Num sistema republicano, o Brasil adota esse sistema, não se permitem relações de amizade ou de compadrio como critério para ocupação de cargos ou funções públicas. A nossa Constituição, aliás, é bastante clara nesse sentido.
Infelizmente, no Brasil, o atual presidente da República parece nunca ter lido a Constituição. Se porventura leu, só pode estar agindo de má-fé ao atacá-la tanto. Estaria Lula atuando de má-fé ou dolosamente ao indicar seu amigo e advogado particular Cristiano Zanin para a vaga de ministro do STF?
Ao levar o nome de Zanin para o Senado, Lula fere de morte os princípios da moralidade e da impessoalidade, cravados pelo legislador constituinte na nossa Carta Magna justamente para evitar situações como esta.
Parentes, amigos, sócios, compadres, parceiros, entre outros agregados, não têm a isenção e a imparcialidade necessárias à judicatura. Daí vêm os dispositivos constitucionais vedando o compadrio no âmbito da administração pública.
Cabe lembrar que em uma república democrática ninguém está acima da lei. Aos administradores públicos, especialmente, não há margem para escolher cumprir ou não cumprir mandamentos constitucionais ou legais. O descumprimento implica necessariamente na anulação do ato administrativo, bem como na responsabilização administrativa, civil e criminal do agente público que o autorizou. Por isso, aos agentes públicos impõe-se a subordinação não só ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da moralidade e da impessoalidade, voltados à ética pública, à boa-fé, à honestidade, à lealdade e à probidade na administração.
Para o presidente da República, inclusive, de modo específico, o descumprimento dessas determinações pode configurar crime de responsabilidade passível de interrupção do mandato via processo de impeachment.
Note-se que o advogado Cristiano Zanin, cujo sogro é compadre e amigo de longa data de Lula, ficou conhecido a partir do momento em que assumiu a defesa do então ex-presidente Lula, envolvido numa série de escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro que o levaram à cadeia.
Apesar de já ter sido amplamente divulgado pela imprensa, não custa lembrar que o escritório do advogado Zanin recebeu R$ 1,7 milhão por serviços de consultoria jurídica prestados ao Partido dos Trabalhadores, cujos pagamentos mensais de R$ 46,9 mil ocorreram entre setembro de 2019 e agosto de 2022, conforme dados registrados no TSE. Além disso, o escritório também teria recebido R$ 1,2 milhão para atuar na campanha eleitoral de Lula.
Ainda que o Presidente da República tenha prerrogativas para indicar brasileiros natos, com notável saber jurídico e reputação ilibada, para ocuparem o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, de caráter vitalício — requisitos que Cristiano Zanin em tese teria (em tese, porque não sei se efetivamente possui notável saber jurídico) — o chefe do Poder Executivo também deve respeitar as hipóteses legais moralmente admissíveis. Em um sistema republicano, não existem poderes absolutos ou ilimitados, pois isso seria contrário ao próprio Estado de Direito, que vincula a todos.
Além disso, sobre o suposto notável saber jurídico de Zanin, destaca-se que o advogado associado a Lula não foi capaz de evitar a condenação e nem mesmo a diminuição da pena de seu cliente. Lula foi condenado em 1º grau por corrupção e lavagem de dinheiro, e teve suas penas aumentadas pelos desembargadores do TRF 4ª Região em Porto Alegre, que unanimemente rejeitaram as razões do recurso promovido por Zanin.
Caberá ao Senado Federal homologar ou não a indicação de Cristiano Zanin para ocupar um cargo vitalício e de enorme importância. Um presidente da República possui poderes consideráveis, porém, não tem o poder de desobedecer os mandamentos constitucionais da impessoalidade e da moralidade. No caso em questão, esses mandamentos estão sendo desrespeitados para atender não ao interesse público, mas para atender a um interesse nitidamente pessoal, algo que é amplamente reprovável pela sociedade brasileira.