Desde que deixou a presidência da República há oito meses, Michel Temer orgulha-se de frequentar os restaurantes preferidos de São Paulo sem sofrer uma única vaia.
O ex-mandatário afirma que as pessoas preferem elogiar os dois anos e seis meses em que ficou na chefia do governo. Afinal, ele sucedeu a petista Dilma Rousseff que lhe deixou como herança o caos administrativo, a pior recessão da história e 13 milhões de desempregados.
Em entrevista à Istoé, o ex-presidente comentou sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro.
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Até aliados de Bolsonaro têm dito que o presidente perde-se em discussões ideológicas. O senhor entende que isso pode atrapalhar o governo?
Cada um tem seu estilo. O presidente Bolsonaro ainda não cumpriu nem um sexto de seu mandato. O primeiro ano de governo é sempre uma coisa complicada. Basta ver o histórico de todos os outros ex-presidentes. O meu primeiro ano foi um pouco diferente, porque quando cheguei ao governo, pela via constitucional, eu tinha um programa de governo, que era a Ponte para o Futuro, levada adiante pelo ministro Moreira Franco. Fizemos aquele documento como colaboração ao governo do qual eu era o vice-presidente, mas curiosamente foi tomado como gesto de oposição e até foi uma das razões que levaram ao afastamento da presidente Dilma. Mas, quando cheguei ao governo, já tinha um planejamento. Eu sabia o que fazer. Meu primeiro gesto ousado foi o Teto de Gastos. Numa reunião do Conselho Econômico e Social alguém me disse: presidente aproveita a sua impopularidade e faz o que é preciso. Foi o que fiz.
O senhor pode recordar algumas dessas iniciativas?
Encaminhei a reforma da Previdência, fiz a reforma trabalhista, a reforma do ensino médio, as privatizações, a recuperação das estatais, a queda da inflação, dos juros, a retomada da economia. Convenhamos, fizemos muito. Quando chegamos ao poder, não houve nem transição. Não havia nada em pé. Já com o presidente Bolsonaro foi diferente: ele foi eleito com uma votação significativa, embora lamentavelmente o País continue dividido, o que atrapalha muito o governo. Ele ainda tem pouco tempo de governo. Precisamos dar um tempo a ele. Se daqui a um ano a situação continuar dramática, aí sim poderemos dizer que o governo não deu certo.
Como o senhor vê a beligerância que o Brasil tem adotado para com países parceiros, como Alemanha, Noruega, França e até a China?
Não é útil para o País. Ainda durante a transição, o presidente Bolsonaro me fez uma visita e pediu que lhe desse alguns conselhos. Eu disse: se quiser, eu lhe dou uns palpites. O primeiro que eu lhe dei foi na questão internacional. Falei: a China é nosso maior parceiro comercial e os Estados Unidos o segundo. Temos que ter com eles uma política multilateralista e não unilateralista. Foi o que sempre preguei nos meus discursos na ONU e em Davos. O que eu vejo é que ele tem uma certa dificuldade de conduzir esse processo.
Por exemplo?
Vamos tomar o caso da nomeação do seu filho para a embaixada em Washington. Ele pode fazê-lo sem problemas. As relações pessoais são importantíssimas. No meu tempo, eu tinha uma relação pessoal muito fértil com o presidente chinês, Xi Jinping, e com o presidente Putin, da Rússia. Quando surgiu aquela questão da Carne Fraca, que pôs em xeque nossa produção de carne, eu falei com Xi Jinping e também com Putin e eles mantiveram seus contratos com o Brasil. Aquilo durou uma semana e desapareceu. A relação pessoal é muito importante. No caso da nomeação do Eduardo Bolsonaro é interessante ver que o presidente tem uma boa relação com o presidente Trump e alardeia que o filho também tem essa boa relação. Isto pode ajudar o Brasil. É claro que ainda vai ter que ser aprovado no Senado, mas não quero criticar esse gesto do presidente.
Há nepotismo nesse caso?
Não quero aparecer nesta entrevista como alguém que defende ou não defende o governo. Eu quero aparecer como alguém que defende a Constituição. Segundo a Constituição, um embaixador é equivalente ao ministro de estado. Então, é equivocado dizer que há nepotismo.
Como o senhor viu o embate com o presidente francês Emmanuel Macron, no qual ele chegou a ofender a primeira-dama Brigitte Macron?
Não foi útil para o País. A França é grande parceira do Brasil, sobretudo no caso do acordo do Mercosul com a União Europeia. Bolsonaro saiu do plano institucional e foi para o plano pessoal.
A crise com a Alemanha e França foi originada pela questão do desmatamento e das queimadas na Amazônia. O senhor acha que o governo foi negligente?
Houve muito falatório. Se eu estivesse lá, faria o que o presidente Bolsonaro acabou fazendo dias depois: mandar o Exército para a região para solucionar o problema. Incêndio sempre houve nesta época do ano. O presidente tinha mesmo que mandar combater o fogo e dizer internacionalmente que a Amazônia é nossa, mas a região também interessa à toda a humanidade. O Brasil deveria ter evitado entrar em disputas verbal, bate-boca, o que não foi útil para o Brasil.
