A visita oficial do ditador russo Vladimir Putin à Coreia do Norte está sendo acompanhada com bastante atenção pela comunidade internacional, especialmente pelos Estados Unidos.
Há anos, autoridades americanas tentam isolar a Coreia do Norte com sanções internacionais devido ao programa de armas nucleares do país. Desde 2022, a Rússia também vem enfrentando sanções semelhantes por causa da invasão da Ucrânia. Agora, autoridades americanas temem a aproximação estratégica entre os dois países.
Há diversos pontos que preocupam os EUA. Um deles é a cooperação militar — teme-se que a Rússia possa estar comprando armamentos da Coreia do Norte, que possui uma indústria bélica. Devido às sanções americanas, a Coreia do Norte enfrenta dificuldades para vender suas armas a outros países.
Já há indícios de armamentos norte-coreanos sendo usados na guerra na Ucrânia. Com a Rússia como compradora, a Coreia do Norte estaria se fortalecendo economicamente.
Mais do que isso, os americanos veem um risco para o sistema internacional. Se houver compra de armas, a Rússia estaria violando resoluções do Conselho de Segurança da ONU, que ela própria aprovou, proibindo negociações desse tipo com a Coreia do Norte.
Os EUA têm alertado sobre um possível acordo de armas entre os dois países há algum tempo. Tanto a Coreia do Norte quanto a Rússia negam a compra de armas, apesar das evidências apresentadas por especialistas, indicando a presença de armamentos norte-coreanos na Ucrânia.
Outra preocupação dos americanos, especialmente da Coreia do Sul, maior rival de Pyongyang, é sobre o que os norte-coreanos receberiam em troca por sua cooperação com os russos.
Há sinais de que a Rússia estaria enviando petróleo e alimentos para a Coreia do Norte. No entanto, o maior temor do Ocidente é que os russos ajudem os norte-coreanos a desenvolver seus programas militares e nucleares.
Aproximação estratégica
Moscou precisa de munições e cartuchos de artilharia para a guerra na Ucrânia, enquanto Pyongyang tem esses recursos em abundância.
A Coreia do Norte, sob sanções, precisa desesperadamente de dinheiro e comida. Desde o fracasso das negociações com os EUA em 2019, o país está mais isolado do que nunca.
Essa aliança preocupa os Estados Unidos.
Com a Rússia pressionada a obter armas norte-coreanas, Kim Jong Un pode exigir um preço elevado.
O maior temor dos americanos e sul-coreanos é que Kim peça tecnologia russa ou know-how de armas avançadas para seu programa nuclear.
A Coreia do Norte ainda enfrenta dificuldades para desenvolver armas estratégicas, como um satélite espião e um submarino com armas nucleares.
As autoridades na Coreia do Sul acreditam que a cooperação com a Rússia em um nível tão elevado seria improvável, pois poderia ser estrategicamente perigosa para Moscou.
Yang Uk, pesquisador do Instituto Asiático de Estudos Políticos, observa que mesmo que a Rússia não forneça armas à Coreia do Norte, ainda poderá financiar seu programa nuclear.
“Se a Rússia pagar em petróleo e alimentos, poderá reativar a economia da Coreia do Norte, o que, por sua vez, também fortalecerá o sistema de armas norte-coreano. É uma fonte extra de recursos que eles não tinham”, disse Yang Uk à BBC em setembro do ano passado, quando Putin e Kim se encontraram na Rússia.
“Durante 15 anos, construímos uma rede de sanções contra a Coreia do Norte para impedi-la de desenvolver e comercializar armas de destruição em massa. Agora, a Rússia, um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, poderia causar o colapso de todo esse sistema”, afirmou Yang Uk.
À medida que as sanções aumentaram, a Coreia do Norte tornou-se cada vez mais dependente da China. No ano passado, Pequim recusou-se a punir a Coreia do Norte em votação no Conselho de Segurança da ONU pelos seus testes de armas de médio e longo alcance. Isso permitiu que a Coreia do Norte desenvolvesse seu arsenal nuclear sem consequências graves.
A Coreia do Norte proporciona a Pequim um distanciamento estratégico entre a China e as forças dos EUA estacionadas na Coreia do Sul, o que torna vantajoso manter Pyongyang como aliado.
No entanto, Pyongyang sempre se sentiu desconfortável por depender exclusivamente da China. Com a Rússia em busca de aliados, Kim Jong Un tem a oportunidade de diversificar sua rede de apoio.
E com a Rússia tão desesperada, o ditador norte-coreano pode acreditar que consegue obter concessões ainda maiores de Moscou do que de Pequim.
