Antes que me venham censurar por “me atrever” a versar sobre este tema porque não tenho uma vagina ou um útero, gostaria de registrar que o que aqui vou apresentar não tem qualquer dependência da presença desses órgãos em mim, mas, sobretudo no reconhecimento da sublime condição da geração de uma vida presente em minha mãe, esposa, irmã, cunhadas, sobrinhas, sogra e, futuramente, assim espero, em minhas filhas.
Cabe ressaltar que neste texto não tratarei, minimamente, das questões jurídicas atinentes à temática, nem de valores religiosos – em especial porque a defesa da vida e do direito à vida não seja prerrogativa exclusivamente cristã – e, ainda que muitas das defensoras do aborto irrestrito sejam igualmente ferrenhas na defesa integral da vida animal, inclusive recusando-se a se alimentar com qualquer produto de origem não vegetal, também não discorreremos sobre esta questão e eventuais paradoxos, efeitos sobre a saúde humana e inconsistências deste pensar.
Convém igualmente destacar que o que argumento a seguir não se trata, em hipótese alguma, de discurso sexista, porquanto seria capaz, sem sombra de dúvida, de oferecer ou sacrificar a minha própria existência em defesa da vida das amadas mulheres em meu viver. Dito isto, passemos à análise do proposto para este texto.
1a falácia: que a questão do aborto é temática apenas afeita às mulheres, porque pretensamente somente a estas caberia a decisão sobre a continuidade ou não da vida em desenvolvimento no seu ventre. Ora, se para a geração ou concepção dessa vida foi necessária a participação masculina, por que não caberia a este qualquer papel ou contribuição efetivas nas decisões seguintes em relação a esta vida? Talvez seja justamente porque tal falácia encontra sustentação apenas em outras falácias.
A este respeito discorreremos mais adiante. Por hora, cabe apenas registrar que quando informado da gravidez de minha esposa, em ambas as gestações, participei de todas as etapas destas com o dever de cuidado e atenção que me couberam como esposo e pai, sem me furtar a qualquer das responsabilidades pertinentes. A partir daquele dia (diria até mesmo antes, posto que desejada a vinda dos filhos), ao longo do período da gestação, passando pelo parto e desde então, em todas as atribuições. E não há nada de extraordinário nisso, apenas ajo conforme os valores segundo os quais fui criado. E, neste mesmo sentido, creio que de modo similar agem todos os de meu círculo pessoal.
2a falácia: que o aborto provocado é tão natural quanto o aborto espontâneo. Ora, jamais! Seja em seus mecanismos, seja em termos de consequências para os envolvidos. No último, o próprio corpo feminino, percebendo a inviabilidade da continuidade de vida em curso, ou por sua interrupção sem intervenções externas, provoca a expulsão do embrião ou demanda a retirada do feto, segundo o estágio de seu desenvolvimento. Assim como nas relativizações semânticas tão em voga quando o assunto a tratar é o aborto, bem como em outras pautas ditas “progressistas”, esta falácia não se sustenta. Se não, vejamos: ora, se tal pudesse ser mera questão semântica, teríamos a equivalência entre os termos provocado e natural, de um lado e, de outro, entre natural e espontâneo. Se houvesse transitividade entre estes, seria o mesmo que admitir que o provocado é espontâneo, o que é insustentável, quer em termos lógicos, quer em termos linguísticos. Vamos além: qual o sentimento de uma mãe cujo bebê morre antes do nascimento? É de perda, de muita dor, de incompletude. Qual o sentimento da mulher que deseja e intencionalmente provoca a morte de sua cria para que este não nasça?
3a falácia: que o aborto não passa de um método contraceptivo. Mais uma vez, é uma afirmativa que não ultrapassa a pretensão de um abuso à inteligência alheia. Ora, a concepção diz respeito ao instante da junção de um gameta masculino e de outro feminino. Se o abortamento se dá semanas após esta ocasião, não se trata, posto que há muito superada, de possibilidade de evitar este encontro que torna a reprodução sexuada viável. Contraceptivos vários existem: preservativos, dispositivos intrauterinos (DIU) e mais;
4a falácia: que o aborto é condição para a saúde reprodutiva feminina. Ora, se para a reprodução sexuada é necessária a presença de gametas masculino e feminino, por fecundação natural ou assistida, a condição que assegura a concepção intra ou extracorpórea é a saúde de ambos os gametas. Se em um casal, um dos parceiros não apresenta condições de saúde reprodutiva compatíveis com a do outro, esta reunião pode resultar inviável no aspecto de geração e desenvolvimento de prole. Logo, se uma mulher não encontrar um parceiro com condições de saúde reprodutiva adequadas a este propósito, em hipótese, esta poderá não alcançar a concepção ou gestação viável, por maior que seja o número de tentativas. Aliás, são eventos desta natureza que levam, na atualidade, muitos casais a buscarem auxílio para lograrem êxito neste intento, no que se convenciona chamar de “reprodução assistida”;
5a falácia: que abortar é direito social da mulher, uma vez que, não raro, após emprenhadas, estas sejam abandonadas pelos “machos” com quem copularam e que, em decorrência deste presumível porvir, cabe somente a estas decidir pela interrupção da gestação. Ora, se a pretensa decisão decorre, com todos os riscos do evento para as mulheres, da não assunção da corresponsabilidade pela futura criança pelos procriadores, cabe colocar esta situação social em quatro perspectivas:
1. que a generalização, como em todos os aspectos da vida humana, é grave equívoco, posto que, invariavelmente, há exceções à regra, mesmo que em se admitindo, a título de exercício de pensamento, a possibilidade de poucos casos em sentido diverso à regra esperada. E, no caso de um destes, furta-se àquele que tem o legítimo desejo de ser pai, tolhida a pretensão, pela decisão centrada apenas na mulher. Ora, se tal ocorre, este detentor de direito real e inalienável torna-se não mais do que um objeto de satisfação daquela que decide contra a sua vontade. Então, quem defende o direito das mulheres decidirem exclusivamente quanto ao aborto em detrimento à vontade masculina pleiteiam a objetificação do homem?
