Imagem: Divulgação CP
Essa greve dos caminhoneiros, que se encerrou há alguns dias, nos mostrou um aspecto interessante do pensamento nacional, dividido de forma clara entre uma elite que quer manter o status quo e o povo cansado de ser submisso a um esquema corrupto que destrói sua fonte de renda.
A greve não foi apoiada por um “conservadorismo revolucionário”. Quem tacha a manifestação espontânea dessa classe de trabalhadores como algo vindo de uma associação bolsonarista obscura e interessada no caos, faz a análise errada sem sombra de dúvidas. O que ocorreu foi uma reação em cadeia, espontânea, gerada pelos abusos consecutivos de um governo corrupto, desesperado para manter regalias e benesses estatais em um ambiente de profunda crise. Reação esta iniciada por um grupo de trabalhadores que veem seu trabalho ser jogado em um ralo cada vez maior e que, muito provavelmente, nem sabem do que se trata o conservadorismo ou a revolução francesa, apenas tiveram um sentimento de reação e encontraram uma maneira de expressar isso fisicamente e entrar no foco nacional.
Mas é claro que vários interesses políticos iriam surgir para se apropriar do momento. Temos o lado do governo (dizendo que uma “direita suja” foi a responsável pela greve, pela revolução e, nas entrelinhas, tentando dizer que foram políticos extremistas, citando indiretamente o Bolsonaro, os responsáveis pela revolta popular, para se beneficiar politicamente), tentando trazer para o centro o resultado das eleições (lugar onde roubar a Petrobrás é permitido, desde que não a faça entrar em colapso). E temos os da extrema esquerda, que nos dois últimos dias de greve começaram a saquear, agredir e a bloquear, dando a entender que a reinvidicação era a instalação do caos absoluto.
Como mostrou uma pesquisa de popularidade, quase 90% das pessoas apoiou a greve dos caminhoneiros. E por quê? Pois sentem-se na mesma condição de quem parou, a de estar sendo roubado e abusado pelo governo. E quem acha que 90% da população brasileira é um “conservador revolucionário” está mal das ideias. O que moveu o apoio foi a empatia pela situação do próximo, foi a sensação que todos os trabalhadores têm ao abastecer o seu carro em qualquer posto. Foi um dedo apontado diretamente ao governo e não aos caminhoneiros. Deturpar este apoio para fins políticos é de um completo mau caratismo. A culpa da situação ter chegado aonde chegou é exclusiva do governo e de suas políticas de compadrio. Para não ter que abrir o mercado, assim extinguindo a mamata política da Petrobrás, resolveram salvá-la aumentando absurdamente o preço. Ou seja, para salvar a Petrobras e todos os cargos que nela existem, jogaram o custo da corrupção e do compadrio à sociedade brasileira, travestido de “nova política de preços”. O erro não é de quem se revoltou, é de quem insiste nesse modo ultrapassado (e que cheira a mofo) de conduzir a política nacional de combustíveis.
E surgem pessoas dispostas a defender esse sistema em nome de uma “política austera” que, na prática, não existe. O que é chamado de “política austera” é, na verdade, uma forma de estabilizar a maior fonte de renda de partidos, sua atuação, seus programas e suas campanhas. Não existe política austera que tire da Petrobras o papel financiador de bandidos que ela tem. A única coisa que colocará o setor dos combustíveis nos eixos e acabará com a politicagem em torno disso é a abertura de mercado, é tirar das mãos do governo a capacidade de controlar preços e indicar ocupantes dos cargos do setor. A Petrobras tem sido, desde que foi fundada, fonte de verbas milionárias para políticos e suas campanhas. Petróleo estatal só gera caos e entraves econômicos que dão prejuízos infinitamente maiores do que uma paralisação popular de nove dias. Não existe “política austera” real quando estamos falando de um monopólio estatal. É apenas uma maquiagem temporária, para que o ciclo de roubalheira possa sair do mínimo possível e voltar à máxima operação.
Por isso estranhei muito quando algumas pessoas, que se intitulam “liberais”, passaram a apoiar as políticas de Temer na Petrobras, culpando a sociedade toda pelo caos gerado, deixando o governo “bondoso e coitadinho” em uma redoma impenetrável. Vendo a paralisação, preferiram automaticamente blindar corruptos de Brasília (e dizer que, pasmem, eles estavam sendo coagidos) e culpar quem se revolta e quem apoiou essa revolta legítima com os desmandos de um governo podre e com baixíssima aprovação. Como em um milagre, passaram a se preocupar com coisas rotineiras como encarecimento de produtos e falta de remédios em hospitais públicos.
Fui chamado diversas vezes de “direita jacobina” por ter apoiado a manifestação dos caminhoneiros (como se um movimento revolucionário tivesse bases a favor da redução estatal). Ao dizerem isso, pregam que o monopólio das ações deve ser exclusivamente esquerdista, que qualquer ação “de direita” que saia do facebook é algo reprovável e temeroso, como quem diz “como assim você ousa apoiar algo no mundo real? Volte já para a bolha ‘das ideias’ no Twitter e Facebook e deixe nosso governo roubar a Petrobras em paz”.