Armas norte-coreanas na Ucrânia
Apesar das recentes discussões sobre a preparação de Kim Jong Un para uma guerra nuclear, a ameaça mais imediata é a capacidade da Coreia do Norte de alimentar conflitos existentes e a instabilidade global.
Neste ano, especialistas em balística detectaram pela primeira vez armas norte-coreanas sendo usadas na guerra na Ucrânia. Militares ucranianos afirmam que dezenas de mísseis norte-coreanos foram disparados pela Rússia contra seu território, resultando na morte de pelo menos 24 pessoas e ferindo mais de 70.
“Nunca pensei que veria mísseis balísticos norte-coreanos sendo usados para matar pessoas em solo europeu”, disse Joseph Byrne, especialista em Coreia do Norte do think tank britânico Royal United Services Institute (RUSI).
Ele e sua equipe têm monitorado o envio de armas norte-coreanas para a Rússia desde a reunião entre Kim Jong Un e Vladimir Putin em Moscou, em setembro do ano passado.
Usando imagens de satélite, os especialistas observaram quatro navios de carga russos viajando entre a Coreia do Norte e um porto militar russo, carregados com centenas de contêineres.
No total, a RUSI estima que foram enviados 7 mil contêineres com mais de um milhão de munições e foguetes, que podem ser disparados de caminhões em grandes rajadas.
Essas avaliações são apoiadas por informações dos EUA, Reino Unido e Coreia do Sul. Rússia e Coreia do Norte negam que estejam comercializando armas.
“Esses projéteis e foguetes são alguns dos itens mais procurados no mundo hoje e estão permitindo que a Rússia continue atacando cidades ucranianas em um momento em que os EUA e a Europa hesitam em contribuir com armas [para a Ucrânia]”, diz Byrne.
O uso de mísseis balísticos no campo de batalha é o que mais preocupa Byrne e seus colegas, pelo que revelam sobre o programa de armas da Coreia do Norte.
Desde a década de 1980, a Coreia do Norte tem vendido suas armas para países do Norte da África e do Oriente Médio, incluindo a Líbia, Síria e Irã. Essas armas tendem a ser mísseis antigos, de estilo soviético, e de baixa qualidade.
Há evidências de que combatentes do Hamas provavelmente usaram algumas dessas antigas granadas lançadas por foguetes, fabricadas por Pyongyang, no ataque a Israel em 7 de outubro passado.
No entanto, um míssil disparado pela Rússia na Ucrânia em 2 de janeiro e desmanchado por especialistas era diferente das armas norte-coreanas normalmente encontradas pelo mundo. Tratava-se de um míssil de curto alcance mais sofisticado, o Hwasong 11, capaz de viajar até 700 km.
Embora os ucranianos tenham minimizado sua precisão, Jeffrey Lewis, especialista em armas norte-coreanas e não-proliferação no Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, diz que esses mísseis não são muito inferiores aos mísseis russos.
A vantagem desses mísseis é que são extremamente baratos, afirma Jeffrey Lewis. Os russos aparentemente estão aproveitando isso para usá-los em grande escala.
Isso levanta a questão de quantos desses mísseis a Coreia do Norte pode produzir. O governo sul-coreano observou recentemente que a Coreia do Norte enviou 6,7 mil contêineres de munições para a Rússia, indicando que as fábricas de armas de Pyongyang estão funcionando a todo vapor.
Sanções do Ocidente sob ameaça
Ao comprar armas de Pyongyang, Moscou estaria violando as sanções que ela mesma votou como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
No início deste ano, a Rússia usou seu voto para encerrar um painel da ONU que monitorava violações das sanções ocidentais contra a Coreia do Norte.
“Estamos testemunhando o desmoronamento em tempo real das sanções da ONU contra a Coreia do Norte, o que dá a Pyongyang muito espaço para respirar”, diz Joseph Byrne.
As implicações vão além da guerra na Ucrânia.
“Os verdadeiros vencedores aqui são os norte-coreanos”, afirma Byrne. “Eles ajudaram os russos de forma significativa e isso lhes trouxe muitas vantagens”.
Em março, a RUSI documentou grandes quantidades de petróleo sendo enviadas da Rússia para a Coreia do Norte, além de vagões cheios de arroz e farinha atravessando a fronteira entre os países.
Este acordo, estimado em centenas de milhões de dólares, impulsiona não só a economia de Pyongyang, mas também o seu exército.
A Rússia também poderia fornecer à Coreia do Norte matérias-primas para continuar fabricando mísseis, além de equipamentos militares, como aviões de combate, e assistência técnica para melhorar suas armas nucleares.
Além disso, a Coreia do Norte está tendo a oportunidade de testar seus mais recentes mísseis em um cenário de guerra real. Com esses dados, será possível aprimorá-los.