As eleições municipais de 2024 devem ser marcadas por um êxodo de apoiadores de Jair Bolsonaro, em um movimento que tem sido visto como uma mudança de dentro para fora. Isso porque, pela primeira vez, nomes que compõem a chamada ‘direita da base’ terão candidaturas lançadas massivamente em uma disputa eleitoral. O termo ‘base’ define aqueles que atuam nos bastidores políticos em prol de uma causa e, muitas vezes, estão totalmente longe dos holofotes. É o caso dos jovens Mateus Henrique Santana Souza (Paulista-PE), de 28 anos; João Pedro Trevisan Pugina (Araçatuba-SP), de 24 anos; Emanuel Nery Nascimento Silva (João Pessoa-PB), de 23 anos; e Thiago Medina Duarte (Recife-PE), de 21 anos.
Todos os quatro nomes citados possuem pontos em comum: são jovens, evangélicos, de direita e integram os movimentos conservadores de base, antes mesmo da chamada ‘onda Bolsonaro’ tomar as ruas do país e, em alguns casos, ter se tornado apenas uma ‘modinha’ passageira, como casos envolvendo o Movimento Brasil Livre (MBL) e políticos do extinto Partido Social Liberal (PSL), que até chegaram a surfar na dimensão Bolsonaro, mas abandonaram o barco pouco tempo depois.
Inicialmente, o sentimento político do quarteto e a participação ativa no segmento foram fomentados pelos fatores anti-Lula e anti-PT, que passaram a ganhar força em 2013, período de início dos protestos contra o aumento de passagens de ônibus no país, ainda durante a gestão da então presidente Dilma Rousseff (PT). À época, grupos de diversos lados políticos passaram a reivindicar o cenário de crise que já começava a sinalizar no mercado econômico.
A crise político-econômica foi acompanhada e intensificada por uma crise que começou em junho de 2013. Essa crise se agravou em março do ano seguinte, com os escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato, que foi um conjunto de investigações realizadas pela Polícia Federal (PF), que cumpriu mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, visando apurar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina, denominado Petrolão. A operação teve início em 17 de março de 2014 e contou com 80 fases operacionais autorizadas, entre outros, pelo então juiz Sergio Moro, durante as quais prenderam-se e condenaram-se mais de cem pessoas, tendo seu término em 1.º de fevereiro de 2021.
Com Dilma declarada reeleita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mesmo com uma forte impopularidade que minava seu governo, a insatisfação popular tornou-se presente em todo o país. Ela, conforme os números divulgados pela Justiça Eleitoral, conseguiu superar seu adversário Aécio Neves, que registrou uma votação expressiva, mas não levou a disputa presidencial.
Em um panorama já esperado, o fechamento de 2014 não foi nada bom. A disparada da crise econômica, também conhecida como a recessão de 2015/2016 ou a grande recessão brasileira, apesar de ter início naquele ano, se alastrou nos anos seguintes. O Produto Interno Bruto (PIB) do país caiu 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. Em 2017, o desemprego atingiu seu auge, com uma taxa de 13,7%, o que representava 14,2 milhões de brasileiros desempregados. Desde então, o país não se aquietou. Manifestações em todos os estados do Brasil foram registradas, com grande adesão pública em mais de 300 cidades.
E é justamente nesse contexto que surgiram os chamados ‘movimentos de base’ — pessoas comuns que passaram a articular movimentos políticos em diversas frentes, em áreas distintas da sociedade, mas com um objetivo comum: atuar em total oposição ao lulopetismo. Foi nesse período que a direita conservadora começou a ganhar corpo no Brasil.
Mateus Henrique, de Paulista (PE)
Graduando em História, Mateus Henrique Santana Souza, de uma área periférica da Região Metropolitana do Recife (RMR), é o fundador do ‘Direita Pernambuco’, tido como o primeiro movimento de direita do país, fundado ainda em 2014, sendo o maior grupo conservador do estado em atividade. Neste ano de 2024, o DPE comemora uma década de atuação e celebrou o marco histórico na Avenida Paulista, em 25 de fevereiro, em São Paulo, no ‘Ato Pela Democracia’, que reuniu cerca de 750 mil pessoas.
Destacando-se como precursor em manifestações populares no espectro político de direita, Mateus organizou e participou ativamente dos protestos pelo impeachment de Dilma (2015-2016), além de apoiar campanhas em favor de Jair Bolsonaro durante os anos de 2017 e 2018, consolidando seu apoio ao longo do mandato presidencial, incluindo a busca pela reeleição em 2022. De forma precoce, o movimento emplacou o pioneirismo do lema ‘Bolsonaro 2018’, ainda em 2015.
