Nesta quinta-feira (09) o governador do Estado de São Paulo, João Dória (PSDB), anunciou à imprensa o “SIMI” (Sistema de Monitoramento Inteligente), no qual, em conjunto com as quatro maiores operadoras (TIM, Claro, Oi e Vivo), passarão a monitorar a geolocalização de toda população paulista por meio de celulares.
Todo esse processo ocorrerá durante o período de isolamento. Como se isso não bastasse, em tom sério, o tucano fez questão de ressaltar que as pessoas que desobedecerem a orientação serão penalizadas com prisão e multa.
Nessa perspectiva, eclodiu junto com a pandemia da COVID-19 (coronavírus) o oportunismo político e ideológico que, diferentemente da antiguidade, em que as civilizações guerreavam em busca de poder e influência, podemos observar que no mundo moderno a tática é a presença do soft power, que consiste num modo de dominação muito menos agressivo para influenciar indiretamente o comportamento ou interesses de outros corpos políticos por meios culturais ou ideológicos.
Sendo assim, é nítida a irresponsabilidade de nossos líderes, nacionais e internacionais, se aproveitando da situação para derrubar e manchar pessoas e impor suas filosofias ao invés de se preocuparem com o que realmente importa: a saúde e o bem estar do ser humano.
Pois bem. Não podemos deixar desapercebido o perigo constitucional contido nas determinações do governador, em que, em primeiro lugar, viola a vida íntima de seus governados. Diz a Constituição Federal:
“Art. 5° (…) inc. X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
Diante disso, a imposição de João Dória coletará dados pessoais dos smartphones paulistanos e mapeará sua localização em tempo real, configurando assim, uma violação a vida privada e sua respectiva intimidade.
Ora, não nos esqueçamos que a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) entraria em vigor em agosto de 2020. Contudo, já está sendo prorrogada pelo Congresso Nacional até 2022 através do projeto de Lei 5762/2019. À vista disso, não há o que se falar em adequação a mesma, pois o monitoramento da vida pessoal do cidadão paulistano, por si só, já configura a ofensa a intimidade da vida privada.
Prosseguindo, a Constituição Federal assegura a livre locomoção em todo território nacional. Averiguemos:
“Art. 5° (…) XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”
Nesse sentido, mais uma cláusula pétrea encontra-se violada pelo tucano, pois, embora se tenha decretado o estado de calamidade pública no território nacional, o mesmo não permite que a vida privada e o direito de locomoção do indivíduo sejam inteiramente suprimidas.
O estado de calamidade pública é acionado pelo presidente da República, visando a preservação ou o restabelecimento da ordem pública ou da paz social [ameaçadas por grave ou iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidade de grandes proporções na natureza] (art. 136, “caput”, CF). No caso, o mesmo fora decretado pelo presidente Jair Bolsonaro nos últimos meses por conta das implicações da pandemia do COVID-19.
Para melhor compreensão, vejamos o que diz a Carta Magna a respeito das restrições aos indivíduos quando em estado de calamidade pública:
“Art. 136 (…) § 1º (…) I – restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;”
Outrossim, de acordo com nosso ordenamento jurídico, é possível a restrição de aglomerações em função da pandemia através do estado de calamidade pública. Entretanto, não do modo ditatorial que João Dória vem impondo a população paulistana.
Logo, a partir do momento em que o tucano, de forma arbitrária, reúne dados de localização em tempo real (mapeados) dos smartphones pessoais de seus governados e promete punição de prisão e multa ao seu descumprimento, comete ato inconstitucional, pois ofende a inviolabilidade da vida íntima e o direito de livre locomoção em território nacional.
O artigo de lei é claro quando restringe os direitos de reunião e sigilo de comunicação telegráfica e telefônica. Apesar disso, o governador vai totalmente na contramão — restringindo o direito de preservação da vida íntima e locomoção — que são valores distintos.
Aplicando tais medidas, imaginemos o seguinte cenário, em que três, cinco ou mais pessoas juntas, se locomovendo a residência de algum ente, ao mercado ou até mesmo praticando exercícios ao ar livre poderão ser detidas e obrigadas a pagar multa ao Estado sob o pretexto de proliferação da pandemia — o que, desonestamente, ofenderia aos direitos fundamentais do cidadão brasileiro da vida privada ao rastrear celulares, e locomoção dentre o território.
Isto posto, não quero de maneira nenhuma minimizar os efeitos e cuidados com a COVID-19, assim como deixo aqui meus incentivos às recomendações para com a pandemia. Entretanto, a dignidade da pessoa humana e a Democracia do povo brasileiro estão sendo ameaçadas através das imposições de João Dória.
Nessa conjuntura, podemos voltar ao raciocínio introdutório, em que o Governo ao invés de incentivar sua população aos devidos cuidados, divulgar informações coerentes, balancear a economia e buscar a saúde e bem estar de seu povo, prefere o soft power e seu oportunismo político.
Por fim, não podemos deixar de registrar o imenso perigo que essas implicações podem trazer a população brasileira, pois estão retirando os direitos humanos fundamentais contidos na Constituição Federal. No atual cenário político nacional, a nossa Democracia está descaradamente sendo ameaçada.