Em entrevista realizada pelo movimento Docentes pela Liberdade e cedida ao Conexão Política, o professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e coordenador do grupo de educação do movimento, Pedro Z. Caldeira, examina os desafios que a educação básica enfrenta neste momento.
Revisão de texto de Marcelo Hermes-Lima, Presidente do DPL Nacional.
“A educação no Brasil não usa as evidências científicas dos últimos 55 anos”
Para centenas de professores e pesquisadores brasileiros, o surgimento do movimento Docentes pela Liberdade (DPL), em 13 de maio de 2019, representou um alento. Depois de décadas em que o pensamento conservador, em geral, era barrado no conteúdo das aulas e da produção acadêmica, tornou-se possível conversar entre pares de todas as regiões do Brasil.
Rapidamente, os acadêmicos se organizaram em grupos, para debater temas específicos sob o viés conservador, de Direito a Medicina, passando por Filosofia. Um dos grupos mais ativos e produtivos é o de Educação. Seu diretor é Pedro Caldeira, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
“Para muitos dos que fazem parte desse grupo, este é o primeiro local em que sabem que podem expressar as suas ideias e opiniões sem receio de represálias”, explica o professor. “Entre todos os que fazemos parte do grupo, há histórias escabrosas de perseguições como professores e estudantes em Universidades brasileiras. Histórias que contradizem a própria ideia e essência da universidade”.
Na entrevista, Pedro Caldeira, que é autor de materiais e de conteúdos de ensino a distância há quase 30 anos, avalia o momento atual da educação, especialmente a básica, e aponta caminhos para o Brasil melhorar seu desempenho nessa área.
[Em tempo: A conversa com o professor faz parte de um esforço do movimento Docentes pela Liberdade (DPL) em trazer pensadores competentes e capazes de agregar análises relevantes para o cenário nacional. As opiniões expressas na entrevista não reproduzem, necessariamente, as posições do DPL ou Conexão Política]
Qual a avaliação do senhor do trabalho do Ministério da Educação no governo Bolsonaro, na comparação com as gestões do PT?
Todo o arcabouço legislativo referente à educação produzido no Brasil nestes últimos 24 anos é claramente progressista. E uso essa palavra da forma mais depreciativa possível. Tem um cunho esquerdista e totalitário: as decisões sobre política educacional encontram-se centradas em Brasília e inscritas na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Como resultado, foi eleito um presidente com linhas programáticas conservadoras, que tem de respeitar as políticas de Estado aprovadas em um quadro político bem diferente. Alterar essas políticas é uma tarefa quase impossível.
Um indicador e uma normativa são suficientes para se entender que a herança do PT na educação é maldita: o Pisa e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O Pisa, como indicador internacional da qualidade do ensino fundamental brasileiro, esclarece-nos que o Brasil possui um dos piores sistemas educacionais do mundo e um dos piores, se não o pior, da América Latina. A BNCC, como documento orientador dos currículos dos diferentes anos e disciplinas da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, é confusa e está repleta de erros e equívocos conceituais.
O Ministério da Educação vem agindo para mudar esse quadro?
No entanto, apesar das barreiras existentes, o MEC apresentou até ao momento duas políticas que poderão alterar radicalmente o cenário educacional brasileiro: o Plano Nacional de Alfabetização e o Edital do PNLD2022, do livro didático para a Educação Infantil. O Plano Nacional de Alfabetização foi redigido com base nas mais sólidas evidências do que resulta em alfabetização, atirando para a lata do lixo métodos de alfabetização que produziram legiões de analfabetos e de analfabetos funcionais nos últimos 20 anos no Brasil. E esses métodos são o global e os designados de mistos.
Os autores progressistas, incapazes de interpretarem os números calamitosos da alfabetização no Brasil, colocam-se sistematicamente como vítimas dos autores burgueses e opressores que não têm uma visão democrática da educação e, segundo eles, querem impor de forma hegemônica o método fônico nas salas de aula de alfabetização brasileiras. Não entendem que o método global e os métodos mistos derrotam os alunos que mais dificuldades têm em seus processos de alfabetização, aqueles provenientes de famílias com poucos ou nenhuns hábitos de leitura. E não entendem por que não querem, pois as pesquisas que comprovam a falência do método global e dos métodos mistos na alfabetização estão à disposição de todos.
Já o Edital do PNLD2022 é de tal modo reconhecido como um ponto de viragem na educação brasileira que educadores, autores e pesquisadores progressistas estão a fazer um levantamento para impedir a concretização do edital – que, entre vários outros assuntos, pretende colocar nas mãos das crianças brasileiras de 3, 4 e 5 anos um livro didático que sistematiza o que de mais relevante uma criança dessas idades necessita de desenvolver para que o início da alfabetização ocorra de forma indolor. Esses livros serão, em muitos casos, os primeiros que entrarão nas casas de muitas famílias.
Se o governo conseguir aprovar legislação que facilite o financiamento de escolas de ensino básico comunitárias, familiares e confessionais, serão dados passos importantes para a urgente desestatização que é tão necessária na educação brasileira. A aprovação de uma legislação robusta de regulação do homeschooling seria a cereja do bolo: a possibilidade total ou parcial de homeschooling recolocaria nas mãos das famílias brasileiras decisões importantes sobre a educação e o desenvolvimento de seus filhos.
Quais são os principais desafios para a educação brasileira para o período pós-pandemia?
