Por André Eduardo da Silva Fernandes, consultor Legislativo do Senado do Brasil.
Os pesquisadores Marcelo Hermes-Lima (UnB) e Luís Fabiano Farias Borges (CAPES) brindam-nos com mais uma análise que demonstra a decadência da ciência brasileira em relação ao que está ocorrendo no resto do mundo. Nesta resenha, oferecem-nos alguns elementos que desvendam o “mistério” de tal decadência, muito do qual derivado dos rumos tomados pelas nossas universidades nas últimas décadas.
Para que possam fazer a comparação que evidencia tal situação utilizam de instrumento das ciências que procura estudar aspectos quantitativos da produção científica, o qual, no meio acadêmico ficou conhecido como cientometria. A resenha busca tratar da continuação ampliada do estudo dos autores, que tem regado diversas publicações na imprensa. A hipótese agora a ser testada é que o Brasil poder chegar ao último lugar do mundo em 2023 com relação ao impacto científico relativo, considerando países que indexam pelo menos 3000 publicações por ano na principal base científica mundial. (Vide o link da publicação de 03 de setembro de 2020, aqui).
A metodologia utilizada estabelece ranking de países com base em citações por publicação (CPP)*. Para tanto, é calculada a nota de cada país a partir desse ranking, atribuindo zero ao país que se encontra em último lugar e 10 para o país que se encontra em primeiro. Por exemplo, 48 países publicaram pelo menos 3 mil artigos científicos em 2005. Em 2017, mesmo diante dessa quantidade mínima de publicações anuais, a amostra passou a ter 70 países. Quanto ao impacto científico em 2005, o Brasil ficou em 29º lugar no ranking utilizado a quantidade mínima de 3000 publicações, mas passou para o 58º lugar em 2017. Melhoramos ou pioramos em 2017 com relação a 2005?
Em 2005, ficamos com nota 3,96 (29º lugar entre 48 países). Em 2017, a nota foi de 1,71. Logo, caímos no ranking de impacto. Já no resultado de 2018 — baseado em valores divulgados em junho de 2019 por plataforma específica que trata do tema — foi 1,37 (63º lugar entre 73 países).
Os resultados das publicações de 2018 mudaram pouco com a divulgação dos novos dados de medida da qualidade de nossa posição científica em junho de 2020. Antes da divulgação do ranking de 2020, estávamos em 63º lugar entre 73 países. Agora, estamos em 64º lugar entre 74 países no ranking. A pontuação de classificação do Brasil (para as publicações de 2018) passou de 1,37 para 1,35. Nesse sentido, tal índice de 2018 alterou-se muito pouco. No resultado das publicações de 2019, subimos para o 62º lugar entre 74 países. A pontuação de classificação ficou em 1,62, indicando uma pequena melhora em relação a 2018 (de 1,35 para 1,62). De acordo com os cálculos dos autores do estudo, podemos chegar em 2024 – teoricamente – no último lugar do mundo em impacto científico.
Conforme destacam os autores, é importante deixar claro que não significa que o Brasil terá impacto científico zero no futuro. Trata-se da possibilidade real de cairmos para o último lugar em impacto relativo na produção científica agregada. O Brasil dispõe de excelentes pesquisadores, mas o país não pode depender de ilhas de competência.
Os autores, também, analisam a questão sobre outra visão, se considerarmos como 100% o país que ficou em 1º colocado na de 2019, Singapura com CPP = 1,25, o Brasil (CPP = 0,54) apresentou apenas 43,2% do impacto de Singapura em 2019. Esse é o valor que chamamos de Impacto Equivalente. No caso do Brasil, esse valor manteve-se em torno de 40 a 45% na última década, enquanto vários países nos ultrapassaram em Impacto Equivalente. O último lugar do ranking CPP de 2019, Indonésia (CPP = 0,24, em 74º lugar), apresenta somente 19,2% do impacto de Singapura. De fato, a Indonésia tem apresentado uma tendência de acentuada queda nos últimos anos. Alcançou 28% do impacto do 1º lugar em 2016, quase dez pontos percentuais a mais do que em 2019. Assim sendo, o Brasil não deve ficar atrás da Indonésia nos próximos anos, o que impedirá nossa vergonha.
Como solução, os autores apresentam que o primeiro passo seria uma mudança significativa dos incentivos voltados para as políticas públicas de Pesquisa e Pós-Graduação. A CAPES tem feito sua parte, iniciando mudanças na medida do possível. Por outro lado, a grande imprensa e muitas instituições de pesquisa só divulgam números que colocam o Brasil como uma grande potência da ciência. É bem verdade que o Brasil publica muitos artigos anualmente. Somos a 14º nação do mundo em quantidade, com mais de 84 mil publicações (em 2019) indexadas em bases internacionais. Muitos dirão que estamos nos aproximando da média mundial de impacto em algumas áreas do conhecimento, mas esse será assunto para próximo artigo.
Na verdade, nada substancial mudou desde o governo Dilma. É necessário haver mudanças urgentes na articulação entre agências de fomento e instituições de pesquisa com a devida integração do sistema pesquisa e desenvolvimento (P&D), incentivando de maneira adequada e constante as pesquisas de alto impacto. Como bem enfatizam os autores, ciência é insumo para inovação, e não podemos ficar à deriva diante do tsunami tecnológico do século XXI. Temos convicção que o povo brasileiro — incluindo o presidente Bolsonaro — espera muito mais de sua ciência!
O que esperar para o futuro? Esse valor se sustentará quando sair o resultado de 2019 em junho de 2021? O que acontecerá com o impacto dos artigos científicos de 2020? Não podemos afirmar nada sobre isso. Os autores apontam que a tendência de o Brasil bater no fundo do poço mudou muito pouco. Dependendo da maneira pela qual a simulação é feita, chegaremos próximos da nota zero em 2023 ou 2024.
* Os índices de impacto se baseiam em citações por publicação (CPP), e não quantidade de publicações. Vide ainda referência da metodologia de Rank Scores (que dá notas de 0 a 10) e de Impacto Equivalente. Trata-se de uma publicação em revista científica da Suíça. https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/frma.2020.594891/full
Em tempo: A análise faz parte de um esforço do movimento Docentes pela Liberdade (DPL) em trazer pensadores competentes e capazes de agregar análises relevantes para o cenário nacional. As opiniões nela expressas não reproduzem, necessariamente, as posições do DPL ou Conexão Política.