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A Constituição de 1988 nasceu com a fisionomia típica de um mundo velho: promulgada no ano que antecedeu à queda do Muro de Berlim, ela expressa a cultura de um modelo de Estado grande, em que muitos no Ocidente chegaram a acreditar durante a Guerra Fria. Esse modelo, é verdade, já dava sinais práticos de esgotamento desde os anos 1970; e, ao tempo em que nascia nossa Carta, tão intervencionista e estatizante, o mundo desenvolvido já buscava diminuir o Estado e afastá-lo da economia, sob a batuta de Reagan e Thatcher.
Nossa Constituição ostenta a ingenuidade dos que crêem que o Estado pode tudo prover ao cidadão, do berço ao túmulo, ignorando uma das mais básicas leis da economia: a da escassez, segundo a qual os recursos são sempre escassos e as necessidades humanas ilimitadas. Nosso constituinte previu, por exemplo, a saúde universal como direito de todos, o que há tempos o Judiciário interpreta como significando: “todos podem pedir ao Estado que custeie todo e qualquer tratamento de que precisarem”. Todos sonham, é verdade, com a satisfação integral de suas necessidades: o problema é que a realidade nua e crua não disponibiliza a Estado algum – e muito menos ao Estado brasileiro – recursos ilimitados para atender a necessidades ilimitadas.
A propriedade privada, por sua vez, foi condicionada ao atendimento de sua “função social”, sem que o constituinte se desse conta de que essa limitação, talvez semanticamente bela, abriria caminho para que “a sociedade” – leia-se, o Estado dizendo agir em nome dela – invadisse cada vez mais a esfera individual dos proprietários, esvaziando cada vez mais o conteúdo de um direito fundamental. Um outro dispositivo, hoje revogado, pretendia limitar até mesmo taxas de juros pactuadas em contrato, taxas essas que os países capitalistas normais deixam flutuar de acordo com as condições do mercado.
Ao fim e ao cabo, nossa Constituição expressa algo como um desejo incontido do homem de se tornar Deus: um belo dia, nossos constituintes bradaram “faça-se a luz”, na expectativa de que a realidade se remodelasse por decreto.
Texto do professor Felipe Cola