Bem antes das organizações liberais se projetarem, como o MBL, o DPE já marcava presença nas ruas em diversas ações de base do estado pernambucano, confrontando um cenário historicamente dominado pela extrema esquerda, onde partidos como PT, PSB e PCdoB exercem hegemonia.
Em áreas sociais, Mateus chegou a coordenar um projeto voltado à juventude, que ofertou cursos profissionalizantes e operou como uma alternativa para pessoas de baixa renda. A ação envolveu moradores periféricos de diversas partes de Olinda (PE), cidade situada entre os municípios de Recife e Paulista.
João Pugina, de Araçatuba (SP)
Em um cenário semelhante, o publicitário João Pedro Trevisan Pugina, natural de uma região do interior paulista, também teve seus primeiros contatos com a política marcados pelo sentimento antipetismo. Enquanto em Paulista, Mateus comandava movimentos de rua, João estava liderando grupos de jovens dentro das igrejas evangélicas. Nascido em um lar cristão, ele passou a estar na linha de frente do segmento jovem, sendo formado ainda na infância por diversas personalidades cristãs e, por consequência, a atuar em eventos locais, mas também em agendas por todo o país.
A partir 2015, João iniciou ativamente na sua jornada em conferências, congressos e workshops de linha protestante. Essas programações não se limitavam apenas ao campo espiritual, mas também traziam abordagens sobre a importância do envolvimento do cristão na sociedade, como agente de transformação. Esse segmento crê que não há como separar vida espiritual e social, mas entende que é responsabilidade do cristão agir na sociedade.
Em meio à mensagem de não omissão, o ainda adolescente de Araçatuba passou a levantar discussões políticas dentro do ambiente religioso, que por muitos ainda era tido como tabu, partindo de uma concepção de que política e religião não se misturavam. Na contramão, João passou a se posicionar sobre o envolvimento do cristão com a política, com abordagens didáticas e mensagens posicionadas sobre o assunto — angariadas em um viés liberal na economia e conservador nos costumes.
Em 2019, João já liderava ajuntamentos importantes, à frente de um púlpito, discursando diante de centenas de jovens evangélicos, como é possível ver em um registro publicado em agosto daquele ano. A mensagem envolvia, entre outros pontos, a retratação do propósito de vida. “O que você quer ser quando crescer?”, diz a legenda da postagem.
Desde então, ele passou a atuar como publicitário em projetos envolvendo o segmento religioso, além de integrar comitivas de missões e evangelismos em locais distantes, ao lado de lideranças evangélicas, como em áreas ribeirinhas no Amazonas, realizando entrega de alimentos e kits de higiene pessoal, em período de pandemia, para pessoas enquadradas na faixa da pobreza absoluta. Já em zonas periféricas, também cumpriu ações em pequenas vilas da Cidade Tiradentes, extremo leste da capital, além da conhecida favela de Sol Nascente, em Brasília.
Emanuel Nery, de João Pessoa (PB)
O estudante de Medicina Veterinária Emanuel Nery Nascimento Silva, natural de João Pessoa, capital paraibana, nasceu em um lar político voltado à esquerda. O Nordeste do país, como se sabe, é um reduto eleitoral do lulopetismo, que desde o início dos anos 2000 passou a dominar politicamente e a consolidar representantes em todos os nove estados que compõem a região.
Emanuel, no entanto, não simpatizava com os posicionamentos políticos de seus pais e familiares. Apesar de respeitá-los, via incongruências no espectro, não apenas nas figuras políticas locais, mas nas ideias e propostas da esquerda, as quais ele entende que não convergem com o que de fato é a realidade do brasileiro comum, seja ele de baixa renda ou pertencente a uma camada social mais elevada.
Em 2017, com a dimensão da polarização que também tomava conta da região nordestina, o jovem assumiu posição clara: declarar apoio aberto ao então candidato Jair Bolsonaro, do PSL, que se projetava como postulante ao Palácio do Planalto. No ano seguinte, já com a oficialização da candidatura, Emanuel passou a ser um cabo eleitoral do direitista em João Pessoa.
