Pequenos produtores participaram do 1º Encontro de Bioeconomia e Sociobiodiversidade da Amazônia, realizado em Manaus.
Por trás de cosméticos e outros produtos naturais que abastecem uma variada rede de consumidores no Brasil e no mundo, há uma cadeia produtiva longa e ainda invisível. Da extração da matéria-prima na floresta até a elaboração do produto final para comercialização, o processo é garantido pelo envolvimento de centenas de famílias da Amazônia que desejam aumentar a visibilidades desses produtos.
Sementes de cumaru, andiroba, copaíba, resina de breu são alguns dos produtos extraídos na mata e que seguem em direção à indústria. É da extração dessas matérias-primas que sobrevivem as comunidades ribeirinhas de Silves, município amazonense situado a cerca de 250 quilômetros de Manaus.
Com aproximadamente nove mil habitantes que vivem rodeados por lagos amazônicos e floresta de várzea, o município reúne mulheres extrativistas que produzem sabonetes, óleos essenciais, incensos e velas aromáticas com produtos da biodiversidade da região.
Da produção regional de cosméticos naturais, nasceu a Associação Viva Verde da Amazônia (Avive), fundada em 1999 e formada somente por mulheres. Em Silves, o IBGE identificou mais de 500 estabelecimentos rurais, sendo que 30% deles são liderados por mulheres.
Uma das integrantes da Avive é Joyce de Almeida, 41 anos, três filhos. Seguindo o caminho de sua mãe, uma das sócias fundadores da associação, Joyce se dedica há pelo menos 18 anos ao trabalho de beneficiamento da matéria-prima recebida das comunidades.
“No começo, a associação foi criada para funcionar como farmácia verde com remédios naturais, mas, devido à burocracia, resolvemos produzir cosméticos”, conta Joyce.
Com a demanda crescente, o trabalho com os cosméticos avançou e este ano a associação instalou uma fábrica para beneficiar os produtos antes feitos manualmente. A indústria é administrada pela Cooperativa de Produtos Naturais da Amazônia (Copronat), que tem mais de 40 produtores cooperados.
“Na cooperativa, a gente trabalha desse jeito: se tem demanda de produtos, eles chamam e fazem um rodízio pra beneficiar cada cooperado. Em termos de matéria-prima, a gente compra das comunidades. Aqui são mais de 144 famílias que vendem os produtos, como andiroba, copaíba, resina de breu, cumaru”, diz Joyce.
As famílias fornecedoras são cadastradas e recebem cursos de capacitação e assistência técnica. Nas comunidades extrativistas, também foram construídos polos de armazenamento do material antes de ele ser processado na indústria.
Segundo Joyce, as famílias fornecem por ano mais de 660 litros de essência de copaíba e andiroba. No caso do cumaru, são mais de 200 quilos de sementes por mês, porque o fruto só dá uma vez por ano.
Com a instalação da fábrica e dos polos extrativistas, os cooperados esperam ampliar a produção e conquistar novos mercados.
“Antes da fábrica, a gente chegou a fazer ter mil sabonetes no mês, manual, agora tem maquinário que dá pra fazer o dobro”, comenta Joyce.
A Copronat já vende para os estados de São Paulo, do Rio de Janeiro e Paraná, além de alguns países europeus, como a Alemanha. A produtora, no entanto, espera mais valorização para os empreendedores da floresta.
“A gente tem um trabalho muito grande de ir na floresta, trazer a matéria-prima, e, às vezes, os brasileiros acham o produto caro, porque não sabem o valor que tem. Levam nossos produtos para a Europa e pra lá é caríssimo. Por que não se espalha aqui no Brasil para ajudar os ribeirinhos?”, questiona Joyce.
Em busca de novos mercados
A quase 900 quilômetros de distância de Silves, o município de Lábrea também abriga uma associação que se dedica há mais de 20 anos a processar produtos amazônicos extraídos por ribeirinhos. A Associação de Produtores Agroextrativistas da Colônia do Sardinha (Aspacs) tem cerca de 40 filiados e 80 fornecedores de matéria-prima dos municípios da calha do rio Purus.
A maior parte dos produtores vive nos municípios de Pauini, Lábrea e Canutamã, onde estão 70% dos fornecedores. A associação também recebe produtos de extrativistas indígenas da etnia Apurinã, situados na região do rio Jamari.
De frutos como andiroba, copaíba, murumuru, buriti, a Aspacs produz pomadas, sabonetes, velas, entre outros produtos cosméticos, mas o carro-chefe são os azeites de castanha e outras sementes.
“As famílias extraem e também fazem uma boa parte do preparo, como no caso da borracha. E a parte da indústria, para extração do óleo, prensagem a frio, fica na usina em Lábrea”, explica Mateus Soares Neto, representante da Aspracs.
O produtor destaca que o material produzido na associação atende ao nicho da gastronomia, além da rede de cosméticos.
“Nossos amanteigados não são à base de lactose. A manteiga do cupuaçu, do murumuru, do tucumã são riquíssimas em betocaroteno e tem potencial de reduzir manchas da pele. E elas são comestíveis também em frituras de carnes, ovo, para dar aquele aroma nos pratos”, disse Soares Neto.
Os produtos são vendidos na região amazônica e para restaurantes de São Paulo e Rio de Janeiro. Entretanto, os produtores de Lábrea também querem expandir as vendas para agroindústrias nacionais e abrir espaço em outros países.
Para aumentar a produção e atender as exigências do mercado internacional, Mateus relata que a associação está trabalhando para atrair mais fornecedores e mobilizar os extrativistas da região. Segundo ele, os extrativistas consideram importante ter um selo para identificar produtos das regiões amazônicas, como Alto Rio Negro, Japurá, Alto Amazonas, Médio Solimões, Baixo Amazonas, Juruá, Javari, Purus, Madeira, Tapajós, do Xingu e Trombetas.
“Estamos tentando criar uma liga de extrativistas para unificar as demandas, porque ficamos isolados de Manaus, que tem 90% da economia do estado. Achamos que também podemos nos encaixar nas exigências dos mercados internacionais. Por isso, é importante ter esse selo de identificação, para o consumidor saber que o produto vem da Amazônia”, afirmou Mateus Soares Neto.
Os produtores da região também reivindicam melhorias na logística da região para escoar os produtos, além de subsídios financeiros, sociais e apoio técnico científico para continuarem a produzir de forma sustentável, mantendo a floresta em pé. O objetivo é aproveitar o potencial da bioeconomia da região para aumentar a renda e qualidade de vida das famílias extrativistas.
“O produto tem a qualidade e a pureza da Amazônia. A evolução do agroextrativismo precisa chegar nos municípios produtores. Aquele cara que está lá subindo no pé, colhendo e colocando o produto no cesto precisa de de investimento e valorização”, comentou Soares Neto.
Encontro
As demandas dos produtores agroextrativistas foram apresentadas durante o 1º Encontro de Bioeconomia e Sociobiodiversidade da Amazônia, realizado nos dias 12 e 13 de novembro, em Manaus.
Organizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por meio da Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo, o evento reuniu na capital amazonense especialistas de várias instituições para discutir formas de fortalecimento das cadeias produtivas da bioeconomia.
Com informações, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.