Armando Santiago Jr. passava o dia inteiro atrás da tela do computador escrevendo textos para seu blog de política. Era início de 2010, e ele defendia com unhas e dentes sua candidata presidencial, Dilma Rousseff (PT), aposta do então presidente Lula.
O “companheiro Armando”, como era chamado por outros blogueiros, se descrevia no Orkut como “um cidadão brasileiro indignado com a ação criminosa dos tucanos” na campanha eleitoral. Era casado, tinha 56 anos e vivia em Poços de Caldas, Minas Gerais.
Seu blog chamava-se “Seja Dita Verdade” e dizia divulgar “a notícia transparente”. “Nestas eleições surgiram, quase que ‘por mágica’, os mais variados e-mails falsos que caluniam Dilma Rousseff. Venho aqui neste blog, sempre que possível, desmentindo um por um”, escreveu em uma de suas postagens.
Esse “Armando”, no entanto, nunca existiu. Seu blog e seus perfis no Orkut e no Twitter eram administrados por quatro pessoas que teriam recebido, para tanto, de R$ 3,5 mil a R$ 4 mil mensais entre maio e outubro de 2010. A BBC Brasil entrevistou sob a condição de anonimato três dessas quatro pessoas, que dizem ter sido recrutadas sem contrato formal por uma empresa de marketing político baseada em São Paulo para levar isso a cabo.
Seu trabalho, segundo relatam, era alimentar o blog com postagens desmentindo supostos boatos sobre Dilma Rousseff e publicar textos parciais e contrários a seu principal adversário, José Serra (PSDB), que acabou derrotado no segundo turno. A página também chegou a ter notícias falsas. E, para disseminar seu conteúdo, o trabalho acabou envolvendo a criação de perfis falsos – ao menos 131 deles no Twitter, segundo uma lista à qual a BBC Brasil teve acesso.
Parte desses perfis, 84, ainda estão “vivos” na rede social, embora inativos, e podem ser conferidos por qualquer um.
para ver a lista, clique aqui
São usuários como “Juliana Miranda” ou “jujummiranda”, que escrevia tuítes sobre o curso de Psicologia (“Freud é uma das minhas paixões”) entremeados com outros em apoio a Dilma (“os capixababas querem Dilma, deu pra sentir hoje nas ruas”), além de retuitar a página “Seja Dita Verdade”. Sua foto pertence, na realidade, a uma blogueira finlandesa.
A empresa apontada pelos entrevistados como responsável pelo serviço é a Ahead Marketing, de Gabriel Arantes Cecílio e, na época, também de Arnaldo Lincoln de Azevedo. Em seu site, é descrita como uma companhia que adaptou o “marketing de guerrilha” para a realidade política. Oferece serviços como o de “invisible talkers” (comunicadores invisíveis), “grupo de agentes treinados que inserem mensagens em pontos estratégicos da cidade, por meio de diálogos entre eles mesmos ou com a população”.
Questionados por e-mail, os dois negaram ter participado na “produção de notícias falsas”, mas não responderam à pergunta sobre a produção de perfis falsos. Além disso, disseram não poder comentar se foram contratados para atuar na campanha de Dilma Rousseff em 2010 porque não falam sobre “clientes ou supostos clientes” (leia mais abaixo).
O site da agência informa que ela participou “dentro e fora do Brasil” de “campanhas vitoriosas para a Presidência da República, governos estaduais e de grandes capitais”, sem especificar quais.
Não há na prestação de contas da campanha de 2010 de Dilma e do PT registros de pagamentos à Ahead Marketing. Há um pagamento de R$ 234 mil, no entanto, da campanha do aliado e hoje governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), a “G. Cecílio e Cia Ltda”, de Gabriel Cecílio Arantes.
Pimentel concorreu ao Senado em 2010 e, no início daquele ano, foi um dos coordenadores da campanha de Dilma à Presidência. Ele também aparece nos tuítes de alguns dos perfis falsos, que publicaram mensagens favoráveis não só ao então candidato, como também a postulantes do PT aos governos estaduais.
“Ana Gabriela” (ou @aninha_gaby no Twitter) é um exemplo: “Antes que eu me esqueça, #voudepimentel”, escreve em 20 de setembro de 2010. A “usuária” também tuitava a favor de Dilma: “Programa de Dilma mostra a história de vida de uma mulher vitoriosa”, escrevera um mês antes.
“A gente especulava, sabia que podia acontecer, e agora a descoberta de que isso aconteceu já em 2010 gera mais um mega-alerta para as eleições de 2018”, diz à BBC Brasil Fabricio Benevenuto, professor do departamento de Ciência e Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), demonstrando preocupação com a “tentativa de manipulação de opinião pública através do uso de perfis falsos” neste ano.
Para Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, a descoberta “mostra que o Brasil tem pelo menos oito anos de ‘know-how’ de como fazer fakes de maneira sofisticada como estratégia organizada de campanhas políticas”. “Parece pioneirismo brasileiro. Um primeiro ensaio, um embrião de como fazer essa influência que deve ter aumentado nos ciclos posteriores.”
Por meio de sua assessoria de imprensa, Dilma negou que tenha contratado tal serviço. “A ex-presidenta Dilma Rousseff, em nenhuma de suas campanhas, em 2010 e 2014, contratou ou autorizou que fosse contratado quaisquer serviços relativos a perfis e notícias falsos. Desconhece quaisquer das empresas ou pessoas que agem nessa área. Tampouco tem conhecimento ou autorizou qualquer atuação, iniciativa ou ação nesse sentido de integrante de suas campanhas”, afirmou, em nota.
Respondendo sobre a campanha de Pimentel, o diretório do PT de Minas disse não ter “conhecimento sobre a contratação de qualquer empresa com a finalidade de criação e manutenção de perfis falsos no Twitter, em qualquer campanha eleitoral. Esclarece, ainda, que esta não é uma prática do partido.”
Perfis falsos foram comprovadamente usados para tentar influenciar as eleições americanas em 2016. O expediente, ao lado da propagação de notícias falsas, também preocupa especialistas e autoridades brasileiras, que temem seu uso nas eleições de 2018. Em dezembro passado, a BBC Brasil revelou que a profissionalização do serviço no Brasil já existia ao menos desde 2014, em escala maior do que esta que teria acontecido em 2010: uma empresa, baseada no Rio, teria remunerado cerca de 40 funcionários espalhados pelo Brasil para criar e alimentar milhares de perfis falsos no Twitter e no Facebook.
Depoimentos dos entrevistados pela BBC Brasil e tuítes mostram que campanhas de políticos como Aécio Neves (PSDB-MG), então candidato à Presidência, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) teriam contratado o serviço. Eles negam.
ink da matéria completa: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43118825?SThisFB