Um experimento único: de um pedaço de carne descorado a um coração vermelho-púrpura pulsante. Em um laboratório do instituto de pesquisa do Grupo LifeTec, em Eindhoven, na Holanda, o pesquisador-chefe, Sjoerd van Tuijl, restaurou um coração fora do corpo, em um experimento, que, segundo os pesquisadores, é “único”.
“Pela primeira vez, mostramos que um coração permanece melhor assim do que se estivesse armazenado no gelo. O objetivo é que os pacientes possam ter um coração curado no futuro”, explicou o pesquisador ao jornal AD.
Ganhando vida
Atualmente, o coração de um doador para um transplante é armazenado por um máximo de 4 horas, antes de chegar a um receptor. Mas, graças ao financiadores da pesquisa- Hartstichting, Regmed XB e Health Holland – foi possível apostar em técnicas inovadoras.
Máquinas, através das quais o sangue flui, mantém o coração batendo. O pesquisador conectou uma série de mangueiras ao coração, que lentamente levam sangue ao coração.
“Você já pode ver o coração contrair. Lentamente, você vê ele ganhar vida. No início, tenho que ajudar um pouco, porque o próprio coração não está bombeando o sangue. Eu massageio e sinto se o sangue esquenta uniformemente em todos os lugares”, disse Sjoerd van Tuijl ao empurrar o coração lentamente com o polegar.
Coração humano
O teste foi realizado no coração de um porco, mas o médico de coração e pulmão, Niels van der Kaaij, da Universidade de Utrecht na Holanda, espera manter o coração humano trabalhando mais tempo com uma máquina semelhante ainda este ano.
“Se conseguirmos manter os corações bem por mais tempo ou recuperá-los, isso pode ter grandes consequências para o número de doações de órgãos. Os corações de doadores poderão então vir para a Holanda do exterior”, prevê Niels van der Kaaij.
O especialista também quer usar essas máquinas para reparar corações humanos rejeitados.
“Cerca de 70 a 80% dos corações dos doadores hoje são rejeitados, porque, por exemplo, eles não funcionam corretamente ou danificam as válvulas cardíacas. Há uma grande escassez de corações adequados para os pacientes cardíacos que esperam por uma doação”, explicou Van der Kaaij.
Segundo o AD, em 2018, por exemplo, 121 pessoas estavam na lista de espera para um transplante de coração e 38 transplantes foram realizados na Holanda. Das 35.000 pessoas que chegam aos hospitais com um ataque cardíaco, a força para bombear o coração (insuficiência cardíaca) se deteriora de 1 em cada 3 deles. Um total de 240.000 pessoas na Holanda tem insuficiência cardíaca.
Para acelerar esse coração, Van Tuijl causa um choque elétrico. Dessa maneira, as células musculares do coração recebem um “reset” (redefinir) para acompanhar o ritmo correto. Apesar disso resolver, o pesquisador ainda não está satisfeito. Durante a primeira hora da cirurgia, ele utilizou o desfibrilador mais três vezes. O coração foi batendo mais e mais regularmente.
Esperança
Durante o experimento, Wouter Duinisveld (42), que ainda está vivo graças a um coração de um doador que recebeu há doze anos, ficou perplexo ao tocar e sentir o coração do experimento batendo. Foi seu desejo testemunhar a operação de recuperação do coração fora do corpo, realizada pelo pesquisador Sjoerd van Tuijl e sua equipe.
“Que legal! Incrível! Isso é lindo!”, disse Duinsveld espantado, enquanto o Dr. Van Tuijl guiava a mão do ex-paciente cardíaco até o coração.
“Sinta quanta força há. A força com a qual o coração está bombeando causa uma profunda impressão em Wouter. Primeiro você vê uma ‘pilha fraca de carne’, mas quando o coração faz seu trabalho, você sente a força como a do músculo do braço contraído”, enfatiza o pesquisador.
Graças ao coração de um doador, Wouter teve uma segunda chance na vida. Agora, ele é o pai feliz de Sophie (5) e Olivier (7) e até consegue completar triatlos inteiros com seu “novo” coração.
Ele aparenta ser um homem saudável. No entanto, a questão é quanto tempo seu coração continuará batendo.
“Em média, um coração doador trabalha por 12 a 15 anos. Então, estou chegando ao meu fim estatístico”, disse Wouter.
Além do prazo de um coração doador, os medicamentos que o receptor precisa tomar para evitar a rejeição afetam a resistência e outros órgãos.
“Se um colega tosse muito no trabalho, não vou a uma reunião. Para mim, gripe significa hospitalização. Se meu próprio coração puder ser reparado com essa técnica futurista, tipo Star Trek, eu adoraria realizá-la!”, comenta Wouter.
Vantagens
Os testes ainda estão ocorrendo no coração de um porco, que foi coletado na mesma manhã em um matadouro para consumo de carne.
“Se conseguirmos manter o coração fora do corpo por cerca de uma semana, poderemos experimentar novas técnicas e tratamentos para restaurar o coração”, disse o cirurgião cardíaco e pulmonar, Niels van der Kaaij.
Segundo Van der Kaaij, o fato desses reparos ocorrerem fora do corpo tem várias vantagens.
“É imediatamente visível qual o efeito de um tratamento, sem incomodar o paciente. Por exemplo, você pode administrar doses muito altas de medicamentos ao órgão que normalmente não administraria ao corpo humano por causa dos efeitos colaterais”, explica o cirurgião.
Se as operações fora do corpo também ocorrerem em corações humanos no futuro, esses pacientes cardíacos teriam que permanecer adormecidos por até 7 dias. Uma máquina coração-pulmão assumiria a função do coração.
“Também seria importante para um doador que não fosse o coração de outra pessoa que estivesse no gelo por 4 horas, mas que seu próprio coração pudesse ser restaurado por 7 dias com amor”, disse Carlijn Bouten, da equipe de pesquisadores e professora de tecnologia biomédica da Universidade Tecnológica de Eindhoven (TU).