O movimento da Educação Clássica tem crescido no Brasil nos últimos anos. Diante dos resultados pífios e infames da educação moderna, começou-se um movimento de busca de modelo educacional que desse conta das demandas pedagógicas, mas também humanas da educação de nossos jovens. Nesse movimento, alguns educadores, entre os quais me incluo, passaram a olhar para a história da educação e ver o que separava nossos alunos atuais de Mozart e Santo Agostinho de Hipona.
Na raiz do problema, como identificou pioneiramente Dorothy Sayers em seu ensaio “The Lost Tools of Learning” em 1947, está o abandono de uma educação pautada nas Sete Artes Liberais (Gramática, Lógica, Retórica, Aritmética, Geometria, Música e Astronomia). O que nos separaria das grandes mentes da humanidade, segundo a brilhante escritora inglesa, seria a percepção da realidade a fim de alcançarmos a transcendência, pela compreensão da Verdade, da Beleza e da Bondade, conceitos morais pétreos para nossa sociedade. A partir desse brilhante opúsculo, Sayers despertou gerações de educadores compromissados a retornar à educação clássica, que, em essência, significa também autoeducação, pois, através das artes liberais, fornecemos as ferramentas necessárias para aprender a aprender.
Apesar do despertar causado pelo texto de Dorothy Sayers, somente a partir da década de 1980 começaram a surgir, nos Estados Unidos, escolas intencionalmente baseadas nas Artes Liberais e compromissadas com uma educação intencionalmente clássica. (É bem verdade que antes disso já havia algumas poucas escolas que ainda mantinham um compromisso com um currículo clássico, mas eram verdadeiros oásis em um colossal deserto educacional mundial). A partir de então, educadores começaram a aplicar o que os grandes livros da humanidade diziam e a construir definições claras do que seria uma educação de fato clássica. A primeira coisa que perceberam foi que uma educação clássica deve ser necessariamente cristã, pois a tradição clássica só fora mantida viva pelo zelo da Igreja de Cristo. Além disso, foram homens como Santo Agostinho e Cassiodoro que organizaram as Artes Liberais tal qual conhecemos hoje. Em segundo lugar, entenderam que ser clássico é ter consciência – e gratidão, é verdade – à herança civilizacional do Ocidente. Nas palavras do Dr. Douglas Wilson, “o educador clássico é aquele que mantem um bom diálogo com os clássicos grandes livros de nossa civilização”. Para tanto, percebeu-se uma necessidade de inserir no currículo escolar uma análise de tais obras que, apesar de sua distância temporal, ainda falam a nós. A percepção é de que, segundo o professor Joshua Gibbs, esses livros carregam certa centelha divina de eternidade, uma vez que continuam a ditar como devemos viver através dos tempos.
Se buscamos uma definição dicionarizada de Educação Cristã Clássica, o Dr. Christopher Perrin, a quem considero a maior autoridade viva em Educação Clássica, escreveu tal verbete: “A Educação Cristã Clássica está enraizada na civilização e cultura ocidentais, desenvolvida pela Igreja, fundamentada na piedade e governada pela teologia, empregando um currículo histórico e a pedagogia das sete artes liberais, a fim de cultivar homens e mulheres caracterizados pela sabedoria, virtude e eloquência”. Ou seja, tal educação dever fundar-se, portanto, na realidade e destinar-se a prover a transcendência, visando educar pela elevação dos níveis de consciência existencial. Kevin Clark e Ravi Jain, nobres amigos do The Geneva School (Orlando, Flórida), definiram educação clássica como sendo fundamentada na piedade e que se propõe à transmissão da cultura da Igreja, através de um corpo docente que ama a verdade e cultiva as virtudes no estudante como um todo (levando em conta sua razão, suas emoções e suas volições), além de nutrir seu amor pela sabedoria e seu serviço fiel a Cristo. Assim, percebemos que a Educação Clássica está ligada ao estudo da herança da cultura Ocidental, para moldar corações a partir do cultivo das virtudes, tal qual defendeu o bispo de Hipona em seu livro Cidade de Deus – Ordo amoris, a ordenação dos afetos.
Educação Cristã Clássica tem como objetivo principal, de acordo com C. S. Lewis, em seu aclamado livro “A abolição do homem”, transmitir humanidade para os homens. De acordo com a cosmovisão cristã, o que nos faz humanos, originalmente, é o fato de termos sido feitos à imagem e semelhança de Deus, que é o que nos atribui dignidade intrínseca. Sendo assim, mas parecidos com Deus, contemplaremos a beleza eterna de Deus no espaço-tempo: a Criação. Ora, a Criação revela a Verdade, a Beleza e a Bondade de Deus e, portanto, as Artes Liberais, de acordo do o Dr. Steve Turley, nos servem de lente pelas quais podemos ler corretamente as impressões de Deus na natureza e nos homens. Através destas coisas, compreendendo corretamente a Deus, o próximo e o mundo, o qual devemos subjugar e desenvolver cultura de acordo com Gênesis 2:15, passaremos a estudar de fato e a pensar corretamente. Pensando corretamente, seguiremos Deus à risca, como diz o padre Sertillanges, e aprenderemos a amar o que é amável; a educação, em suma, se torna um ato de amor.
Haja vista as considerações acima, podemos ver que a Educação Clássica é totalmente contrária aos princípios históricos, filosóficos, sociológicos, psicológicos e pedagógicos da educação moderna e extremamente necessária para os nossos dias. Em tempo oportuno, permitindo Deus, iremos traçar um traço comparativo entre a educação moderna e a educação clássica. Por ora, convém que saibamos que a Educação Cristã Clássica é conjugação da tradição dos grandes livros e da pedagogia das Sete Artes Liberais. Por tradição, fico com a definição de Chesterton, em Ortodoxia: “A tradição pode ser definida como uma extensão do direito de voto, pois significa, apenas, que concedemos o voto às mais obscuras de todas as classes, ou seja, a dos nossos antepassados. É a democracia dos mortos. A tradição se recusa a submeter-se à pequena e arrogante oligarquia daqueles que parecem estar por aí meramente de passagem. Todos os democratas protestam contra o fato de o nascimento estabelecer diferenças entre os homens, a tradição opõe-se a que tais diferenças sejam estabelecidas por razão de sua morte. A democracia nos diz que não devemos desprezar a opinião de um cavalheiro, mesmo que ele seja o nosso cavalariço; a tradição nos pede que não desprezemos a opinião de um cavalheiro, mesmo que ele seja o nosso pai. Não posso, de forma alguma, separar essas duas ideias de democracia e tradição, pois me parece evidente que ambas representam a mesma ideia. Os mortos têm de estar presentes nos nossos conselhos. Os antigos gregos votavam por meio de pedras; os mortos devem votar por meio de pedras tumulares. É tudo muito regular e oficial, pois a maioria das sepulturas, como a maioria das listas de votação, são marcadas com uma cruz”.