Desde então, com um lado político definido, o paraibano quis ir além, passando a atuar nos bastidores de movimentos de base e buscando mapear locais para explorar assuntos ideológicos, na intenção de contrapor a hegemonia progressista que ainda domina o Nordeste. A imersão fez Emanuel conhecer Gabriel Barbosa e William Jales, dois colegas de causa que também se tornaram ativistas políticos. Além de atuarem em manifestações populares, eles também passaram a estar nas ruas de um modo diferente: levando bandeirões para áreas estratégicas em que ideias conservadoras fossem propagadas para um maior número de pessoas.
Uma dessas ações aconteceu em vias como BRs, onde eles estendiam faixas em viadutos e pediam a reação de motoristas conforme os temas abordados. Um dos assuntos que mais repercutiu foi a rejeição ao aborto. Ao estenderem um bandeirão em plena avenida, veículos que transitavam no local sinalizavam em sinal de apoio, parabenizando a iniciativa e também se posicionando contra a aprovação do aborto, em discussão no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).
Thiago Medina, de Recife (PE)
Logo ao lado, não muito distante da Paraíba, e também situado na capital, Thiago Medina Duarte ascendeu no segmento político. Residente de Boa Viagem, Zona Sul do Recife, o jovem tornou-se viral na esfera digital. Sendo o mais novo do quarteto, Thiago reflete bem o lado positivo da geração Z, que quebrou diferentes paradigmas ao se comunicar intensivamente por meio das redes sociais.
Uma das ações iniciais do estudante de Ciência da Computação foi de emplacar transmissões na plataforma do Instagram, com discussões sobre assuntos em alta, além de confrontos entre ativistas de esquerda e direita. Na rede, ele também emitia opiniões e comentários políticos sobre ações dos Três Poderes. Em uma das lives, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que foi o parlamentar mais votado das eleições de 2022, participou em um formato collab.
Um dos vídeos de maior alcance foi o dia em que Thiago estava em uma sessão da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), em uma sessão voltada à educação, sobre o aumento do piso salarial dos professores. Ao dizer que Bolsonaro foi o responsável por conceder aumento aos docentes, ele foi agredido por ativistas de esquerda. Com esses vídeos, o perfil de Thiago passou a bombar, a ponto de romper a bolha e alcançar um público além do espectro de direita.
Outra investida foi a de fazer jingles para campanha de Bolsonaro, com paródias de músicas conhecidas entre o público geral, como Anunciação, de Alceu Valença; Tenho Medo, de Zé Vaqueiro; e Vem Cá, de MilFlowers. Eis um dos trechos:
Eu quero um Brasil novo / sem Lula pela frente / onde o brasileiro tem orgulho de morar
Defendendo a família e a nossa liberdade / é por isso que para sempre vou gritar:
Brasil acima de tudo / Deus acima acima de todos / com certeza, em Bolsonaro vou votar
Em quatro anos fez mais coisas que o PT a vida / e na cadeia nunca precisou ficar
Polêmica em universidade
Thiago Medina também ganhou destaque nas manchetes de diversos jornais após denunciar a veiculação de materiais de cunho político-partidário na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), em apoio aos então candidatos, Marília Arraes, candidata a governadora pelo Solidariedade, e do presidente Lula, que apoiou Marília. Na ocasião, Medina levantou questões sobre a militância política dentro do campus e tornou público o caso nas redes sociais.
O relato rapidamente repercutiu em todo o Brasil, levando a UNICAP a emitir um pronunciamento sobre o ocorrido. Em resposta, Thiago Medina decidiu também expor a presença de adereços de Bolsonaro nas proximidades da universidade e convocou estudantes de oposição à esquerda para se posicionarem em frente ao prédio da instituição de ensino. Diante da presença de ambos os grupos, a universidade optou por cancelar as aulas, alegando preocupações com a polarização e o risco de confrontos devido às divergências políticas.
Um raio-X do perfil político
O espectro político de direita tem sido uma crescente no Brasil. O fenômeno não é novo, mas vem se acentuando nos últimos anos, com uma evidente escalada do conservadorismo. O movimento ganha terreno em todas as partes do país. Em pontos de convergência, tanto Mateus Henrique, João Pugina, Emanuel Ney e Thiago Medina são jovens, todos eles tendo envolvimento político orgânico ainda na fase da adolescência e atuantes na internet, usando as plataformas como mecanismo de comunicação e difusão de ideias.
Outro ponto que chama atenção é que os citados nesta reportagem pertencem a uma igreja evangélica, e, curiosamente, congregam em denominações diferentes. Mateus é membro da Igreja Presbiteriana (IPB); João, da Igreja Amor e Cuidado; Emanuel, Igreja Nova Aliança Ágape e Thiago, também da Igreja Presbiteriana.
