Após o conflito diplomático em que a China reivindicou Vladivostoque, a maior cidade portuária da Rússia no oceano Pacífico, agora, um “aquecimento climático” no Ártico – que nada tem a ver com falácia de “aquecimento global” – se inicia com a possibilidade do surgimento de conflitos e mais disputas entre Rússia e China. Desta vez, as rotas de navegação comercial e a exploração de recursos naturais da região polar podem se tornar o novo alvo do dragão expansionista.
As visões russa e chinesa sobre o Ártico militam fortemente entre si. A Rússia é uma potência natural do Ártico. O país ocupa quase todo o território ao norte da Eurásia, exceto os países escandinavos; e compartilha o litoral mais longo com o Oceano Ártico.
As autoridades russas afirmam fortemente a primazia de apenas oito países do Ártico na região; e o Kremlin não gosta muito da ideia de potências não-árticas como a China desempenharem um papel dominante nesta parte do mundo.
No topo da “versão russa” da hierarquia do Ártico estão os cinco países costeiros do Oceano Ártico: Canadá, Estados Unidos, Dinamarca, Noruega e Rússia. A Rússia acredita que esta hierarquia está de acordo com o direito marítimo internacional, pois os cinco países têm acesso direto ao Oceano Ártico e possuem Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE). Eles são seguidos pelos três membros permanentes do Conselho do Ártico – Islândia, Suécia e Finlândia.
Para a Rússia, os interesses de outros países – incluindo os países observadores, como Alemanha, Itália, França e Reino Unido na Europa, Japão, Índia, Coreia do Sul e até China na Ásia – estão abaixo da hierarquia russa. E é exatamente nisso que as visões expansionistas chinesas entram em conflito com as russas.
China, Nova Ordem Mundial e os “bens comuns globais”
A China afirma que o Ártico faz parte dos “bens comuns globais”, assim como a Antártica. A China nega a soberania da Rússia sobre as vastas águas territoriais russas no Oceano Ártico, que se tornarão, em um futuro distante, um polo comercial prolífico. De fato, ao afirmar que “o Ártico é um futuro comum para a raça humana”, Pequim está concebendo uma nova ordem mundial na qual definirá as normas como uma superpotência global.
Em 2018, o dragão expansionista deu um passo adiante. O Partido Comunista Chinês divulgou suas ambições no Ártico, que suscitaram temores de uma aquisição chinesa do Ártico. A China se identificou como um “Estado Próximo do Ártico” em seu Livro Branco, no qual define as regiões estratégicas e de interesses núcleo no exterior. No entanto, essa identificação é bastante enganadora, uma vez que a China está bem longe do Ártico.
No Livro Branco, divulgado pelo Departamento de Comunicação do Conselho de Estado, a China declarou: “A situação do Ártico agora vai além de seus Estados inter-árticos originais ou natureza regional, tendo uma influência vital nos interesses dos Estados fora da região e nos interesses da comunidade internacional como um todo, bem como na sobrevivência, desenvolvimento e futuro compartilhado pela humanidade”.
O Livro Branco acrescentou ainda que os países deveriam respeitar “os direitos e a liberdade dos Estados não-árticos de realizar atividades nesta região de acordo com a lei”.
A Rússia não gostou dessa interferência chinesa no Ártico. Em 2015, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, reclamou que os países que não são do Ártico estão usando seu poder militar e econômico para “lutar por mais papéis no Ártico”, se referindo certamente à China, que deseja usar região para alcançar seus próprios objetivos geopolíticos expansionistas, traçados na “versão Ártica” da sua Nova Rota da Seda, a “Rota da Seda Polar”.
Rota do Mar do Norte ou ‘Rota da Seda Polar’?
Atualmente, a Rússia possui apenas uma base naval ártica – a Sebastopol. No entanto, Moscou tem planos de criar muito mais portos e bases navais na região e assim, exercer mais influência nas equações globais.
Comercialmente, a Rússia quer desenvolver o que ela mesmo chama de ‘Rota do Mar do Norte’ (NSR) ao longo de sua costa da Sibéria. Isso se tornará uma alternativa e, pelo menos, afastará grande parte do tráfego que atualmente passa pelo canal de Suez. Moscou, portanto, quer se tornar uma potência do Ártico preeminente que conecta a Ásia e a Europa, e se tornar uma potência econômica no processo.
Não apenas as rotas marítimas e as bases navais importam, mas os planos russos de tornar o Ártico navegável abrirá espaço para a extração de vastos hidrocarbonetos (petróleo, gás natural, carvão). Esses hidrocarbonetos ainda não foram explorados no Ártico. Estima-se que o Ártico contenha 13% do petróleo inexplorado no mundo e cerca de 30% do gás não-descoberto. Esta é uma região rica em recursos, e a Rússia deseja usá-la como uma “base estratégica de recursos”.
Para um país como a Rússia, que é altamente dependente da extração de hidrocarbonetos, a importância da região rica em recursos é grande. Porém, a China não vai poupar esforços para estender seus tentáculos sobre a região, e o PCC está disposto a ‘atrapalhar” os planos russos. O Partido Comunista Chinês até mesmo batizou a Rota do Mar do Norte (NSR), com um novo nome, chamando-a de ‘Rota da Seda Polar’. Xi Jinping quer fazer da próxima rota marítima do Ártico parte do seu projeto ‘Iniciativa do Cinturão e Rota’ (em Inglês: Belt and Road Initiative – BRI). E não há dúvida de que a China usará seu peso econômico para tentar se tornar o ator dominante no Ártico.
E todo esse interesse no Ártico tem um grande motivo. Segundo o pesquisador chinês Li Zhenfu, da Universidade Marítima de Dalian, na China, “quem tiver controle sobre a rota do Ártico controlará a nova passagem da economia mundial e estratégias internacionais”.
A Rota do Mar Ártico, que o PCC quer transformar em ‘Rota da Seda Polar’, é também uma estratégia geopolítica da China para evitar o dilema de Malaca. O Estreito de Malaca é um ponto de estrangulamento estreito que divide os oceanos Índico e Pacífico. Em caso de conflito, a Índia pode facilmente bloquear essa passagem e privar a China de suas importações de petróleo do Oriente Médio, além de fechar as rotas comerciais da economia baseada em exportações.
Com a possibilidade da abertura de novas rotas marítimas no Ártico, a China quer se tornar o país que vai construir portos e outras infraestruturas em países nórdicos-bálticos, como Dinamarca e Finlândia, tornando-os parte da ‘Iniciativa do Cinturão e Rota’. E sabe-se o quão invasivo o BRI pode ser, pois a China também é o maior importador de hidrocarbonetos e, certamente, desejará reduzir sua dependência de energia ao explorar o Ártico.
No entanto, os planos do PCC entram em conflito com os interesses russos, e possivelmente, a disputa por espaço no Ártico acarretará em mais desgastes entre Putin e Xi Jinping. A “camaradagem” entre essas duas nações poderá cessar se a desconfiança e as tensões entre os dois países continuar. Dessa forma, a China expansionista poderá se isolar ainda mais nesse mundo pós-pandemia, criado pelo próprio dragão vermelho.