2. que se a concepção e eventual gestação decorre da relação sexual sem o uso de contraceptivos, mesmo diante de um possível comportamento de abandono e, inclusive, de não determinação do genitor, o que, em alguns casos somente é possível levantar a partir de exame de material biológico (exame de DNA), as decisões envolvidas não são mero fato social decorrente dessa relação, mas das escolhas (ou não) de parceiros para o coito que, a priori, não fora realizado com o intuito de procriação, embora reste claro para todos os indivíduos em idade reprodutiva que não é possível dissociar o ato sexual de uma possível geração de vida, ainda que não planejada;
3. que, em não havendo os cuidados contraceptivos necessários quando, mulher e homem, conscientes das repercussões de uma gestação não planejada poderá ter para a vida de ambos, decidem não se importar com o fato decorrente. A condição financeira de ambos terá forte impacto sobre a continuidade (ou não) da gestação;
4. que em se colocando para a mulher toda e exclusiva possibilidade de decisão, em se admitindo o “abandono” material e afetivo dela por seu parceiro sexual, eventual ou não, é o mesmo que admitir, ainda que por vias obtusas, que este pensar legitima a condição de objetificação da mulher. Ou seja, sendo ela a única decisora sobre a vinda ou não de uma criança ao mundo, se dispensará a importância e a presença do parceiro em sua vida ou da criança, caso este nasça. Direitos e deveres devem ser equilibrados em sua relação. Não se pode incidir parcialmente, sobre risco de incompletude. Caso seja permitido, por que os homens não poderão pleitear indenizações sobre o filho desejado, gerado, mas que não foi viabilizado pela “mulher alvo de seus desejos”?
E para quase concluir, traria uma 6a falácia: que o direito ao aborto diria respeito apenas à mulher por ser ela que, após a concepção, carrega o bebê no ventre durante o período gestacional, que o homem não tem como dividir com ela as dores do parto e o “peso” do puerpério, para depois o amamentar por meses, em razão do que o nascituro guardará intensa dependência de sua genitora em seus primeiros anos de vida (alguns por toda a sua existência). Bem, apenas a título de hipótese, vamos admitir que se trata de um relacionamento homoafetivo de duas mulheres. Em sua natureza, sem a participação de um agente masculino externo a esta relação, ainda que mero doador de esperma, não poderá haver a fecundação de uma destas. Ultrapassada esta restrição, apenas uma destas poderá gerar a partir de um óvulo específico, independente de qual das duas tenha sido coletado, para obter a concepção assistida (a não ser que haja a fecundação direta e natural em relação heterossexual). Bem, questionamos: se a geração caberá tão somente a uma destas (imaginemos que não a doadora do óvulo), a outra (a doadora do óvulo) perderá qualquer direito sobre o concebido se a parceira decidir pelo aborto, por exemplo, caso o relacionamento, por qualquer motivo, venha a ser rompido antes do parto?
Uma vida, desde a sua concepção, é sinônimo de completude, apesar de sua complexidade. De desafios, de decisões compartilhadas e é o que, sem dúvida, enche de significado e de novos horizontes a vida dos indivíduos ao redor do nascituro, promovendo uma mudança de comportamento, novas atitudes diante de si mesmo e daquele que passa a depender de seus esforços, sendo o mais frágil e dependente dos seres viventes por muitos anos. Mesmo em face destes cenários, podemos dizer que é o milagre da vida que confere a estas pessoas a plenitude e a compreensão de sua continuidade enquanto ser, sem o que, salvo exceções, dali em diante viver perde em qualidade. Se tal não fosse, não teríamos um sem número de famílias paupérrimas, numerosas, mas nem por isso menos felizes e realizadas, em sentido amplíssimo. Trata-se, portanto, antes de mais nada, de uma questão de percepção de valor individual e coletivo, baseado ou não em fé, mas, sobretudo, em respeito à natureza humana e aos princípios do amor ao próximo acima de a ti mesmo.