De modo visível, a ascensão do segmento evangélico na sociedade brasileira continua a moldar a paisagem política e religiosa do país. A proporção de brasileiros que se identificam como evangélicos atingiu cerca de 31%, de acordo com uma pesquisa do Datafolha realizada em 2020. O crescimento numérico dos evangélicos também é evidente na expansão do número de templos religiosos. De acordo com levantamento do IBGE, entre 2010 e 2019, o número de templos evangélicos quase dobrou, saltando de 62,8 mil para 109,5 mil. Demográficos apontam que os evangélicos podem superar os católicos como a maioria religiosa no Brasil até a década de 2030.
Na prática, a disparada vertiginosa não apenas resulta no campo religioso, em um fenômeno isolado, mas materializa escolhas políticas, comportamentos sociais e relações inter-religiosas. Os pesquisadores agora segmentam os protestantes em três grupos principais: os missionários (ou tradicionais), os pentecostais e os neopentecostais.
Bolsonarismo sem ré
Se há uma máxima que diz que foguete não tem ré, pode-se dizer que o bolsonarismo – ao menos para Mateus, João, Emanuel e Thiago – também não tem. Ao contrário de muitos que abandonaram a representação mais conservadora da política brasileira, esses quatro jovens não romperam com o bolsonarismo nem mesmo racharam com as bandeiras erguidas pela ala.
Para essa nova geração, o adjetivo bolsonarista é usado para ostentar uma posição política declarada, até mesmo exaltada com orgulho. Enquanto para os críticos, que usam o termo com maior frequência do que os simpatizantes, bolsonarista beira o insulto, em um mecanismo não tão diferente do observado no uso de palavras como petista ou comunista por eleitores de direita.
Mas o que realmente significa ser bolsonarista para Mateus, João, Emanuel e Thiago? Eles tecem um raciocínio próprio. Para eles, ser bolsonarista envolve um profundo sentimento de “abandono” pelos políticos tradicionais. Eles enxergam em Jair Bolsonaro uma alternativa à política tradicional marcada pelo oportunismo e pela corrupção, representando uma ruptura necessária com o establishment político.
Além disso, o bolsonarismo para eles significa uma total aversão ao Partido dos Trabalhadores (PT) e às políticas progressistas defendidas pelo partido e siglas de esquerda e extrema esquerda, especialmente em questões relacionadas à raça, gênero e orientação sexual. Os jovens também defendem a redução da intervenção estatal na economia e uma drástica redução da carga tributária.
A punição rigorosa aos criminosos, especialmente aqueles que cometem crimes hediondos, é outro ponto de destaque para esses adeptos do bolsonarismo. Eles defendem a preservação das liberdades individuais e criticam a imposição estatal em questões como a vacinação em massa, especialmente quando se trata de decisões que deveriam caber aos pais no processo de imunização infantil.
A defesa da família tradicional, da liberdade religiosa e da proteção da liberdade de expressão são vistas como pilares fundamentais do pensamento. Além disso, é dito que o espectro envolve um posicionamento anticomunista, opondo-se à toda e qualquer “doutrinação marxista”, especialmente nas escolas e universidade.
Há também uma sinalização pró-flexibilização das leis ambientais para conciliar as demandas ambientais com o desenvolvimento do agronegócio. Também existe uma concordância em rejeição a temas como aborto e drogas, considerando-os contrários aos valores morais e éticos defendidos pela maioria da sociedade brasileira.
Nas urnas em 2024
Ainda na fase de projeção como pré-candidatos, Mateus Henrique, João Pugina, Emanuel Nery e Thiago Medina demonstram interesse em participar das eleições municipais deste ano, concorrendo a cargos de vereadores. Todos eles planejam lançar suas candidaturas pelo Partido Liberal (PL), legenda política do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mateus Henrique buscará uma vaga na câmara municipal de Paulista (PE), que possui uma população de aproximadamente 334 mil habitantes e disponibiliza 15 cadeiras para vereadores. João Pugina, por sua vez, concorrerá na cidade de Araçatuba (SP), interior paulistano, que possui quase 200 mil habitantes e também dispõe de 15 assentos.
Já Emanuel Nery e Thiago Medina optaram por disputar vagas nas câmaras municipais de capitais. Emanuel virá por João Pessoa (PB) onde há 29 vagas disponíveis para vereadores. Enquanto isso, Thiago Medina lançará sua candidatura em Recife (PE), onde o número de vagas é um pouco maior, com 39 representantes no legislativo municipal.