O Brasil, que é reconhecido como uma das principais potências agrícolas globais, sustenta sua economia predominantemente por meio do setor agropecuário. O agro desempenha um papel crucial no fornecimento de alimentos em escala internacional, devido à extensão de suas áreas de cultivo, diversificação na produção e dedicação à inovação.
Nas últimas décadas, o país tem sido palco de debates acalorados, com ênfase em questões relacionadas aos direitos territoriais das comunidades rurais e indígenas, frequentemente ligadas ao ‘marco temporal’. Ciente de que a agricultura é a peça central do pilar econômico do Brasil, essas discussões vêm ganhando cada vez mais espaço. Em Brasília, o tema voltou a ser analisado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que pode dar um norte definitivo em torno do assunto.
Para tratar dessa questão de maneira apropriada, o Conexão Política tem conduzido entrevistas com líderes do agronegócio e representantes rurais, os quais têm expressado uma preocupação central do setor agropecuário: a necessidade de estabelecer critérios precisos para a demarcação de terras rurais. Argumenta-se que a falta de clareza nesses processos pode ter implicações adversas na segurança jurídica das transações de terras e, além disso, ser um fator inibidor para investimentos futuros.
O setor agropecuário, em busca constante de aumento da produtividade, necessita, invariavelmente, de acesso a terras para fins de cultivo e criação de gado. No entanto, muitas vezes, as áreas reivindicadas por comunidades indígenas são consideradas estratégicas para esse propósito, resultando em conflitos de interesses. Sendo um dos maiores exportadores de produtos agrícolas no mundo, o Brasil é dependente da competitividade internacional e, obviamente, as restrições à expansão agrícola decorrentes das demarcações territoriais podem comprometer a sua posição no mercado global.
Além disso, há também outro fator que não pode deixar de ser mencionado, considerado e destacado: a infraestrutura de transporte no território brasileiro. Todas essas reivindicações que miram o agro podem também travar por completo o desenvolvimento de estradas e ferrovias no país, que desempenham um papel vital no escoamento da produção agrícola. Diversas áreas reivindicadas por indígenas estão estrategicamente localizadas em áreas de desenvolvimento do país e, não à toa, suscitam preocupações de ordem logística.
Em meio a tudo isso, líderes do setor agropecuário têm se movimentado para estabelecer um diálogo construtivo com as comunidades indígenas e, em paralelo, realizado uma série de consultas para encontrar soluções mutuamente vantajosas. É de interesse do agro que o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental andem lado a lado, como já tem sido até os dias atuais, mas que tudo isso ganha ainda mais protagonismo no país, ciente de que é, sim, possível coexistir harmonicamente.
O agro, apesar de ser alvo de constantes narrativas que buscam minar o setor e colocá-lo como um grande vilão, tem atuado em larga escala para sanar bloqueios que surgem, combinando conquistas econômicas com compromissos de preservação ambiental.
Atualmente, como o ‘marco temporal’ em vigor, as terras destinadas à agricultura no Brasil correspondem a 7,8% do território, enquanto as áreas indígenas abrangem cerca de 118 milhões de hectares, o que gera uma disparidade significativa. No entanto, a revogação desse marco poderia ampliar substancialmente as terras indígenas para quase 30% do território brasileiro, um desenvolvimento que prejudicaria consideravelmente tanto o setor agropecuário quanto a sociedade em geral.
Agro disparado, mas ameaçado
Dados oficiais do governo mostram que o saldo da balança comercial atingiu um recorde de US$ 42.166,5 bilhões entre janeiro e junho de 2023. Esse montante coincide com a projeção de perdas anuais nas exportações do setor agropecuário —que gira em torno de uma estimativa aproximada— caso o marco temporal seja revogado.
Não tem como ignorar esse fato. O Brasil será afetado se o marco for anulado. O que o país pode perder é equivalente a um semestre completo de exportações, tendo impactos que ultrapassam os limites do setor agropecuário. Isso, indiscutivelmente, afetará a nação como um todo.
Voltando aos números
No primeiro trimestre deste ano, a economia brasileira registrou um crescimento de 1,9%, impulsionado, em grande parte, pelo setor agropecuário, que apresentou um crescimento de 21,6%. Como mostram os dados fornecidos pelo IBGE, o agro tem sido consistentemente o principal propulsor do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Em outras palavras, o Brasil depende do agro, visto que o agro é quem carrega o país nas costas.
No Congresso
Dentro do Congresso Nacional, o projeto que fixa o marco temporal foi aprovado na Câmara dos Deputados e tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.
O deputado federal Rodolfo Nogueira (PL-MS) vê eventual cenário como sombrio e degradante. O parlamentar, que representa a região do Centro-Oeste, menciona, entre outros pontos, a perda de milhões de empregos no país.
“A agricultura brasileira, que produz e alimenta 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, ocupa 7% do território nacional. As novas demarcações teriam como consequência a interrupção da produção de 400 milhões de produtos agrícolas, impactando assim a economia do país e afetando o PIB da população brasileira”, sustenta.
O parlamentar considera que há uma ligação direita e crucial entre o marco temporal na proteção da agricultura brasileira e na manutenção da estabilidade econômica do país.
“O Marco Temporal assume uma importância crucial na garantia da segurança alimentar global, na estabilidade econômica e no cumprimento da Constituição”, defende Nogueira,
Fora do Congresso
Em declarações recentes sobre o tema, o ex-ministro da Defesa, Aldo Rebelo, disse que o Brasil tem uma grande dificuldade de distanciar suas paixões ideológicas. Para ele, outra interpretação fora do que já impera desde 1988 causará conflitos sociais graves e instabilidade judicial no campo.
“Em 24 anos no Congresso, nunca tinha testemunhado outra interpretação sobre o Marco Temporal que não a oferecida em 1988. Outra interpretação causará conflitos sociais graves e insegurança jurídica no campo, principalmente para pequenos agricultores que ocupam áreas que podem vir a ser reivindicadas por indígenas com base em ocupações pretéritas”, externou à SNA, Sociedade Nacional de Agricultura.
Em concordância com os fatos
O engenheiro agrônomo e empresário Paulo Wires, responsável pela empresa Agrocienes, é um dos representantes do setor que reconhece que os indígenas têm direito à preservação de suas culturas. Entretanto, ele sublinha a necessidade imperativa de encontrar um equilíbrio que leve em conta o progresso na sociedade moderna e a promoção da sustentabilidade.
“Não se trata de uma ameaça ao setor agropecuário. Na realidade, essa ameaça está diretamente ligada à segurança alimentar do país. Colocar a demarcação de terras em questão implica em arriscar o abastecimento alimentar, especialmente considerando o fato de que as populações indígenas não são tradicionalmente envolvidas na produção [agropecuária]”, explica.
Wires enfatiza que é fundamental estabelecer diretrizes claras no Brasil, de modo a conciliar essas necessidades e evitar extremos, sobretudo por parte de setores políticos que sistematicamente adotam uma postura hostil em relação ao agronegócio. A incerteza jurídica, diz ele, que resulta desses debates, impacta negativamente as decisões de investimento, prejudicando projetos de infraestrutura e de expansão habitacional.
Por isso, o agronômico considera que a queda do ‘marco temporal’ coloca em risco a agricultura brasileira, podendo desencadear, entre outras coisas, desemprego, colapso social e perda de receita. Logo, destaca Paulo Wires, a busca por soluções equilibradas a esta questão reveste-se da importância crucial para o futuro do país, que está ligado à manutenção do agro.