Os resultados da educação brasileira são terríveis. Analfabetismos literário, matemático e científico são as competências que mais são desenvolvidas nos estudantes do sistema de ensino perverso que temos em nossa nação.
O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), realizado pela OCDE a cada três anos, nos mostrou, no relatório relativo a 2018, aquilo que já era latente em nossas salas de aulas e nos postos de trabalho: temos jovens incapazes de interpretar textos e situações de vida, sem conhecimentos básicos da realidade e com dificuldades de lembrar conceitos simples do saber científico.
Tais níveis educacionais não só aprisionam o brasileiro médio em sua miserabilidade socioeconômica, mas também ajuda a perpetuar a corrupção estrutural histórica do homem cordial, cirurgicamente delineado por Sérgio Buarque de Holanda.
As escolas brasileiras, tanto públicas quanto privadas, em sua maioria, são problemáticas e defasadas em seus meios e métodos.
Além dos altos índices de analfabetismo real e funcional, há também um analfabetismo cultural presente em nosso país.
Nossas escolas têm fracassado em educar efetivamente nossos alunos, tolhendo-os de colher os reais frutos de uma educação relevante.
Em “The Closing of the American Mind”, o filósofo americano Allan Bloom diagnostica essa iliteracia cultural através da falta de interesse e prática de leitura dos clássicos da literatura ocidental.
Os grandes livros são fundamentais para formação intelectual e do imaginário. Homero, Virgílio, Agostinho, Dante, Chaucer, Camões, Shakespeare, Cervantes, Machado, Lewis, Tolkien, Chesterton.
Gênios literários que nos falam até hoje, ainda que mortos, pelo aspecto perenal de suas obras, que definiram o pensamento civilizacional do ocidente, que foram abandonados e abolidos da nossa sala de aula para serem substituídos por livros inócuos e mal escritos, idiotizando propositalmente nossas crianças.
Grandes grupos milionários de educação, tomados por interesses escusos e metacapitalistas, aprofundam essa ignorância cultural de diversas formas, principalmente através de programas pedagógicos utilitaristas nas escolas – por vezes, através de ONGs –, além da proposição de um currículo fragmentado, não provendo uma correta percepção da realidade.
Por causa disso, o termo interdisciplinaridade se tornou um sonho utópico no meio escolar.
O ambiente escolar se esqueceu do que de fato significava a palavra grega que deu origem ao nosso equivalente a pedagogia, a Padeia.
De acordo como Werner Jaeger, em seu livro “Paideia: a formação do homem grego”, os gregos deram o nome de Paideia a “todas as formas e criações espirituais e ao tesouro completo da sua tradição, tal como nós o designamos por Bildung ou pela palavra latina, cultura”.
Daí que, para traduzir corretamente o termo grego Paideia, o filósofo alemão sugere que
“não se possa evitar o emprego de expressões modernas como civilização, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os Gregos entendiam por Paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global. Para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez.” (JAEGER, 1995:1).
A crise é iminente e alarmante, mas grande também é o número de soluções propostas. Gostaria de destacar três propostas que geralmente permeiam os clamores pela educação: reforma estrutural, reforma curricular e reforma moral.
É verdade que esses três vieses reformistas se confundem entre si e, por vezes, se complementam. Essa é, na verdade, uma divisão para fins didáticos do texto. Neste artigo tratarei mais aprofundadamente da reforma estrutural.
Os reformadores estruturais acreditam que as más administração e gestão das escolas são o fulcro do problema educacional brasileiro.
Como requisição majoritária, pedem mais investimentos na educação. Entretanto, nos parece que o aumento da injeção de capital não é suficiente.
No boletim legislativo n° 26, de 2015, divulgado pelo Senado Federal, mostrou que em 10 anos (entre 2004 e 2014) houve um aumento de 130% de investimento em educação, advindas da receita líquida do Tesouro.
Quando falamos de despesas do Governo Federal, foram gastos R$ 94.201,00 em 2014 contra R$ 24.453,00 em 2004, isto é, um aumento de 285% nos gastos públicos.
Mesmo diante de exponencial aumento de investimentos, o resultado do Brasil nas avaliações internacionais seguiu uma direção inversamente proporcional.
Em 2006, o Brasil figurava o 48° lugar em Leitura, 53° lugar em Matemática e 52° lugar em Ciências.
Nove anos depois, caímos para 59° em Leitura, 66° em Matemática e 63° em Ciências. Ou seja, mesmo investindo mais, o Brasil entropicamente piorou seus níveis estudantis.
A verdade é que, se excelência de gastos fosse definidor de qualidade, jamais conseguiríamos explicar escolas que possuem baixo orçamento, mas elevada qualidade acadêmica.
Neste ponto, o que se deve atacar é o excesso de burocracia, nos mais variados âmbitos, que impede a liberdade no processo educacional.
Junta-se nesse clamor financeiro outra importante questão: o salário dos docentes.
Argumenta-se que os baixos salários são um dos causadores do sucateamento da educação brasileira.
É fato que professores merecem melhores salários, principalmente quando levamos em conta a importância de seu trabalho.
Todavia, é uma falácia associar baixos desempenhos acadêmicos ao salário dos professores.
Jarkko Wickstorm, professor e pesquisador finlandês, que foi coordenador das relações de cooperação em educação e ciência entre Brasil e Finlândia, na embaixada finlandesa no Brasil (2016-2018), defende que a maior distinção do professor finlandês não é salarial, mas, antes, social.
O reconhecimento da importância e centralidade do professor na sociedade finlandesa fez com que a educação da Finlândia figurasse entre as mais proeminentes do mundo.
Em sua entrevista à revista Nova Escola, em janeiro de 2019, o representante da Finland University na América Latina disse que os salários dos docentes finlandeses são medianos e, por vezes, mais baixos que em outros países europeus, não dando “para viver uma vida de luxo, mas o básico é bem confortável”.
Wickstorm diz que uma capacitação acadêmico-intelectual é mais útil que um simples aumento salarial.
Sua defesa é que, à medida que a capacitação vem acompanhada de bons cursos de formação de professores e reconhecimento social, o aumento salarial é consequência.
A questão é que, para dar confiança aos professores, você precisa treiná-los bem: “(…) Se você os treinou bem, eles merecem um salário melhor e, com isso, a profissão torna-se mais atrativa”.
A questão salarial não pode ser a força motriz da prática docente.
Se a motivação é salarial, perder-se-á de vista qual é o fim da educação.
Se reduzirmos a discussão somente ao salário, atacaremos um sintoma, mas não a doença.
Um corpo de professores de qualidade não é movido somente pela questão salarial, antes entende que seu ofício excede aos meros vínculos empregatícios e contratuais.
Professores que condicionam seu desempenho ao valor do seu salário se tornam simples assalariados, que nada se esforçam por seus alunos, tonando-se medíocres e réprobos no exercício do magistério.
Vemos, assim, que uma reformar estrutural e burocrática, apesar de necessária, não é suficiente para dar conta das demandas e problemas que nossa educação brasileira apresenta.
No próximo artigo, trataremos da proposta reformacional do currículo.