Imagem: AP Photo / Leo Correa
Escrito por Major Vitor Hugo
Major das Forças Especiais do Exército Brasileiro (reserva não remunerada) e advogado.
Hoje, com muita alegria, faço meu primeiro artigo no Conexão Política. O convite para escrever nessa coluna foi recebido por mim com muito orgulho e entusiasmo. Isso, porque, de um lado, estamos inseridos num contexto caótico no que tange à segurança pública no País e, de outro, porque a defesa nacional, a despeito de sua imensa importância no seio das áreas de atuação estatal, parece passar ao largo das grandes discussões brasileiras. Daí porque tratar desses assuntos, segurança e defesa, nesse espaço nobre de audiência nacional, representa enorme desafio para mim, aceito com muita humildade e deferência aos que, nesse campo, já labutam há mais tempo.
Nesse primeiro texto, assim, quero abordar um pouco a questão da assimetria jurídica que se escancara aos nossos olhos quando analisamos o emprego das Forças Armadas na segurança pública hodiernamente. Concordando ou não com essa utilização, o fato é que há alguns anos ela é uma realidade brasileira, com a qual fomos obrigados a nos acostumar, ainda que identificando uma série de óbices para o seu prosseguimento indiscriminado.
A assimetria a que me refiro é um dado do problema. No popular, diríamos “faz parte”. Explico. O lado certo da história, o Estado em sua atuação policial, deve respeitar os limites da Lei; os bandidos, por definição e por óbvio, não. Isso, aliás, é o que nos torna certos, os “mocinhos”. Não se trata de ingenuidade ou de hipocrisia. Os agentes do Estado, quando atuando contra a criminalidade, possuem limites legais que precisam ser respeitados, mas esse fator nos impõe uma série de restrições que acabam por impactar a liberdade de ação dos responsáveis e, por consequência, dificultam a própria obtenção de resultados mais concretos nas operações.
Como resolver o impasse? Mudar determinadas normas jurídicas, talvez, seja uma opção. O que alteraríamos ou criaríamos então? Algo urgente a ser implementado seriam regras de engajamento mais flexíveis. Essas regras são as normas que regulam o emprego dos militares “na ponta da linha”, detalhando o que pode ou não ser feito. O General Heleno, ex-comandante da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, e outros especialistas têm defendido publicamente, entre outras medidas, que a lei deveria permitir ação letal do Estado sobre criminosos que portem armas longas ostensivamente em áreas conflagradas, como o Rio de Janeiro, hoje sob intervenção federal.
A lei poderia, também, regular melhor as excludentes de ilicitude para a ação dos militares e dos policiais. Não se trata de permitir que o agente público faça tudo, sem qualquer possibilidade de responsabilização. O ideal é que se parta do princípio de que ele agiu dentro dos limites da Lei, até que se prove o contrário. E se isso acontecer, devemos puni-lo com ainda maior severidade, em face da confiança que o Estado nele depositou, traída por uma ação espúria, leviana e criminosa. A presunção de licitude da ação geraria, pois, maior gravidade na punição, em caso de abuso, mas também maior confiança para que o agente correto, a imensa maioria dos militares e policiais, aja com assertividade, firmeza e precisão.
Com um Congresso imobilizado pela agenda do Executivo ou preocupado com tudo menos com o que interessa realmente ao povo brasileiro, essa opção, a de modificações legislativas efetivas, num curto prazo pelo menos, se mostra pouco provável.
Outra linha de ação seria modificar a interpretação das normas atuais, já postas. Os operadores do Direito, em todos e quaisquer cargos e funções, deveriam levar em consideração, para a assunção de posicionamentos diante de ações dos militares e de policiais, o quadro caótico e nefasto da segurança pública em que estamos inseridos.
A aplicação da Lei diante da realidade brasileira atual deve, assim, ser sopesada, adaptada mesmo ao cenário vivenciado por todos nós. Centenas de milhares de presos, condenados ou provisórios, aprendendo novas técnicas de guerrilha (isso mesmo, técnicas utilizadas por guerrilheiros mundo afora na História são empregadas por essas organizações criminosas no Brasil) e tornando-se cada vez mais violentos e sanguinários; mais de cem mil estupros anuais, notificados ou não (se considerarmos os quase 50 mil reportados e uma taxa de subnotificação girando em torno de 35%); 7 pessoas sendo mortas violentamente por hora em nosso País etc.
É só pensar que, no caso de guerra declarada, a própria Constituição relativiza o direito à vida e permite a pena de morte. O quadro acima descrito nos permite afirmar que estamos em guerra, ainda que não em caráter formal. Não defendo aqui a aplicação da pena de morte na realidade jurídica brasileira atual; advogo, porém, que a Lei seja aplicada considerando que, mesmo não declarada, essa guerra que enfrentamos nos impõe uma visão mais firme e corajosa das interpretações legais, de forma a permitir que nossos militares e policiais consigam poupar vidas dos inocentes, inclusive as suas próprias e de suas famílias, e conduzir os culpados para o caminho da responsabilização.
Modificar as leis ou interpretá-las de nova forma, assim, são caminhos viáveis. Resta-nos ter desprendimento e desassombro para cobrar de quem tem a caneta competente a vontade e o destemor para fazê-lo.