O que o senhor achou de o presidente não reconhecer os números do Inpe sobre o aumento dos desmatamentos e ainda demitir o diretor do órgão?
Foi um debate desnecessário. Num dado momento, ele verificou que o caminho que estava tomando não era o mais adequado. Fala-se que foi um recuo, mas recuo é uma coisa democrática. Se em dado momento você percebe que não está no caminho certo e toma outra direção, é uma coisa democrática. Os ditadores é que não recuam. No meu tempo, eu tomava as atitudes e isso pacificava as coisas. Cada um tem seu estilo. O do Bolsonaro é pelo enfrentamento.
Está faltando gestos de pacificação por parte do presidente?
Durante o meu governo, não tinha essa história do nós contra eles. Não tem que ser brasileiro contra brasileiro. Tem que ser brasileiro com brasileiro. Eu pregava a pacificação. Nessa questão da pacificação, vimos que o governo tentou um pacto nacional, com os líderes do Congresso e do Judiciário, mas não deu certo. Há um equivoco em relação à ideia de pacto. O que eu escrevi recentemente num artigo foi a defesa do Pacto do Alvorada, parecido com o Pacto de Moncloa. Mas, para isso, é preciso trazer para a mesa empresários, governadores, sindicalistas e até a oposição. Dizer a todos: precisamos trabalhar para o crescimento do país. Não precisamos que todos tenham as mesmas ideias. Podem ser divergentes. Mas quando falamos em crescimento e desenvolvimento do país, precisamos ter unidade. Todos têm que se unir, inclusive a oposição. O presidente pode fazer esse chamamento.
Ele precisa descer do palanque?
Está faltando exercer plenamente a Presidência. Não dá para continuar com essa raivosidade que se instalou no País. Hoje tem muita gente com teorias punitivistas. No meu episódio, tudo derivou dessa teoria punitivista: temos que ter a punição a qualquer custo. E aí cometeram atrocidades. Há duas espécies de sequestro. O sequestro criminoso e o sequestro amparado pela lei. Eu fui vitima de dois sequestros, supostamente amparados pela lei. E depois nem amparados pela lei o foram. Tanto que o STJ, por unanimidade, ao me conceder o habeas corpus, deixou claro que essas coisas não podiam ter acontecido. No tocante à pacificação, o presidente poderia chamar todo mundo para conversar, inclusive a oposição.
O presidente Bolsonaro tem condições de fazer esse chamamento?
O sentido de oposição na democracia é ajudar a governar. Criticando, você dá rumo para quem governa. Nas questões que não são de governo, mas de Estado, a oposição tem que colaborar. O presidente tem condições de fazer um pronunciamento pela televisão, convocando o Brasil para esse acordo pela paz. Não dá é continuar permanentemente dividindo o País. Ele deveria ter a percepção que não será ruim para o País um clima de pacificação. Eu tive uma oposição feroz, mas nunca respondi aos ataques.
O senhor chegou a enfrentar o Fora-Temer.
Mas depois acabou virando o Fica-Temer. E olha que eu recebi uma oposição muito feroz de alguns agentes do Ministério Público, especialmente do ex-procurador-geral da República, o Rodrigo Janot, que me denunciou sem provas, sem comprovação, sem documentos, sem nada de concreto, no caso da JBS. Alguns pleitearam minha renúncia, como o próprio procurador-geral, e eu disse: não vou renunciar porque senão me declaro culpado. Ilação por ilação, eu poderia fazer várias, inclusive contra o procurador-geral, mas não sou irresponsável.
O governo fala em recriar a CPMF. O que o senhor acha disso?
Acho que a reforma tributária é importante, pois a desburocratização tributária vai facilitar os investimentos. Se houver aumento da carga tributária vai gerar uma instabilidade muito grande, sobretudo para novos investimentos.
Como o senhor avalia as situações de abuso de autoridade que estão acontecendo em diversos segmentos da sociedade?
Devemos colaborar para que não haja abuso de autoridade. O que eu tenho dito com freqüência é que estamos em um sistema em que as pessoas, ao assumirem o poder, acham que têm uma autoridade emanada da vontade divina. Tal como um monarca. E não é só em relação ao chefe do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. Lamentavelmente, ocorre em todos os setores. Mesmo nos setores secundários, o que há é uma intensa luta para adquirir poder. E acaba-se descumprindo o texto constitucional.
Dizem que a Lava Jato feriu alguns desses limites e o próprio presidente afirmou ter sido atingido por abusos do Ministério Público. Como o senhor vê essas questões?
A Lava Jato e o combate à corrupção não precisavam de lei. Basta cumprir a Constituição. Como constituinte, trabalhei para que o Ministério Público tivesse as funções que tem hoje. Se deu ao MP um poder extraordinário. Lamento dizer que isso foi interpretado como independência individual, como se cada membro do MP pudesse fazer o que bem entendesse. Basta ver o que aconteceu comigo.