Quem viu na paralisação um protótipo de “revolução”, de ação de “jacobinos”, erra mais uma vez. Uma revolução tem quatro componentes obrigatórios para que ocorra e para que acabe com um sistema: uma ideia, uma massa considerável de pessoas, apoio popular e, o mais importante, intenso armamento. Portanto, percebemos que, para que houvesse uma revolução real e a consequente queda do governo, era de fundamental e total necessidade o apoio das Forças Armadas em um possível esquema “revolucionário” (já que a população é proibida de ter armas). As Forças Armadas teriam que ser, ao mesmo tempo, o amparo do governo e a liderança armada de uma “revolução”. E, além disso, jogariam o país no mais absoluto caos internacional caso assumissem esse ato. Sou de família militar e conheço bem os parâmetros pelos quais as Forças Armadas se guiam. Eles não seriam os agentes dessa “revolução” pregada por muitos, pois nestes termos isso seria terrível e dissolveria o país internacionalmente. Quando a manifestação começou a ser manipulada por grupelhos, o próprio movimento começou a se dissipar, destruindo de vez a tese de uma “movimentação revolucionária”. Os “estudiosos” de plantão deveriam saber que, sem força de fogo, nenhum movimento consegue ser revolucionário. Vale ressaltar também que uma revolução tem a característica de querer ampliar o poder estatal, tem apoio partidário, internacional, financeiro de alguma força que deseja tomar o poder. A paralisação dos caminhoneiros não teve nada disso. Demagógico e eleitoreiro dizer que a greve de 2015 foi maravilhosa e a de 2018 foi uma tentativa de revolução.
Um consenso é que o subsídio foi o pior meio que o governo poderia ter encontrado para sanar a crise. Isso joga mais e mais dívidas sobre as pessoas, que já estavam pagando um completo absurdo nos combustíveis em nome da “política austera” (aquela usada como desculpa para socar a trolha no povo brasileiro para evitar a abertura do mercado de exploração de petróleo e continuar financiando a estatal). O poder de conceder subsídio é exclusivo do governo e a este deve ser imputada a culpa por tal decisão. Não há nenhum outro agente que deva ser culpado senão a gangue de Brasília.
Como observei acima, outro fato importante foi que as mesmas pessoas que apoiaram a greve dos caminhoneiros no governo Dilma, a censuram veementemente agora. Por que isso? O que mudou? O governo continua com o monopólio do petróleo, continua corrupto, sem legitimidade, fraudando diversos processos, criando licitações sujas, distribuindo cargos, mandando a conta para o povo e tentando a todo custo se livrar da justiça. Chego a conclusão que a intenção é puramente politiqueira, ou seja, as pessoas que querem defender o modelo de gestão de Temer, do PSDB, do (P)MDB mas não tem coragem de assumir isso publicamente. No fundo, não querem que o mercado seja aberto e a Petrobras entregue à iniciativa privada. Querem que ela mantenha uma “política austera” para que partidos possam continuar usando essa máquina para se manter no poder, sugando o que for necessário e depois jogando a conta para o povo na forma de aumento do preço dos combustíveis.
Para termos um exemplo de como a Petrobras está descolada do razoável, basta analisar o preço dos combustíveis em países que possuem ampla concorrência no setor petroleiro. Nos Estados Unidos, em estados como o Texas (um dos maiores produtores e com a maior concorrência), o preço do litro de gasolina chega, nos postos, a US$ 0,43, ou seja, aproximadamente R$ 1,49. É impossível que tenhamos uma gasolina que chega a R$ 5,00, sendo que produzimos 80% do nosso petróleo. A causa desse absurdo é que aqui temos embutido no preço da gasolina e do diesel, o custo da manutenção de uma máquina politiqueira (que cobra cargos e altíssimos impostos), usada para engenhosidades partidárias. Quem não entende que essa “política austera” é uma completa fraude e culpa quem se revolta com ela, está em descompasso com o problema real.
A greve foi importante para mandar um recado, o de que a sociedade não aceita mais essa extorsão em nome de políticas para a manutenção de um pensamento estatólatra que domina Brasília. Ela parou no momento em que tinha que ser parada, para que o foco do caos não saísse do governo e viesse para cima da população, que também está cansada de todos esses desmandos e quer que esse sistema de tesouras caia de uma vez por todas. Se há um culpado por subsídios, por preços abusivos de combustíveis, por uso político da extração de petróleo, esse culpado é simples e puramente o governo, hoje representado na figura do sr. Michel Temer. Eximi-lo da culpa é algo extremamente asqueroso, é dar ar de “mocinho bondoso” a um dos maiores mafiosos de nossa política há décadas. É inverter os valores, tentando culpar a vítima por um ato que não é seu. Como em um estupro, a pessoa dizer “ah, mas quem mandou sair tarde de casa?”, é isso que fazem em relação às políticas do governo para baratear os combustíveis: “Ah, o governo subsidiou o diesel? Mas também, quem mandou protestar???”. Não tem como defender o sistema atual dessa forma completamente desavergonhada.
Texto de Smith Hays