O principal desafio é o da necessidade de incorporar as tecnologias nos processos de ensino e aprendizagem. Houve e há um esforço tremendo por parte de muitos milhares de professores brasileiros para que os seus alunos façam as aprendizagens previstas. No entanto, na esmagadora maioria das situações os professores estão a desenvolver um esforço gigantesco para obterem resultados longe do esperado, por motivos que passam por uma profunda incompreensão sobre o que é o ensino a distância (EAD). O uso das tecnologias permite, mais que isso, incentiva práticas de ensino diferenciadas. Práticas em que o aluno passa a ter um maior protagonismo em suas aprendizagens.
O segundo desafio, até para que o primeiro se concretize de modo efetivo, passa por formação em tecnologias e no uso pedagógico de tecnologias por parte dos professores do ensino básico. Perceber que uma aula de 15 minutos em EAD equivale a 45 ou 50 minutos de aula presencial é fundamental para o professor faça um planejamento ajustado ao uso da tecnologia.
O terceiro desafio é a necessidade de os gestores dos sistemas de ensino compreenderem que materiais e conteúdos desenvolvidos para atividades de EAD serem avaliados. Essas avaliações deverão ocorrer de preferência antes de serem distribuídos aos seus destinatários. O quarto desafio, talvez o mais importante, mas o que mais dificilmente se conseguirá implantar no Brasil, seria a quase completa desregulação centralizada em Brasília do ensino básico, passando essa responsabilidade para os estados e os municípios.
Por que o Brasil historicamente se sai tão mal em exames de ensino que comparam diferentes países, em especial o Pisa?
A educação no Brasil não usa as evidências científicas que ficaram explícitas nos últimos 55 anos. Sabe-se bem os processos neuronais que ocorrem em bons e maus processos de alfabetização. Isso é ensinado nos cursos de Pedagogia no Brasil? Não, claramente, com talvez uma ou duas excepções. Conhecem-se boas ferramentas cognitivas que facilitam processos de aprendizagem significativa. Elas são bem exploradas nos cursos de licenciatura no Brasil? Também não, com algumas excepções. Existem dois formatos efetivos de formação continuada de professores com resultados amplamente divulgados. Eles são usados na formação continuada de professores no Brasil? Mais uma vez não, apesar de sucessivas tentativas de um ou dos dois modelos serem divulgados em terras brasileiras. São modelos que envolvem poucos professores e são exigentes em termos de esforço e tempo. O que se prefere no Brasil? Formação em grupos muito grandes, com resultados muito pobres.
Em números brutos, a taxa de alfabetização vem aumentando no Brasil. Mas a alfabetização é bem sucedida? Seria necessário adotar metodologias diferentes?
A alfabetização é mal sucedida pois os métodos adotados em muitas circunstâncias são equivocados. O método fônico, ou as abordagens fônicas, é o único que garante uma alfabetização bem sucedida. E rápida. Como alguns autores apontam, 12 semanas é o suficiente para que uma criança aprenda a ler… desde o momento em que ela quiser aprender a ler. Não há propriamente uma idade certa para a alfabetização, pois a partir dos 3 anos a base neuronal da criança permite as primeiras aprendizagens da leitura.
Profundamente equivocada é a legislação atual que estabelece o final do 3º ano do ensino fundamental para aprender a ler. E assim estão criadas as condições para que eventualmente nenhum professor se sinta pessoalmente responsável pelas não aprendizagens feitas por seus alunos: o do 1º ano sabe que o aluno tem mais dois anos para aprender a ler, o do 2º ano não se sente responsável pelo aluno que entra em sua sala sem saber o básico e o do 3º ano concentra o seu trabalho nos alunos que estão mais avançados. Tudo isto tende a piorar quando as turmas têm 30, 35 ou 40 alunos.
Existe algum modelo educacional, no exterior, em que o Brasil poderia se inspirar para melhorar seu desempenho no ensino básico?
Há alguns elementos de diversos modelos do exterior que poderiam ser bastante benéficos e gerariam melhorias no desempenho no ensino básico, como, por exemplo, fazer como a França e proibir o método global nas salas de alfabetização brasileiras. Adotar os métodos de formação continuada de professores do Japão ou de Hong-Kong também seria uma medida acertada. Perceber o que diferencia os sistemas educacionais dos países bálticos, Estônia, Lituânia e Letônia, e da Finlândia dos sistemas educacionais brasileiros também poderia ser bastante positivo.
Mas mais importante que adotar um modelo educacional é perceber como os resultados que a pesquisa em Educação ou as propostas educacionais desde metade da década de 1950 são ou poderiam ser aplicadas no Brasil. Autores, temáticas e modelos que estão ausentes na formação inicial e continuada de professores: Benjamin Bloom, Aprendizagem Significativa, Teoria de Currículo, Teorias e Modelos de Ensino, Ciência Cognitiva da Leitura, Stanislas Dehaene, Metacognição, Objetivos Educacionais, Albert Bandura, Psicologia Educacional, Condições de Aprendizagem, Motivação, Ference Marton, Teoria da Variação da Aprendizagem… O que é ensino, pisado e repisado no Brasil: Paulo Freire, Lev Vygotsky (em geral, o que não é relevante para a sala de aula), Jean Piaget (em geral muito deturpado)…
Como o senhor avalia o trabalho do grupo de educação do DPL?
A diretoria ainda é muito recente, mas a intensa partilha de experiências me permite dizer que as experiências de educação com matriz conservadora e ou liberal estão bem vivas no Brasil. E recomendam-se. Sei que brevemente alguns projetos terão grande visibilidade e, espero, gerarão impactos muito positivos na educação brasileira: no mínimo farão com que muitos se interroguem sobre a educação que seus filhos estão a receber em escolas do ensino básico público ou particular.