveria restabelecimento das relações entre o Ocidente e a Rússia, que, sob Putin, está determinada a recuperar o status de poder (inclusive por medidas de força militar e intimidação de seus vizinhos) que perdeu quando a União Soviética entrou em colapso.
A perspectiva de um mundo unido em breve, vivendo em harmonia, de acordo com o modelo da democracia liberal ocidental está morta e enterrada. Tornou-se claro que as elites políticas em Pequim e Moscou têm seus próprios modelos e ambições políticas que provavelmente serão executadas não vivendo em harmonia com o mundo ocidental, mas através de conflitos econômicos, campanhas de propaganda e possíveis guerras por procuração.
No entanto, isso não significa que as forças do globalismo tenham desistido de projetos destinados a diminuir o papel do Estado-nação. Significa apenas que Estados hostis à democracia liberal ocidental, como China e Rússia, estão fora de cena ou estão agora fora de cena. Outros grandes atores que salvaguardam sua soberania nacional, como a Índia, também não estão entre os principais alvos no momento.
Em 1993, o cientista político americano, Samuel P. Huntington, respondeu ao conceito de Fukuyama de um “Fim da História” escrevendo um artigo intitulado “O choque de civilizações”, no qual ele argumentava que a democracia liberal ocidental não se espalharia pelo mundo, mas que civilizações, em vez de países individuais, competiriam pela primazia uns contra os outros no futuro.
Em 2004, Huntington inventou o termo “Davos Man” para descrever a elite globalista que se reúne todos os anos no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.
Seu artigo, baseado na teoria da elite, argumenta que “as recompensas de uma economia global cada vez mais integrada trouxeram uma nova elite global”. Segundo Huntington, inclui acadêmicos, funcionários públicos internacionais e executivos de empresas globais, bem como empreendedores bem-sucedidos de alta tecnologia. Ele escreve que essas elites globais “têm pouca necessidade de lealdade nacional, veem as fronteiras nacionais como obstáculos que, felizmente, estão desaparecendo e enchergam os governos nacionais como resíduos do passado, cuja única função útil é facilitar as operações globais da elite”.
Essa visão dos assuntos mundiais enraizou-se profundamente, especialmente no campo liberal de centro-direita, bem como em grande parte do movimento socialista. Atualmente, ela se opõe em grande parte a autênticos movimentos conservadores e de direita.
2016, o ano em que a soberania nacional voltou
As feridas infligidas à classe média trabalhadora pela crise econômica de 2008 criaram ressentimento contra a elite política ocidental. Juntamente com a crescente percepção de que a imigração em massa só dificultava as condições de vida dos contribuintes nativos, novos movimentos surgiram nos anos 2010 e, em 2016, a contraofensiva antiglobalista chegou a um momento decisivo. A classe média britânica foi contra a elite e surpreendentemente votou, na Grã-Bretanha, para recuperar a plena soberania nacional, deixando a União Europeia.
Em 27 de abril de 2016, o candidato presidencial Donald Trump realizou seu discurso de política externa durante o qual afirmou: “Não vamos mais render este país, ou seu povo, ao falso canto do globalismo”. Para deixar as coisas perfeitamente claras, ele acrescentou que “o Estado-Nação permanece o verdadeiro fundamento da felicidade e da harmonia”.
Pouco mais de meio ano depois, Donald Trump venceu a eleição presidencial de 2016 ao conquistar a classe trabalhadora, que normalmente elege os democratas nos chamados “rust belt states” [estados do cinturão da ferrugem], que foram severamente afetados pela globalização à medida que as empresas multinacionais transferiam seus empregos para o exterior, para países com custos trabalhistas mais baixos e, em particular, para a China.
Apenas uma semana após sua posse, Trump viajou para o Fórum Econômico Mundial em Davos, onde disse à elite globalista: “Como presidente dos Estados Unidos, sempre colocarei a América Primeiro. Assim como os líderes de outros países devem colocar seus países em primeiro lugar”.
Uma posição semelhante foi adotada na Europa pelos governos conservadores nacionais da Hungria e da Polônia. Na Itália, a plataforma de soberania nacional é liderada pelo ex-ministro do Interior, Matteo Salvini, que, segundo todas as pesquisas de opinião, deve se tornar o primeiro-ministro após as próximas eleições.
