Um anúncio feito pela Rússia nesta terça-feira (11) de que aprovará uma vacina contra a COVID-19 após menos de dois meses de testes em humanos gerou alarme entre os especialistas em saúde global, que disseram que, sem dados completos do ensaio, é difícil confiar na vacina.
Apelidando a vacina de “Sputnik V” em homenagem ao satélite da era soviética que foi o primeiro lançado ao espaço, as autoridades russas disseram que ela fornecia imunidade segura e estável.
No entanto, com a intenção de ser a primeira na corrida global para desenvolver uma vacina contra a doença pandêmica, a Rússia ainda precisa realizar testes em larga escala da injeção que produziria dados para mostrar se funciona – algo que imunologistas e especialistas em doenças infecciosas dizem que pode ser “imprudente”.
“A Rússia está essencialmente conduzindo um grande experimento populacional”, disse Ayfer Ali, especialista em pesquisa de drogas na Warwick Business School, no Reino, à Reuters.
Ela disse que tal aprovação super-rápida pode significar que os potenciais efeitos adversos de uma vacina podem não ser detectados. Estes, embora provavelmente sejam raros, podem ser sérios, alertou Ayfer Ali.
O presidente russo, Vladimir Putin, disse que a vacina, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya de Moscou, é segura e que foi administrada a uma de suas filhas.
“Sei que funciona de maneira bastante eficaz, forma uma forte imunidade e, repito, passou em todas as verificações necessárias”, disse Putin à televisão estatal russa.
François Balloux, especialista do Instituto de Genética da University College London, disse à Reuters que foi “uma decisão imprudente e tola”.
“A vacinação em massa com uma vacina testada inadequadamente é antiética”, disse ele. “Qualquer problema com a campanha de vacinação russa seria desastroso tanto por seus efeitos negativos na saúde, mas também porque iria atrasar ainda mais a aceitação das vacinas pela população.”
Seus comentários foram ecoados por Danny Altmann, professor de Imunologia do Imperial College London, que disse à Reuters que o “dano colateral” da implantação de qualquer vacina que ainda não seja considerada segura e eficaz “exacerbaria nossos problemas atuais de maneira insuperável”.
Segundo a Reuters, mesmo com a Rússia declarando vitória, mais de meia dúzia de fabricantes de medicamentos ao redor do mundo estão no processo de conduzir testes em humanos avançados em grande escala de suas vacinas COVID-19 potenciais, cada um com dezenas de milhares de participantes voluntários.
Vários desses pioneiros, incluindo Moderna, Pfizer e AstraZeneca, dizem que esperam saber se suas vacinas funcionam e são seguras até o final deste ano.
Todos devem publicar seus resultados de ensaios e dados de segurança e submetê-los aos reguladores nos Estados Unidos, Europa e em outros lugares para análise antes que qualquer licença possa ser concedida.
A aprovação da vacina russa pelo Ministério da Saúde vem antes dos ensaios que normalmente envolveriam milhares de participantes, comumente conhecidos como ensaio de Fase III. Esses ensaios são geralmente considerados precursores essenciais para que uma vacina garanta a aprovação regulatória.
Peter Kremsner, especialista do Hospital Universitário da Alemanha em Tuebingen, que está trabalhando em testes clínicos de uma vacina candidata do CureVac, disse que a decisão da Rússia foi “imprudente”.
“Normalmente você precisa de um grande número de pessoas para serem testadas antes de aprovar uma vacina”, disse ele à Reuters. “Acho que é imprudente fazer isso se muitas pessoas ainda não foram testadas.”
Especialistas disseram que a falta de dados publicados sobre a vacina da Rússia – incluindo como ela é feita e detalhes sobre segurança, resposta imunológica e se pode prevenir a infecção por COVID-19 – deixa cientistas, autoridades de saúde e o público no escuro.
“Não é possível saber se a vacina russa se mostrou eficaz sem a apresentação de artigos científicos para análise”, disse Keith Neal, especialista em epidemiologia de doenças infecciosas da Universidade Nottingham da Grã-Bretanha.