O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem dado destaque político à sua esposa, Rosângela Lula da Silva, a Janja, apesar dos limites do papel de primeira-dama. Lula busca fortalecer a posição de Janja dentro do governo e do partido, seja como alternativa à sua própria reeleição ou para a renovação futura do PT.
Nas últimas semanas, o presidente nomeou Janja como sua representante na Olimpíada de Paris, protegeu informações sobre os presentes que ela recebeu e seus gastos na Presidência, além de garantir a ela espaços no comando partidário.
A obstinação de Lula em conferir à primeira-dama um status de autoridade federal já causou uma série de constrangimentos dentro e fora do país. Além de representar Lula como chefe de comitivas oficiais ao Rio Grande do Sul, Janja desrespeitou protocolos em cerimônias com chefes de Estado e governo em reuniões de cúpula, e discursou em foros internacionais como enviada do Brasil. Agora, ela protagoniza um novo embaraço diplomático e político relacionado à abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, no dia 26, após Lula indicá-la como sua substituta na semana passada.
De acordo com a Folha de São Paulo, a ida de Janja aos Jogos Olímpicos de Paris gerou tensão e movimentação no governo, pois ela não tinha credencial para prestigiar o evento. O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Paris havia convidado Lula para a abertura das Olimpíadas, garantindo sua credencial na categoria de dignitário, destinada a altos cargos públicos. Quando o presidente anunciou que não poderia ir à França e que Janja o representaria, surgiu uma confusão. Autoridades foram mobilizadas para buscar uma solução para a ausência de credencial da primeira-dama.
Nesse episódio, o governo enfrenta dois problemas: o anúncio de Lula foi feito apenas 15 dias antes dos Jogos, fora do prazo estabelecido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para a confirmação de presença na cerimônia. Além disso, Janja não pode usar a credencial destinada a Lula, pois ela não se enquadra na categoria de dignitária, já que não ocupa nenhum cargo no Executivo.
Janja protagonizou vídeo com Haddad
Em mais um episódio de exposição inapropriada, Janja e o ministro Fernando Haddad divulgaram, no último dia 11, um polêmico vídeo nas redes sociais. Na postagem, eles afirmam que a inclusão de todos os tipos de carne na cesta básica sem impostos, aprovada pela Câmara como parte da regulamentação da reforma tributária, foi uma “vitória de Lula”.
Segundo eles, “o acesso à proteína animal tem que ser garantido a todos os brasileiros”. No entanto, as declarações ignoraram o fato de que a proposta foi apresentada pela bancada oposicionista do PL.
Sigilo de informações sobre agenda da primeira-dama alcançam até 100 anos
Em 2023, o governo negou cerca de 1,3 mil pedidos de informações, alegando que os documentos continham dados pessoais. Alguns desses documentos foram colocados sob sigilo de 100 anos, incluindo a agenda da primeira-dama.
Na semana passada, a Casa Civil negou um pedido do site Diário do Poder, feito via Lei de Acesso a Informações (LAI), sobre os presentes recebidos por Janja, seus remetentes e suas despesas em viagens.
A justificativa foi que a primeira-dama não exerce função pública e que seria impossível individualizar os gastos da Presidência da República. Isso apesar de ela ter um gabinete no Palácio do Planalto, assessores diretos e participar de decisões governamentais, incluindo a intervenção na segurança pública do Distrito Federal após o 8 de janeiro, conforme relatado pelo próprio Lula.
Janja amplia influência no governo e no PT
O presidente Lula deixa claro seu desejo de dar mais exposição à esposa. No fim de junho, ele a convocou para apresentar o ComunicaBR, plataforma da Secretaria de Comunicação Social (Secom), após a saída do ministro Paulo Pimenta (PT), que foi deslocado para o provisório Ministério para a Reconstrução do Rio Grande do Sul.
Janja está sempre ao lado de Lula em atividades no país e em muitas viagens ao exterior, que marcaram 2023, com muita exposição pessoal dela nas redes sociais. Além disso, ela tem influência sobre a comunicação e outras áreas do governo, com o respaldo do presidente.
Em entrevista à BBC em abril, sobre a atuação das esposas de chefes do Executivo na América Latina, Janja afirmou que seu papel no governo é de articuladora e que o presidente lhe dá “total autonomia” para exercer suas funções.
Em março, Janja participou do lançamento do programa Elas por Elas, que prepara mulheres para serem candidatas pelo PT, com a presença de três mil participantes.
Meses antes, em dezembro, a primeira-dama esteve na conferência nacional eleitoral do PT. Suas declarações no evento geraram reação imediata da oposição, especialmente quando sugeriu que a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estava próxima “se tudo der certo”.
Candidatura presidencial de Janja
Caso Lula decida lançar Janja como candidata do PT à Presidência em 2026, o esforço para torná-la mais conhecida e politicamente fortalecida teria de seguir um calendário apertado e cheio de riscos. A legislação nacional cria barreiras para um governante favorecer eleitoralmente um parente próximo usando sua posição de poder. Por isso, Lula teria de antecipar sua saída da Presidência quase um ano antes, passando o resto do mandato ao vice, Geraldo Alckmin (PSB).
Segundo o advogado especializado em legislação eleitoral Antônio Augusto Mayer dos Santos, o impedimento vai além das normas da Justiça Eleitoral. “A Constituição Federal, combinada às jurisprudências do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), estabelece a necessidade de renúncia do titular reelegível seis meses antes da data da eleição de primeiro turno, em outubro”, explicou.
Para as eleições municipais de 2024, o impedimento é absoluto, além da falta de interesse. Isso ocorre porque são considerados inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção. No caso do presidente da República, a jurisdição abrange todo o país.
A possibilidade de Janja se candidatar não é discutida abertamente dentro do PT, apesar das movimentações explícitas de Lula. No entanto, há sinais de bastidores de que essa possibilidade cria desconforto, proporcional ao grau de ingerência dela em agendas do governo e estratégias políticas do marido.