A Medida Provisória 1.232, que beneficia uma empresa dos irmãos Wesley e Joesley Batista, deve aumentar a conta de luz principalmente para a população de baixa renda e consumidores industriais do Norte e Nordeste. A conclusão é de um estudo da TR Soluções, empresa de tecnologia especializada no setor elétrico.
O aumento estimado pela TR Soluções pode chegar a R$ 600 milhões em 2024, com impacto pelos próximos cinco anos. O encarecimento resulta das mudanças nas regras de rateio da energia e da transferência de dívidas da companhia dos irmãos Batista para a população.
A empresa, chamada Âmbar, comprou 13 usinas da Eletrobras, sendo 12 no Amazonas, em uma aquisição sob análise do Tribunal de Contas da União (TCU). Com a MP, os débitos dessas usinas serão repassados aos consumidores, em vez de serem pagos pela Âmbar.
A compra das 13 usinas foi anunciada em 7 de junho. Dois dias depois, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), ocupando interinamente a Presidência da República durante viagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assinou a medida provisória.
A compra seguida da MP chamou a atenção da imprensa, levando o TCU a solicitar esclarecimentos sobre possíveis vantagens à Âmbar e prejuízos à população.
A MP 1.232 determina que a dívida das usinas no Amazonas seja paga por meio de Contratos de Energia de Reserva (CER), que são rateados entre todos os consumidores.
A medida provisória também prorrogou por 120 dias o prazo para a Amazonas Energia registrar perdas sem punição. Com isso, a Eletrobras evitou uma inadimplência bilionária e os irmãos Batista conseguiram uma compensação única para o negócio.
População de baixa renda é afetada
O país possui um fundo chamado Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), utilizado para subsidiar fontes de energia renovável, universalização da energia e a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), entre outras finalidades. Esses subsídios representam mais de 13% da conta de luz de cada consumidor.
A MP 1.232 altera a composição da CDE, afetando o orçamento da CCC e os custos com o Encargo de Energia de Reserva (EER). A CCC, que varia conforme a região e o nível de tensão, não é cobrada dos consumidores beneficiados pela tarifa social. O EER, no entanto, é rateado com base no mercado consumidor e cobrado da população de baixa renda.
“A mudança de rateio provocada pela MP é mais acentuada para quem hoje tem desconto pela tarifa social,” diz Helder Sousa, diretor de Regulação da TR Soluções. “Embora a CCC tenda a diminuir com as mudanças na legislação, o EER deve subir.”
Segundo o estudo, estima-se uma elevação de 26% no EER e uma redução de 31% no orçamento da CCC. Os consumidores mais afetados seriam aqueles conectados à alta tensão e em distribuidoras ou transmissoras no Norte e Nordeste. O cálculo usou como base o orçamento de 2024 para a receita fixa de ambos.
O estudo da TR Soluções aponta que, com a conversão dos contratos em CER, esses consumidores perceberão um custo adicional de R$ 5,38 a R$ 7,45 por megawatt-hora (MWh) em suas tarifas de energia.
Governo e empresa negam favorecimento
Representantes da Âmbar teriam sido recebidos 17 vezes no Ministério de Minas e Energia (MME) antes da compra e da MP, segundo informações obtidas pelo jornal “O Estado de S. Paulo” via Lei de Acesso à Informação. A última visita não consta na agenda pública do ministro Alexandre Silveira.
Silveira negou que a Âmbar tenha recebido informações privilegiadas e também negou ter tido encontros informais com representantes da empresa.
A Âmbar Energia considera descabidas as suspeitas de favorecimento e afirma que o negócio com a Eletrobras não envolve a dívida da Amazonas Energia, além de não ter tratado do tema com o MME.
“A Âmbar realizou um negócio privado, com uma empresa privada, após um acirrado processo competitivo que envolveu propostas vinculantes de diversos grupos econômicos, dada a atratividade dos ativos ofertados. A Âmbar adquiriu os ativos sem caixa e sem dívidas. A transação também não envolve ações nem da Âmbar nem da Eletrobras,” disse a empresa em nota.
TCU cobra explicações e AGU pede que ministério suspenda acordo com a Âmbar
Há duas semanas, o ministro Benjamin Zymler, do TCU, determinou que o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) esclareçam a negociação da compra das 13 usinas em 2024. O tribunal também pediu uma avaliação das irregularidades nos contratos de energia de reserva entre o MME e a Âmbar Energia, considerados “supostamente lesivos ao interesse público”.
Um dos contratos em questão refere-se à aquisição, pela Âmbar, de quatro projetos de usinas termelétricas da deficitária Amazonas Energia em 2021, durante a crise hídrica. As usinas não ficaram prontas até maio de 2022. Em vez de rescindir o contrato e aplicar uma multa de R$ 6 bilhões, ele foi mantido e a empresa terá de pagar apenas R$ 1,1 bilhão. O TCU pede que o MME rescinda o contrato com a Âmbar.
Em paralelo, a Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou ao Ministério de Minas e Energia a suspensão do acordo com a Âmbar para a compra de 13 usinas neste ano.
O advogado da União Rogério Telles Correia das Neves citou uma manifestação do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público junto ao TCU. Furtado solicitou que o TCU suspenda o acordo, mencionando suspeitas de “movimentos do poder público que estariam beneficiando a empresa Âmbar (…) e podem estar atentando contra a isonomia com outras empresas do setor (…) e acarretando prejuízos aos consumidores de energia elétrica que, ao final, são os que pagam as contas”.