A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados pretende aproveitar a discussão sobre a regulamentação da reforma tributária para propor a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF).
A decisão foi anunciada pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP), integrante do grupo de trabalho que analisa o projeto de lei complementar (PLP) 108/2024, que aborda o funcionamento do Comitê Gestor do Imposto de Bens e Serviços (IBS).
O projeto também prevê alterações no Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), de competência estadual, e no Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos (ITBI), de competência municipal. Segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a proposta deve ser votada em agosto, após o recesso parlamentar.
No relatório final apresentado com um substitutivo, os parlamentares incluíram um parágrafo que estabelece a tributação da transferência de grandes patrimônios pela alíquota máxima do ITCMD. A definição de “grande patrimônio” será feita por lei específica dos estados ou do Distrito Federal. A alíquota máxima do ITCMD, fixada pelo Senado Federal desde 1992, é de 8%, mas há estudos para elevá-la até 21%.
“Como nós abrimos a brecha para o patrimônio, quero dizer que na Constituição Federal do Brasil, aprovada em 1988, é constitucional cobrar um Imposto sobre Grandes Fortunas. Está lá”, destacou o deputado do PSOL durante a entrevista coletiva de apresentação do relatório, no início do mês.
“Não está no relatório, mas já avisei que nós vamos entrar com uma emenda de plenário”, prosseguiu. “Nós não precisamos esperar [a reforma do imposto de] renda depois para discutir uma questão que, como a reforma tributária, está no fundo da gaveta. Só que nós estamos tirando a reforma tributária do fundo da gaveta, então a hora é agora”, afirmou.
A ideia, segundo ele, é levantar o debate sobre o IGF “pelo menos para a sociedade”. “Não sei se nós vamos conseguir as assinaturas e nem se nós temos correlação de forças para passar, mas o nosso partido vai apresentar [a emenda]”, assegurou.
A criação de um tributo sobre patrimônios vultosos está prevista na Constituição, no artigo 153. O inciso VII estabelece que “compete à União instituir imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar”.
Julgamento no STF foi suspenso com um voto favorável ao novo imposto
Em 2019, o mesmo PSOL protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), na qual alega que o IGF é uma aplicação dos objetivos fundamentais da República de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
A ação recebeu voto favorável do ministro Marco Aurélio Mello, mas o julgamento, iniciado em 2021, foi suspenso após um pedido de destaque de Gilmar Mendes.
Desde 1989, a Câmara dos Deputados registrou 78 propostas de instituição do IGF, enquanto outras 21 estão paradas no Senado.
A ideia de taxar os super-ricos também encontra ressonância no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem atuado como porta-voz internacional de um modelo global de taxação de bilionários.
Imposto sobre Grandes Fortunas pode estimular saída de capital
Um estudo do Núcleo de Tributação do Insper, intitulado “Vale a pena instituir o IGF?”, destaca efeitos negativos do imposto sobre grandes fortunas, como “práticas de subdeclaração de bens e direitos, realocação de ativos e retirada de recursos para paraísos fiscais”. Contudo, o estudo menciona a Suécia como um exemplo positivo, com “melhorias em termos de bem-estar e metas redistributivas”.
“Cabe ressaltar que esta pesquisa não tem a pretensão de ser conclusiva a respeito do tema e, muito menos, prescrever ou desaconselhar a introdução de um IGF pelo país”, diz o estudo. “Quaisquer sinalizações a favor ou contra um IGF necessariamente deveriam considerar os demais tributos incidentes sobre a renda e patrimônio no país e seus índices de progressividade.”
A tributarista Bianca Xavier, da FGV Direito Rio, alerta que tributar grandes fortunas pode afastar capital do país. “Há exemplos de países que fizeram isso, mas não adianta apenas copiar um modelo, porque os países são diferentes”, afirma.
Ela observa que, após a reforma dos impostos sobre consumo, o governo pretende alterar a tributação sobre renda e folha de pagamento. “Hoje se tributa muito o consumo e pouco a renda. Se a gente fizer uma reforma do imposto de renda de forma inteligente, nem precisaria do imposto sobre grandes fortunas”, avalia.