Nas eleições de 2020, foram eleitas 9.196 vereadoras e 48.265 vereadores. No Executivo municipal, segundo dados do TSE, foram eleitas 663 prefeitas. Houve um aumento em relação a 2016: 16% do total de eleitos no caso das vereadoras e 4,4% em relação às prefeitas. O crescimento também ocorreu no número de candidaturas femininas. Em 2020, tivemos um recorde de candidatas disputando prefeituras e câmaras municipais.
Diante do discreto avanço, é fato que a representatividade feminina destoa do tamanho do eleitorado. Basta observarmos que, das 663 prefeitas, apenas nove administram cidades de grande porte e somente uma foi eleita para capital. Nas Câmaras Municipais, em mais de 1.800 cidades, apenas uma foi eleita vereadora e, em 933 delas, não existe nenhuma mulher.
É inconteste a necessidade de avanços para promover uma representação equitativa e inclusiva de mulheres na política, sendo que, nas eleições deste ano, teremos mais um fator complicador: a polarização como ingrediente definidor na disputa eleitoral. A história mostra que a polarização política é um fenômeno recorrente e, atualmente, é uma tendência mundial, segundo o professor Thomas E. Patterson, da Kennedy School of Government, Universidade de Harvard, autor do livro We the people. A realidade das eleições primárias americanas é um exemplo claro desse panorama.
No Brasil, a polarização entre os campos políticos que representam a esquerda e a direita pode ter um papel significativo, impactando nas eleições municipais de 2024, que, para muitos, podem ser consideradas um “terceiro turno” das presidenciais de 2022. A tendência é de que os debates políticos girem em torno de temas comumente explorados pelos dois lados, como descriminalização do aborto e demais conteúdos atinentes à chamada pauta de costumes.
A eclosão dessa polarização política excessiva entre dois polos políticos pode afetar a democracia e a participação política, levando a altos índices de abstenção eleitoral e inibindo a atuação de mulheres no pleito. Quando o espaço político se torna polarizado, o resultado pode ser a ocorrência de maior violência política, propagação de discursos de ódio e de fake news. Vale trazer à memória que, nas eleições de 2022, houve um recorde de violência política contra a mulher — um dos principais fatores que as afastam da política.
A violência política contra a mulher é uma realidade que desafia a Justiça Eleitoral, pois muitas dessas candidatas sequer compreendem ainda o que é o fenômeno e como obter uma rápida resposta estatal capaz de minimizar os efeitos dessa violência na sua campanha. A Lei 14.192/21, que criminaliza a violência política, pela primeira vez será aplicada em eleições municipais, que trazem especificidades regionais e demandas locais.
Em meio a esse cenário de polarização, a expectativa é de que as candidaturas femininas enfrentem um ambiente mais tóxico e desafiador, o que, consequentemente, poderá culminar em maior incidência da violência política. Quando a sociedade permanece concentrada em dois lados políticos, os adversários são inimigos, o diálogo é comprometido, a intolerância e a guerra de narrativas predominam. Nesse contexto, o grande desafio dos partidos em 2024 é criar estratégias para aumentar a participação de mulheres nas eleições diante de um ambiente mais adverso.
Algumas ações podem ser adotadas com maior empenho — entre as quais, assegurar recursos financeiros; implementar medidas educativas para combater a desigualdade; a fiscalização veemente por parte da Justiça Eleitoral para garantir a aplicação da Lei 14.192/21; estimular o debate sobre a baixa representatividade feminina nos espaços de poder; e a promoção da conscientização dos eleitores para escolherem seus representantes. Essas estratégias visam não apenas aumentar a presença feminina na política, mas também garantir que as mulheres tenham condições e oportunidades equitativas para participar ativamente do cenário político.
Decerto, a polarização política pode ter implicações negativas na participação das mulheres na política, seja porque corre-se o risco da banalização do sufrágio a uma simples identificação de quem é contra ou a favor de um ou outro ator político, conservador ou progressista; seja porque ambientes hostis e intolerantes poderão culminar no retrocesso em relação ao número de candidaturas femininas face ao desencorajamento, e na abrupta expansão do crime de violência política contra a mulher exclusivamente em razão da sua condição feminina, exigindo do aparato da Justiça Eleitoral uma resposta célere a essas candidatas, antes do término dos 45 dias de duração de uma campanha eleitoral, sob pena de esvaziamento da norma.
***Cristiane Britto, advogada eleitoral e ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos