No último 19 de agosto, celebramos o Dia do Historiador e eu, como tal, gostaria de falar sobre a relevância do estudo histórico para a formação do caráter dos homens. O estudo da história é uma das atividades intelectuais mais antigas do ser humano. Lembrar-se do seu próprio passado ou até mesmo acessar a memória dos antigos é a maneira mais primitiva de se fazer história. A história é a ciência que investiga o passado humano através das fontes. Marc Bloch, importante historiador francês, falando sobre o ofício do historiador, disse que “são os homens que [a história] quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça” (BLOCH, 2001). Ou seja, o fazer histórico é farejar humanidade através do tempo, é se interessar por tudo o que seja humano, valendo-se da máxima de Terêncio, comediógrafo do século II a.C.: “Nihil humani a me alienum puto” (Nada do que é humano me é estranho). O historiador é aquele que busca saber como os seres humanos agiram e por quê.
Por um senso comum, que dura mais de 22 séculos, tendemos achar que a história é uma espécie de mestra da vida – como dizia Cícero: Historia Magistra Vitae –, pois acreditamos que de alguma forma a história se repita. Essa visão está presente inclusive em boa parte da nossa literatura. O dramaturgo e poeta inglês William Shakespeare, na peça Henrique IV (Parte II, Ato III, Cena 1), retratou isso de maneira poética:
“Na vida dos mortais há sempre um fato
que é símbolo dos tempos decorridos.
Observando-o, podemos ser profetas,
quase sem erro, do volver das coisas
não nascidas que, ainda entesouradas,
acham-se nos fracos germes e começos.
Tais coisas o ovo e o fruto são do tempo”.
Essa visão, contudo, não corresponde com a visão cristã que devemos ter da história. Quem primeiro nos ajudou a desconstruirmos esta visão foi Santo Agostinho em seu livro “Cidade de Deus”, o qual fora escrito no contexto do saque de Alarico, rei dos Visigodos, à Roma em 410 d.C. Em sua obra, o bispo de Hipona mostra que, apesar do desespero que abatia o império, a história da humanidade não estava presa ao Império Romano, antes, nossa história teve princípio em Gênesis e terá fim na volta de Cristo, com o estabelecimento da Nova Jerusalém. Fazendo essa análise, Santo Agostinho demonstra filosoficamente como a história não é uma engrenagem que é movida pelo acaso dentro de um ciclo vicioso, mas uma linha do tempo governada soberanamente por Deus que teve início na Criação do mundo e se encerará no Apocalipse. Partindo desta análise, a história não pode mais ser uma simples mestra da vida, a qual, sendo contemplada, nos dará resposta precisas de quais serão as consequências de nossos atos. Sob a ótica agostiniana, a história, perde deu caráter profético.
Em uma cosmovisão bíblica, a história nos serve para lembrar o que Deus já fez por nós e sermos gratos por isso. Quando Deus insistentemente orientava à Israel a estudar sua história, não era por acreditar que um povo historicamente consciente não voltaria a pecar contra Ele, mas por saber que um povo que lembra do que o seu Deus já fez será um povo grato que procurará servir a Deus mais e melhor. Olhar para o passado era o ato de lembrar quem era Deus, todavia também de guardar firme a esperança prometida à Eva no Jardim, a Abraão nos carvalhais de Manre e a Moisés no Deserto. Estudar história é, assim sendo, lembrar-se que os sofrimentos atuais e passados não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada (c.f. Romanos 8:18).
A história, apesar de não ser uma das Sete Artes Liberais, deve ser utilizada em uma educação cristã clássica como embasamento para o ensinamento do Trivium (Gramática, Lógica e Retórica) e do Quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia). O estudo do passado nos serve à vida em 4 frentes distintas, nos levando à uma educação que eleve nossos níveis de consciência existencial. Em primeiro lugar, a história deve nos prover exemplos morais, não para nos dar a certeza de que as experiências de vida do modelo virtuoso se repetirão, mas para aprendermos como homens pecadores, tal qual nós, puderam negar sua natureza para viver uma vida piedosa, virtuosa e sábia.
Em um segundo momento, a história nos lembra o quanto o ser humano pode ser depravado e carente da graça de Deus. Olhar para episódios como Holocausto nazista, Genocídio Armênio e Holodomor (genocídio do povo ucraniano promovido por Stálin, que matou mais que o dobro do Holocausto promovido por Hitler), deve nos lembrar o quanto podemos ser capaz de fazer o mal ao nosso próximo ao passo que necessita nos fazer buscar a Deus e a amar o próximo. Os exemplos negativos da história têm que nos fazer orar como o salmista: “Senhor, meu Deus, derrama luz nas minhas trevas” (Salmo 18:28)!
Um terceiro uso das narrativas históricas parte de uma noção de Santo Tomás de Aquino de que a sabedoria é uma virtude dos arquitetos. Com essa afirmação, o Doutor Angélico quis dizer que aquele que planeja e projeta a sua vida tal qual faz um arquiteto faz como suas obras é sábio. A observação histórica nos dá uma melhor perspectiva da nossa vida e dos que nos antecederam para agirmos com sabedoria. Por último, a história nos apresenta o pano de fundo e o contexto em que os saberes científicos foram construídos. Entender que toda produção científica é filha de seu tempo, nos fará compreender os propósitos dos cientistas dos tempos passados.
O estudo da história se mostra imprescindível para a formação virtuosa do ser humano. Somente observando o passado aprenderemos a ser gratos a Deus pelo o que ele já fez através da vida de homens e mulheres piedosos. A história nos ensina ser gratos e a gratidão é, nas palavras do Pastor Judiclay Santos, a higienização da alma.
Por outro lado, a ciência histórica também nos lembra da Graça futura que nos espera no Novo Céu e na Nova Terra. Desta forma, o provérbio russo nos ajudar a entender o que o estudo da história significa para nós: “quem só olha para o passado perde um olho, mas quem esquece o passado perde os dois”.