No Brasil, o globalismo sofreu um grande revés quando Jair Bolsonaro venceu as eleições presidenciais de 2018. Ele apagou rapidamente a assinatura do governo anterior ao Pacto Global das Nações Unidas para Migração. Sua posição sobre o globalismo pode ser encontrada em seu slogan eleitoral: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Ameaças globalistas à soberania nacional na década de 2020
Apesar dos contratempos significativos sofridos pelas facções políticas globalistas no Ocidente nos últimos anos, seus representantes permanecem muito influentes e continuam a constituir uma grande ameaça à ordem da Vestfália.
Além de líderes nacionais como o presidente francês Emmanuel Macron, o primeiro ministro canadense Justin Trudeau e o primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchez, os blocos regionais, que se transformaram em organizações internacionais, precisam ser monitorados de perto.
A União Europeia é, naturalmente, o órgão político que atingiu o mais alto nível de integração política de todos esses blocos no momento. A maneira como Bruxelas trata a Grã-Bretanha, após decidir deixar a UE, revela muito bem o quão grande é a ameaça para as nações europeias individuais.
O crescimento do escopo do Direito Internacional, muitas vezes vinculado à estrutura das Nações Unidas, também terá que ser analisado pelas forças soberanas nos próximos anos. As empresas multinacionais passam por processos de lobby, pressionando cada vez mais os governos nacionais. As ONGs, e em particular as que recebem financiamento significativo do exterior, constituirão um desafio crescente para os Estados independentes. Todas essas tendências precisam ser reconhecidas pelos líderes nacionais e novas políticas para combater a influência estrangeira deverão ser desenvolvidas.
Quando os globalistas se unem. O caso do incêndio na Amazônia
Não é segredo que o novo Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, não gosta do campo globalista. Incêndios florestais ocorrem anualmente no Brasil. Quando a temporada de incêndios de 2019 se iniciou, a mídia internacional imediatamente criou uma resposta histérica, acusando o presidente Bolsonaro de ser o responsável pelos incêndios.
A mídia iniciou a campanha, mas outras forças também se uniram. As ONGs estrangeiras começaram a criar opinião contra a forma do presidente tratar o caso. Empresas multinacionais como H&M, Timberland e North Face anunciaram que parariam de comprar o couro brasileiro. Celebridades começaram a fazer campanha contra a carne brasileira, soja e outros produtos agrícolas.
Finalmente, havia os políticos globalistas, dos quais o presidente francês Macron foi o que mais se destacou. Durante uma reunião do G7 na França, Macron argumentou que era necessária uma intervenção da comunidade internacional dizendo: “Instituições de caridade e ONGs levantaram a questão há muitos anos sobre como dar à Amazônia um status internacional”. O presidente francês, que claramente apoia a intervenção, continuou dizendo que a ação internacional poderia entrar em ação “se um Estado soberano adotasse medidas óbvias e concretas que fossem claramente contrárias aos interesses do planeta”.
Contramedidas
Felizmente, o Presidente Bolsonaro lidou bem com a situação, não negociando, mas adotando a contraofensiva, atacando Macron por sua “mentalidade colonialista” e lembrando que ele não conseguia nem impedir a Notre Dame de queimar. Isso nos leva à caixa de ferramentas que o campo soberano tem à sua disposição.
Um grande Estado como o Brasil, com 210 milhões de pessoas, pode usar a negação de acesso ao seu enorme mercado como arma contra empresas que interferem na política interna. O fato de o Estado ainda ter o controle da legislação e manter seu monopólio da violência (legal) também é vital quando se lida com ONGs, que precisam receber um sinal claro de que seus representantes devem permanecer dentro da estrutura da lei ou ir para a prisão.
O campo da soberania nacional também precisa usar o poder brando, criando opinião entre os eleitores sobre as ameaças impostas à democracia pelo globalismo. Os movimentos de soberania em todo o mundo também serão auxiliados pelo aprendizado mútuo, cooperando em escala global, do Brasil aos EUA, Itália, Hungria, Polônia, Índia e Japão.
A década de 2020 apenas começou e a luta será longa e difícil, mas é o campo da soberania nacional, alimentado pela ira justificada da classe média, com o vento em suas velas agora. Vamos trabalhar juntos para continuar assim.
Adam Starski / @BasedPoland
Tradução: Thaís Garcia