Artigo escrito por Igor Guedes. Mestre em História, Bacharelando em Gastronomia e Podcaster.
Nesta sexta-feira, dia 21 de Fevereiro, comemoramos os 146 anos da imigração italiana no Brasil. A data é uma referência ao desembarque de 386 italianos que atravessaram o Atlântico a bordo do vapor “La Sofia” por meio da Expedição de Pietro Tabachi. Trata-se do primeiro caso de partida em massa de imigrantes da região norte da Itália para o Brasil e representa, de forma emblemática, o drama da árdua jornada dos italianos em solo brasileiro.
Ao final do século XIX a Itália enfrentava um difícil e intrincado processo de unificação. As guerras intensificaram a concentração de terras nas mãos de poucos e aumentaram o preço dos insumos básicos. Existia muita gente para pouca terra. Com isso, os italianos eram seduzidos pelos requintados cartazes que prometiam um futuro idílico no Brasil. Entretanto, a própria viagem era, em si, um martírio. Os imigrantes viajavam na parte inferior dos navios, próximo aos porões, locais úmidos e pouco ventilados, em quartos lotados, ocupados muitas vezes por mais de uma família, e ao desembarcarem, esse quadro não melhorava, encontravam galpões coletivos, matas fechadas, lotes mal demarcados, dívida, surtos de cólera e exploração.
Contrariando a narrativa dos atuais partidos de esquerda, as cartas enviadas aos parentes e aos representantes do governo dão uma amostra do drama sofrido pelo povo italiano nas primeiras décadas de colonização. Aqueles que foram direcionados para o Sul, muitas vezes, dispersos em matas fechadas, sem qualquer apoio do governo, sobreviviam alimentando-se do pinhão. Sapecavam-no nas grimpas da própria araucária, técnica assimilada dos índios brasileiros. Já os italianos que se dirigiram para o sudeste foram submetidos a contratos com condições análogas à escravidão, definhando em precárias hospedarias e, não raro, mortificadas e enterradas em covas coletivas.
Entretanto, o espírito empreendedor e batalhador do italiano não permitiu que ele se deixasse de lograr sucesso em terras tropicais. Mesmo em meio à floresta, ele já enxergava na árvore de peroba-rosa o cerne de sua futura casa, na força do riacho, vislumbrava a força que moveria a roda d’água e produziria o fubá para a polenta. Aqueles que dirigiram-se para o sudeste espalharam-se pelas grandes cidades construindo laços de solidariedade e comércio que alavancaram a economia local. E assim, sem qualquer auxílio governamental, erigiram cidades inteiras no Sul e Sudeste brasileiro.
Para enfatizar a importância dos italianos para o Brasil, basta destacar que nas duas últimas décadas do século XIX, pelo menos 1 milhão de imigrantes desse país desembarcaram em terras brasileiras. Em relação ao censo de 1872, isso representava 11% da população total do país. Esse fluxo só não foi maior devido ao Decreto Prinetti, de 26 de março de 1902, que proibia a emigração subsidiada para o Brasil devido as péssimas condições dos imigrantes já aqui instalados.
A comunidade italiana, que nada recebeu do governo brasileiro além de terras em locais ermos e isolados, conquistaram seu espaço com trabalho e empreendedorismo. Mesmo em condições tão adversas, os italianos protagonizaram como o maior influxo imigracional para o Brasil. Nosso país tem a maior população ítalo-descendente fora da Itália, superando, inclusive, a Argentina e os EUA. Estima-se que pelo menos 30 milhões de brasileiros tenham ascendência do país da bota.
A importância da colônia italiana no Brasil não se reflete apenas nos números. Muitos dos nossos hábitos, religiosidade e, principalmente, na gastronomia, são provenientes da nossa ascendência italiana. Esses costumes incorporaram-se com tanta naturalidade ao “habitus” brasileiro que mal sabemos diferenciá-lo de sua matriz original. Mas cada vez que falamos “tchau” (ciao), que torcemos pelos times do Cruzeiro e Palmeiras, toda vez que nos reunimos à mesa, com a fartura de um “ravioli”, “Lasagne al forno”, “capeleti”, “conchiglioni”, ” Tortellini”, “Cannelloni”, que provamos una “buona pizza calabrese”, regados com um bom azeite e um saboroso suco de uva integral estamos reproduzindo hábitos introduzidos pelos italianos. Tudo, claro, sob o olhar atento de Cristo e dos apóstolos, sempre representados em um quadro da Santa Ceia emoldurado na sala.
Além disso, é importante registrar que boa parte de nosso parque industrial nacional foi criado por esses imigrantes que aqui desembarcaram com o sonho de “fazer a América”. Contrariando o estereótipo de “branco opressor”, os italianos empreenderam e criaram com o suor do próprio rosto indústrias como Caloi, Tramontina, Perdigão, Bauducco, Lorenzetti, Lupo, Marcopolo, o imenso grupo de 350 empresas Matarazzo, e tantas outras pequenas e médias indústrias que alavancaram esse país.
Pela importância que a comunidade italiana representa para a construção do Brasil, homenageamos os antepassados de todos aqueles que enriqueceram nossa história, sempre gesticulando e cantando para superar as adversidades da vida: Tutti Buona Gente!
Parabéns ao imigrante italiano pelo seu dia: 21 de Fevereiro.
Ouça a canção ‘Italiani tutti buona gente’, de Valdir Anzolin.