Em uma nova investida contra as liberdades de imprensa e expressão, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio de uma decisão proferida pelo ministro Benedito Gonçalves, impôs censura prévia à empresa Brasil Paralelo, impedindo-a de exibir um documentário que seria lançado em 24 de outubro sobre a facada em Jair Bolsonaro (PL). A ação foi ajuizada pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
De acordo com o despacho, a produção poderá vir a público somente depois das eleições. O magistrado mandou interromper anúncios e conteúdos patrocinados nas redes sociais que envolvam o atual presidente da República ou o ex-presidente Lula. Determinou, ainda, que o YouTube retire a monetização do canal “Brasil Paralelo” pelo menos até o dia 31 de outubro de 2022, sob pena de multa diária que vai de R$ 50 mil a R$ 500 mil.
O objetivo da medida, segundo Gonçalves, é impedir “os potenciais efeitos anti-isonômicos” dos recursos e evitar que a série investigativa sobre o atentado a Bolsonaro receba “exponencial alcance”. Como justificativa para a censura prévia, o ministro cita um gasto privado da Brasil Paralelo, que entre os dias 9 e 15 de outubro investiu R$ 715 mil para divulgar o filme. Na liminar, ele não aponta qual seria a fake news promovida pela empresa.
Na visão do jurista Luiz Augusto Módolo de Paula, doutor e mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), advogado e procurador do município de São Paulo (SP), a decisão contra a BP é uma grave violação à liberdade e representa censura prévia, uma vez que o documentário “sequer foi assistido pelos assinantes da Brasil Paralelo nem mesmo pelos integrantes do TSE”.
— No caso em específico (a decisão sobre o documentário da Brasil Paralelo) é usada a expressão “caos informacional” para alcunhar o que é dito sobre o candidato Lula, misturando no mesmo balaio o que é dito nas redes por alguns influenciadores e políticos de direita com o trabalho documental da produtora de vídeos em questão. Sem provas, o ministro Benedito Gonçalves enxergou uma “atuação concertada para a difusão massificada e veloz de desinformação, que tem como principal alvo o candidato Luiz Inácio Lula da Silva” — declarou o profissional do Direito.
— A censura na decisão judicial, em cima de um documentário que não foi assistido pelos assinantes da Brasil Paralelo nem mesmo pelos integrantes do Tribunal Superior Eleitoral é chamada eufemisticamente de “ponderar o exercício da liberdade de opinião com a preservação da normalidade eleitoral”. Ora, se ninguém viu o documentário e se ele não foi exibido, houve censura prévia, sim. Sequer se deu a chance de a Brasil Paralelo, caso estivesse mentindo, injuriando ou caluniando um candidato, de responder pelos seus atos — acrescentou.
Na visão de Luiz Módolo, a Justiça Eleitoral “ganhou especial protagonismo nas eleições deste ano”. Em sua fala, ele lembra de outras decisões controversas protagonizadas pelo TSE, que na condição de “poder não-eleito”, se utiliza das garantias constitucionais e das mudanças na lei para “tolher a liberdade de expressão de certos agentes no debate público, especialmente do espectro conservador/liberal”.
— A Justiça Eleitoral ganhou especial protagonismo nas eleições deste ano. Note-se que os artigos da Constituição que regem a Justiça Eleitoral não mudaram. Eles deveriam trazer a competência dos tribunais e juízes eleitorais, mas houve omissão nesse ponto na Constituinte. O art. 121, especialmente, cria uma delegação muito ampla dessas competências, deixando a definição das mesmas para uma lei complementar, no caso a n° 64/1990, e para o Código Eleitoral (lei n° 4737/1965) — cita o jurista, mencionando brechas na legislação.
— Além dessas leis terem sofrido algumas modificações desde 2018 (especialmente sobre a questão das “fake news”) os homens e mulheres no topo da Justiça Eleitoral mudaram seus entendimentos sobre alguns temas (ex: cassação do deputado federal do Paraná Fernando Francischini, eleito então deputado estadual, por “fake news” por conta de live de 2018). Logo, um poder não-eleito se aproveitou dessa ampla delegação constitucional e das mudanças nas leis e usou isso de forma a tolher a liberdade de expressão de certos agentes no debate público, especialmente do espectro conservador/liberal. Desconhecemos decisões equivalentes que tenham atingido a esquerda com o mesmo impacto — completa.
Ainda conforme o advogado, mesmo que o documentário da Brasil Paralelo, que ninguém assistiu, tenha somente conteúdos pautados na verdade e sem distorções da realidade, ainda assim a Corte poderia utilizar eufemismos para bani-lo ou censurá-lo do público geral, em razão de precedentes de decisões anteriores.
— Mas até mesmo se apenas fatos e verdades constassem no documentário já podemos perceber, vide decisão recente do TSE, com a divergência aberta pelo ministro [Ricardo] Lewandowski [vice-presidente do TSE], na qual “desordem informacional” pode tirar um documentário do ar, que dizer a verdade já não é suficiente — lamenta o jurista.
— Esse tipo de decisão interfere na liberdade de imprensa e expressão eis que a Constituição e a lei não seriam mais a baliza a ser seguida pelos jurisdicionados, com um poder não-eleito (o Judiciário) dizendo o que pode ou não circular no debate público. A incerteza e o medo gerados nos faz pensar que passamos de um Estado de Direito, no qual a lei é a baliza, para um Estado de Homens, a lei do mais forte — finaliza.
Luiz Augusto Módolo de Paula é doutor e mestre em Direito Internacional pela USP, bacharel pela mesma universidade, procurador de São Paulo e advogado. É autor de “A Saga de Theodore Roosevelt” (Lisbon International Press) e “Genocídio e o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (ed. Appris), dentre outros livros.