O governo Lula acionou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para investigar refinarias privatizadas durante a gestão Bolsonaro.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, solicitou que os órgãos apurem possíveis aumentos abusivos de preços e práticas anticompetitivas dessas unidades. Em contrapartida, a associação que representa as empresas privadas acusou a Petrobras de monopolizar e distorcer o mercado.
Segundo a Federação Única dos Petroleiros (FUP), que apoia a iniciativa do MME, a solicitação de Silveira foi acompanhada de uma nota técnica indicando que refinarias privatizadas, como a Refinaria de Manaus (Reman), têm aplicado preços superiores aos de outros fornecedores e acima do preço de paridade de importação.
“O principal objetivo foi solicitar ao Cade, no âmbito das competências legais e regimentais, que adote providências contra eventuais práticas anticoncorrenciais em refinarias do país”, declarou o MME em nota.
A Refina Brasil, associação que representa as refinarias privadas, argumenta que os preços praticados por suas unidades são mais elevados devido ao monopólio da Petrobras no mercado. A entidade alega que a estatal vende petróleo a preços abaixo do mercado internacional, mas apenas para suas próprias refinarias.
Evaristo Pinheiro, presidente da Refina Brasil, explicou que, quando a Petrobras se recusa a vender petróleo para as refinarias privatizadas, estas são obrigadas a importar o insumo, o que aumenta os custos, já que o petróleo é adquirido a preços internacionais.
“Não comprar o petróleo brasileiro já me deixa menos competitivo. Isso não seria um problema se a Petrobras não dominasse tanto o fornecimento de petróleo quanto o segmento de refino no país. Com essa situação, ela me força a seguir seus preços, mas sem a mesma estrutura, já que suas refinarias têm acesso a custos de compra mais baixos”, afirma Pinheiro.
“Eles invertem a lógica ao nos acusarem de vender mais caro. É claro que nossos preços são mais altos, e mesmo assim, sofro prejuízos porque a Petrobras está praticando atos anticoncorrenciais”, acrescenta o dirigente.
Governo Lula quer reestatizar refinarias “de graça”, diz especialista
O governo Lula já manifestou interesse em reestatizar todas as refinarias do país. Das 13 unidades que a Petrobras possuía, a de Manaus e a da Bahia foram vendidas durante o governo anterior, enquanto a venda de uma refinaria no Ceará foi cancelada pela estatal após a posse do atual governo.
As negociações para a readquisição da Refinaria Landulfo Alves (RLAM), agora conhecida como Refinaria de Mataripe, na Bahia, estão em estágio avançado. Vendida pela Petrobras em 2021 por US$ 1,65 bilhão para a Acelen, pertencente ao fundo árabe Mubadala, a refinaria é um dos alvos do processo de reestatização. A Refinaria de Manaus (Reman) foi vendida em 2022 para o grupo Atem.
De acordo com a Federação Única dos Petroleiros (FUP), a privatização dessas duas refinarias resultou em uma queda na produção de derivados de petróleo, o que aumentou a necessidade de importação de gás de cozinha e diesel para atender o mercado interno.
Adriano Pires, diretor e fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), critica o movimento do governo Lula, que ele vê como uma pressão para que as empresas privatizadas vendam suas refinarias a preços muito abaixo do valor de mercado.
Pires argumenta que, embora as empresas privadas possam optar por vender suas refinarias, especialmente considerando a insustentabilidade do modelo misto atual, é fundamental que a compra seja justa:
“Se [o governo] quer comprar, quer que tudo seja da Petrobras, ok, paga o valor que vale [a refinaria]. É um modelo ruim, um grande retrocesso, controlar o preço. Vemos pelo que deu no passado. Agora, pressionar para comprar na ‘bacia das almas’, é um absurdo”, afirmou o especialista.
Com décadas de experiência no mercado petrolífero, Pires acredita que o modelo atual, onde refinarias privatizadas importam petróleo, é insustentável a longo prazo. Para ele, o país deve optar por uma reestatização completa ou uma privatização total, evitando a manutenção de um modelo misto.
“Embora, a partir do momento o Cade que rasgou o TCC, essa decisão já está tomada. Então, é melhor comprar logo as privadas, mas por um preço justo, não pressionando para ser de graça”, aponta.
Adriano Pires faz referência ao termo de compromisso de cessação (TCC) firmado em 2019 com o Cade, que obrigava a Petrobras a vender oito refinarias. O objetivo, na época, era estimular a concorrência no setor. No entanto, apenas três dessas refinarias foram negociadas, enquanto cinco permaneceram sob controle da estatal.
Em novembro de 2023, o então presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que o Cade nunca conseguiu comprovar o domínio da empresa sobre o mercado e solicitou a revisão do termo. O pedido foi atendido, e em maio deste ano, o Cade liberou a Petrobras da obrigação de vender as refinarias restantes.
A decisão do Cade gerou críticas no mercado, sendo vista como contraditória. “Como o mesmo Cade, que aponta indícios de problema na concorrência, concorda em paralisar a venda das demais refinarias que estavam pactuadas?”, questiona Evaristo Pinheiro, presidente da Refina Brasil.
“O governo tem que entender que o Cade é para defender a concorrência. Acho que não está entendendo que a refinaria privada tem que cobrar mais caro porque compra petróleo mais caro do que a Petrobras cobra para as refinarias dela”, corrobora Pires.
Procurado pela reportagem, o Cade não deu resposta até a publicação desta matéria.
Petrobras diz que considera “custo alternativo do cliente” e valor marginal para definir preços
Desde maio de 2023, a Petrobras adota um modelo de precificação baseado em duas referências de mercado: o “custo alternativo do cliente” e o valor marginal para a própria estatal. Segundo a Petrobras, essa nova estratégia comercial visa incorporar “as melhores condições de produção e logística para definir os preços da gasolina e do diesel” vendidos às distribuidoras.
Em relação às questões concorrenciais, a empresa afirmou à Gazeta do Povo que seus preços seguem “o ambiente no qual a companhia está inserida, os condicionantes legais e a lógica econômica do mercado brasileiro, onde, desde 2002, vigora o regime de livre competição, no qual cada agente define suas próprias condições e periodicidade de reajustes”.
De acordo com a Petrobras, o custo alternativo inclui as principais opções de suprimento, considerando tanto fornecedores dos mesmos produtos quanto de produtos substitutos. O valor marginal, por sua vez, é calculado com base no custo de oportunidade, que abrange diversas alternativas disponíveis para a companhia.